Veto de Caiado a tranco no STF pode prejudicar apoio da direita
A PEC das Prerrogativas, que a esquerda e sua mídia apelidaram de PEC da Blindagem, é o Poder Legislativo reagindo ao domínio do Judiciário na cassação de parlamentares
Na campanha de 2018, Ronaldo Caiado (DEM) liderava por méritos próprios, mas também pela debilidade dos adversários Daniel Vilela (MDB) e José Eliton (PSDB), no fim do ciclo de Marconi Perillo. Mas o martelo que bateu a bala de prata no peito do continuísmo foi a ascensão Jair Bolsonaro arrebentar os presidenciáveis do MDB, Henrique Meirelles (que, apesar de ser duplamente conterrâneo de Caiado, goiano de Anápolis, teve aqui apenas 90.778 votos ou 2,78%), e do PSDB, Geraldo Alckmin (146.440 ou 4,49%). Caiado e Bolsonaro ganharam, no ano seguinte vieram a pandemia e seus terríveis efeitos, um deles a briga entre os dois governantes por divergência de ideias.
Foi uma surpresa, pois houve influência simultânea nas duas equipes. Caiado ajudou a indicar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Veio do time de Paulo Guedes, ministro da Economia, a secretária do ramo em Goiás, Cristiane Schmidt. A diferença de pensamento e estilo entre os dirigentes não impediu a convergência durante as eleições de 2022, quando Bolsonaro teve aqui 1.920.203 votos e Vitor Hugo, seu candidato a governador, tirou praticamente ¼, 516.579. Quem herdou o restante dos votos? Caiado foi reeleito no 1º turno com 1.806.892 e no 2º, como em 2018, se engajou na campanha de Bolsonaro.
Até chegar neste fim de semana e Caiado combater a Proposta de Emenda à Constituição nº 3 de 2021, a PEC das Prerrogativas, que a esquerda rebatizou de PEC da Blindagem e a narrativa deu tão certo, escorada na mídia petista, que no sábado já era PEC da Bandidagem e no domingo a comparação dos lulistas passou a se dar com o PCC. O texto, aprovado na terça-feira (16), virou filho feio, ninguém queria assumir – em Goiás, a deputada Silvye Alves, diante de tanta pressão do Gabinete do Ódio, ameaçou deixar o União Brasil porque o partido apoiava a PEC. Além dela, outros 13 da bancada do Estado votaram pela valorização do Legislativo e apenas os lulistas mais fanáticos – os petistas Adriana Accorsi e Rubens Otoni e a pedetista Flávia Morais – fincaram o pé contra.
A confusão serviu para relegar a último plano a pauta da CPI do INSS, que se nada tem de bom o que há de tão ruim na proposta que resultou em manifestações, choro e ranger de dentaduras? Como se lê abaixo, em síntese e na prática ela reduz o poder do Supremo Tribunal Federal de fustigar os parlamentares. Integrantes do STF fazem o que querem sem qualquer consulta aos demais poderes, no que estão corretos. A rusga reside no fato de as ações dos componentes do Congresso precisarem ser validadas o tempo inteiro pelos ministros do Supremo. E o Executivo apanha dos dois, só não tomba por ter o maior dos poderes, o aquisitivo. A PEC seria um tranco no império do STF sobre o que a Constituição manda ser harmônico.
Caiado foi deputado e senador do alto clero, ouvido e respeitado. Suas opiniões são acompanhadas com cerimoniosa atenção. No caso da PEC das Prerrogativas, preferiu chamá-la pelos apelidos impostos pelos petistas. Claro, o nome é o de menos, o que deve ter chocado foi a dureza na repulsa à proposta, já que ela satisfaz a um público que em tese possui propensão a ajudá-lo para presidente da República. A consequência imediata foi trombar de frente com a família Bolsonaro e seus mais fiéis seguidores, onde se concentram as vítimas de decisões do STF.
Um filho de Jair, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, teme voltar ao Brasil e ser preso porque há ministros que interpretam como violação a leis sua busca por proteção à liberdade do pai. As modificações alcançam outros parlamentares, como o goiano Gustavo Gayer. Também será atingido diretamente o deputado Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Polícia Federal condenado pela 1ª Turma do STF em consequência dos atos do 8/1. São influentes participantes da direita que podem entortar a cara para o lado do governador goiano na campanha presidencial.
Texto da PEC é normal, anormal tem sido a reação a ele
Os diversos artistas que fizeram shows para atrair público às manifestações não devem ter lido a PEC apresentada em 24/2/2021 pelo deputado federal paraense Celso Sabino. Faça diferente deles e dê atenção ao texto, que é normal, anormal tem se mostrado a lacração em torno dele:
AS MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO FEDERAL, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 53 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 53. ………………………..
- 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal e, a qualquer tempo, somente serão alvos de medidas cautelares de natureza pessoal ou real dele provenientes.
- 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.
- 3º A deliberação sobre a licença de que trata o § 2º deste artigo, bem como sobre a prisão em flagrante de crime inafiançável, dar-se-á pelo voto secreto da maioria absoluta dos membros da Casa respectiva, devendo ocorrer em até noventa dias do recebimento da ordem do Supremo Tribunal Federal, no primeiro caso, e após o recebimento dos autos, que serão remetidos à respectiva Casa em até vinte e quatro horas para a resolução sobre a custódia e a autorização para formação de culpa, no segundo caso.
- 4º O indeferimento do pedido de licença suspenderá a prescrição enquanto durar o mandato.”
Art. 2º A alínea b do inciso I do caput do art. 102 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, os Presidentes Nacionais de partidos políticos com representação no Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República.”
O artigo 53 da Constituição diz em sua cabeça (o tal caput) que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Desse artigo foi tirado o parágrafo (§) 5º: “A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato”.