Quem são os adeptos das religiões afro-brasileiras, segundo o novo Censo
Dados do IBGE revelam perfil racial, etário e regional dos praticantes de umbanda e candomblé; avanço é puxado por jovens e marcado por resistência à intolerância

O Brasil soma hoje 1,849 milhão de pessoas que se declaram praticantes de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. A constatação vem do Censo Demográfico 2022, divulgado pelo IBGE, que revela um crescimento de mais de 230% em relação aos dados de 2010, quando esse grupo representava apenas 0,3% da população. Em 2022, passou a ocupar 1% do mapa religioso nacional.
O avanço, embora ainda modesto diante do total de brasileiros, representa uma reconfiguração simbólica e estatística. Pela primeira vez, é possível traçar um retrato mais preciso de quem são os fiéis dos terreiros no país, um grupo historicamente marginalizado e marcado por práticas de resistência, sincretismo forçado e perseguições que atravessam séculos.
Os dados do IBGE mostram que 42,7% dos adeptos se declaram brancos, 26,3% pardos e 19,9% pretos. No entanto, entre os brasileiros que se autodeclaram pretos, 2,3% seguem umbanda ou candomblé, o dobro da média nacional. Esse número reforça a tese de que a religiosidade afro-brasileira é também uma forma de afirmação racial e cultural. Para muitos, representa um reencontro com raízes históricas silenciadas pelo colonialismo, apagadas pelo cristianismo dominante e esquecidas em registros oficiais.
A idade dos praticantes também revela um cenário em transformação. Entre os que têm de 10 a 24 anos, a proporção de adeptos subiu de 21,9% para 25,9%. Já na faixa de 30 a 49 anos, o índice passou de 35% para 40%. A presença expressiva de jovens aponta para um movimento de renovação e ocupação simbólica. Além de frequentar os terreiros, essa nova geração propaga a fé ancestral nas escolas, universidades, redes sociais e eventos culturais.
Regionalmente, o crescimento se concentra nas capitais do Sudeste e do Nordeste, com destaque para Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Nessas cidades, há políticas públicas voltadas ao enfrentamento da intolerância religiosa, iniciativas de preservação cultural e espaços de visibilidade das tradições afro. A Bahia, com forte presença do candomblé, mantém sua centralidade simbólica no imaginário religioso brasileiro.
O avanço estatístico reflete também uma mudança de postura em relação à autodeclaração religiosa. Desde os anos 2000, campanhas do movimento negro, de organizações civis e do próprio IBGE incentivam que os praticantes não se declarem católicos ou espíritas por conveniência, medo ou sincretismo. A história das religiões afro-brasileiras é marcada por perseguições, dos tempos coloniais aos dias atuais, o que tornou habitual a omissão da identidade religiosa em censos e pesquisas.
Apesar do ambiente mais favorável à afirmação, os episódios de intolerância persistem. Crescem os registros de depredações de terreiros, ameaças a líderes e exclusões simbólicas em escolas e mídias. A violência religiosa, em muitos casos, tem cor, classe e endereço. Atinge majoritariamente negros e moradores de periferias. A liberdade de culto, embora garantida por lei, ainda esbarra no preconceito institucional e no avanço de discursos fundamentalistas.
O novo Censo, portanto, não revela apenas um dado numérico. Ele explicita um movimento em curso de reconstrução identitária, resistência e luta por reconhecimento. A religião, nesse contexto, deixa de ser apenas prática espiritual para se tornar também ferramenta de pertencimento, ancestralidade e enfrentamento. Quando os números crescem, é porque há histórias que, enfim, puderam ser contadas, com nome, fé e axé.