A essência da floresta: o legado cultural das frutas amazônicas
Estima-se que cerca de 220 espécies de árvores da floresta produzem frutos comestíveis


A Amazônia, frequentemente associada à sua biodiversidade e extensão territorial, também abriga uma riqueza menos explorada: a variedade de sabores escondida entre suas matas. Estima-se que cerca de 220 espécies de árvores da floresta produzem frutos comestíveis, muitos deles ainda desconhecidos fora das comunidades ribeirinhas que os cultivam há gerações.
Boa parte dessas frutas não chega ao mercado internacional. São, em muitos casos, produtos perecíveis demais para transporte ou ainda pouco reconhecidos fora do contexto amazônico. No entanto, para quem percorre o curso do Rio Amazonas, da floresta alta no Peru às planícies alagáveis no norte do Brasil, é comum encontrar mercados e cafés repletos de sucos frescos que traduzem, em sabor, a essência da floresta.
São bebidas preparadas com frutas colhidas há poucas horas, servidas geladas para amenizar o calor úmido da região. Diferentemente de produtos industrializados, essas frutas dificilmente aparecem em versões engarrafadas ou em pó, o que reforça o caráter único da experiência.
Entre as espécies nativas, oito se destacam pela intensidade dos sabores, pelo valor simbólico que carregam ou pela singularidade da experiência sensorial que proporcionam.
Buriti
No leste dos Andes, onde os rios cortam a floresta a caminho da bacia amazônica, o buriti se destaca como um dos frutos mais emblemáticos. Conhecido no Peru como aguaje, ele nasce da palmeira moriche e tem casca marrom e escamosa.
O fruto é encontrado com facilidade nas feiras locais. O preparo tradicional envolve deixar o buriti de molho por até dois dias. Em seguida, a casca é removida, revelando uma polpa alaranjada, que é amassada com água e servida na forma de uma bebida conhecida como aguajina, muito consumida na região.
Açaí
Popularizado como símbolo da alimentação saudável ao redor do mundo, o açaí que conquistou academias e cafeterias internacionais pouco se assemelha ao que é servido nas margens do Rio Amazonas. Na região Norte do Brasil, especialmente em cidades como Belém, o fruto mantém sua forma mais autêntica, densa, terrosa e sem adição de açúcar, em um preparo que preserva o vínculo com os hábitos alimentares locais.
O que poucos sabem é que o açaí não é um fruto único. Existem ao menos sete espécies diferentes de palmeiras produtoras, reconhecidas por nomes como açaí-do-Pará, açaí-do-mato e juçara. Cada uma tem suas particularidades de sabor, coloração e textura, conhecidas e valorizadas pelos moradores da região amazônica.
Na capital paraense, por exemplo, o açaí é extraído com o uso de prensas pneumáticas e vendido em sacos plásticos, ainda fresco, para ser consumido puro, com farinha de mandioca, peixe frito ou camarão seco. Servido em tigelas e comido de colher, é um alimento básico do cotidiano e não um item de luxo.
Cubiu
Chamado de cocona no Peru, o cubiu é um fruto tropical da mesma família do tomate. Sua polpa espessa, ligeiramente oleosa e de sabor ácido, que lembra uma fusão entre abacaxi e mamão, é mais apreciada na forma líquida.
Segundo moradores da região, o consumo da fruta como suco se justifica por sua acidez e consistência fibrosa, o que dificulta a ingestão direta. É o tipo de sabor que pode causar estranhamento à primeira prova, mas que se torna indispensável.
Camu-camu
À beira do Rio Ucayali, na cidade de Pucallpa, último ponto acessível por estrada no coração da floresta peruana, uma fruta pequena, ácida e intensa domina os balcões de suco: o camu-camu.
Com sabor que lembra morango azedo, o fruto é um dos campeões naturais em concentração de vitamina C. Para efeito de comparação, enquanto a laranja oferece cerca de 6 mg da vitamina por 100 g de polpa, o camu-camu ultrapassa os 2.000 mg na mesma porção.
Consumido gelado como suco ou com uma pitada de sal, desde que se descartem as sementes, o camu-camu tem safra curta, entre janeiro e março.
Tucumã
Mais de mil quilômetros a leste de Pucallpa, no estado brasileiro do Amazonas, a paisagem revela outra estrela da floresta: o tucumã. De fevereiro a agosto, a fruta alaranjada aparece em feiras e padarias, seja em forma de suco ou como ingrediente para um sanduíche típico que combina fatias do fruto com queijo coalho e banana frita.
De polpa fibrosa, o tucumã precisa passar por um processo cuidadoso para virar bebida. É descascado, triturado e coado antes de ser servido. Além do sabor marcante, a fruta é valorizada por seu conteúdo nutricional.
Estudos mostram que o tucumã concentra altos níveis de manganês e cálcio. Para se ter uma ideia, enquanto o kiwi possui cerca de 30 mg de cálcio por 100 g, o tucumã pode conter até quatro vezes mais. Moradores locais ainda atribuem ao fruto benefícios para a saúde da visão e da pele.
Pupunha
Na região de Tefé, no coração do Amazonas, a pupunha é presença certa entre os meses de dezembro e fevereiro. O fruto da palmeira, conhecido em países vizinhos como pejibaye ou pijuayo, não pode ser consumido cru. Após o cozimento, adquire uma textura densa e um sabor levemente adocicado, que lembra a batata-doce.
Rico em gorduras naturais, vitamina B1 e vitamina E, o fruto cresce em cachos compactos, com pequenas bolotas alaranjadas ou avermelhadas. Em algumas comunidades peruanas, a polpa da pupunha é fermentada para produzir bebidas alcoólicas típicas, como a chicha ou o masato, geralmente preparadas durante a safra.
Cupuaçu
Em Manaus, onde a infraestrutura permite armazenar e conservar frutas por mais tempo, o cupuaçu tornou-se símbolo de uma culinária regional em constante reinvenção. O fruto, parente próximo do cacau, guarda sob a casca espessa uma polpa branca e cremosa, que rende um suco levemente ácido.
Além do suco, o cupuaçu já conquistou espaço em sobremesas, especialmente sorvetes artesanais. Seu perfil gustativo complexo tem favorecido experimentações, incluindo a produção do cupulate, um chocolate feito a partir das sementes da fruta, numa alternativa sustentável ao cacau tradicional.
Jenipapo
O jenipapo carrega uma herança que ultrapassa os sentidos do paladar. Usado historicamente como corante natural, especialmente para tatuagens temporárias e pinturas corporais, o fruto também oferece uma polpa com alto valor nutricional, rica em vitamina B1 e zinco.
Embora possa ser consumido como suco, com sabor que remete a damascos, o jenipapo é mais conhecido pela forma alcoólica. O licor de jenipapo, infusionado com cachaça, é servido em pequenos bares e botecos da região, preservando o caráter tradicional da fruta, agora adaptado ao consumo urbano.