Goiás enfrenta alta nos casos de estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes
Dados da Secretaria de Segurança Pública revelam que 793 menores de idade foram vítimas entre janeiro e abril de 2025

Entre janeiro e abril deste ano, Goiás registrou 793 casos de estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes. Também foram notificadas 458 ocorrências de maus-tratos e 162 de importunação sexual. Os números são da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-GO) e escancaram uma realidade alarmante: muitos desses crimes acontecem dentro de casa e são cometidos por pessoas próximas.
Na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Anápolis (DPCA), o psicólogo Valdeir Santos acompanha diariamente relatos de vítimas. Segundo ele, o primeiro passo é criar um ambiente acolhedor para que a criança se sinta segura. “A gente fala que é um relato puro. Um ambiente onde ela pode contar a sua própria história sem ser julgada ou questionada”, explica. Ele usa desenhos e momentos lúdicos para estabelecer confiança antes de iniciar a escuta especializada. “É uma relação de segurança. A criança precisa confiar em mim para conseguir relatar, de forma espontânea, o que aconteceu.”
Valdeir destaca que o aumento nas denúncias está ligado à maior coragem das vítimas e à melhora na comunicação com familiares e professores. “Essa proximidade, esse ambiente seguro, é perfeito. A divulgação correta nos meios de comunicação também ajuda muito. Quando a criança se sente segura, ela fala.”
Os efeitos da violência sexual na vida das vítimas são graves e duradouros. Segundo Valdeir, a criança pode desenvolver transtornos de ansiedade, depressão, dificuldades na escola e medo de ambientes públicos. Os sinais mais comuns são mudanças de comportamento, agressividade, medo excessivo e até comportamentos sexualizados. “Em crianças pequenas, um sinal importante é a volta do xixi na cama. Isso pode indicar que algo não vai bem e precisa ser investigado.”
Na maioria dos casos atendidos pela DPCA, o agressor é um familiar. “O ambiente mais comum do abuso é dentro de casa, principalmente na sala ou no quarto”, relata Valdeir. Ele alerta que o ofensor pode usar brinquedos, músicas ou desenhos como distração para cometer o crime.
No cenário nacional, a situação é igualmente grave. O Atlas da Violência 2025 aponta que, em média, 13 meninas são estupradas por hora no Brasil. Cerca de 80% desses crimes ocorrem dentro de casa. Em 2023, o país registrou mais de 83 mil casos de estupro, sendo 76% classificados como estupro de vulnerável.
A juíza Célia Regina Lara, coordenadora da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), defende ações integradas entre Justiça, saúde, segurança pública e sociedade civil. “O agressor geralmente é alguém do convívio da criança. Precisamos romper o silêncio e garantir o acolhimento adequado.”
Para evitar a revitimização das vítimas, o sistema judiciário goiano utiliza escuta especializada e depoimento especial, conforme prevê a Lei nº 13.431/2017. O TJGO também distribui materiais educativos, como gibis que explicam às crianças o que é violência sexual e como buscar ajuda. “O Maio Laranja é um chamado à responsabilidade coletiva. O silêncio não pode proteger o agressor”, reforça a magistrada.
A jornalista Kariny Bianca, sobrevivente de abuso sexual na infância, também participou da campanha. “Me retraí, usava roupas largas. Guardei o segredo por muito tempo. É preciso acolher, ouvir e jamais duvidar da vítima”, disse. Já a deputada federal Flávia Morais (PDT-GO) lembrou que “esses crimes são recorrentes e muitas vezes escondidos. Observar os sinais e oferecer apoio é essencial.”
Denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, que funciona 24 horas por dia, ou diretamente à DPCA, Conselhos Tutelares e Ministério Público. Segundo o Instituto Liberta, mais de 500 mil crianças e adolescentes sofrem violência sexual por ano no Brasil, mas só 7,5% dos casos chegam às autoridades. O medo e a vergonha ainda impedem muitas vítimas de falar.
Por isso, campanhas como o Maio Laranja são fundamentais para ampliar o conhecimento, incentivar denúncias e promover mudanças. Como afirma Valdeir Santos: “Quanto mais a gente fala, mais a criança entende que ela não está sozinha — e que existe ajuda.”
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