Acaba mandato de senadores eleitos com Lula preso e Bolsonaro solto
Projeto de oposição ao PT é eleger maioria para promover impeachment de ministros do STF e cobrar do novo presidente a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro
Enquanto estava podendo fazer política, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro insistia com seus interlocutores na estratégia de fazer maioria no Senado, onde são votados eventuais processos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, não basta ser de oposição a Luiz Inácio Lula da Silva, precisa ter o compromisso de votar contra os algozes dos bolsonaristas e forçar o novo presidente, caso pertença a grupo ideologicamente compatível, a anistiar os condenados pelas arruaças em Brasília no 8 de janeiro de 2023. Para formar a maioria absoluta, com 2/3 dos 81 senadores, é necessário juntar 54 favoráveis a projetos extremos com a cassação de integrantes do STF, exatamente o número de vagas que vão se abrir e serão preenchidas pelos eleitos em 2026 – a safra de 2018 está contando os últimos meses de mandato.
A ideia de Jair Bolsonaro, como tinha certeza da condenação pela 1ª Turma do STF e da manutenção da pena imposta antes pelo Tribunal Superior Eleitoral, era levar das urnas para o Congresso o ingrediente que faltasse para retomar sua elegibilidade. Os parlamentares de sua confiança enrolaram tanto que não há mais tempo para o ex-presidente voltar a ser candidato no próximo ano. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já disse que não vai colocar em pauta proposições como a da anistia dos envolvidos no 8 de Janeiro e o livramento de Bolsonaro. Mesmo que ele pusesse para votar e tivesse a acolhida necessária, o STF declararia a inconstitucionalidade, conforme alguns ministros já disseram. Então, fica tudo para a eleição do outro outubro.
Impossível repetir o PMDB de 1986
Bolsonaro tem militantes fiéis em seu partido, o PL, na parte do Republicanos que obedece ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e outros gatos pinguços de PP, Novo e União Brasil, além de um ou outro religioso do MDB, do PRD (mistura de Patriota e PTB) e da fusão PSC/Podemos. Ainda assim, está longe de ser maioria qualificada. Para atingir seu objetivo duplo, anistia própria e queda de ministros do Supremo, precisa alcançar o que nenhuma sigla consegue desde o PMDB com o Plano Cruzado, em 1986, quando preencheu 38 das 49 vagas em disputa. Atualmente, até 1/3 disso é sonho. Em 2022, com Bolsonaro no Palácio do Planalto, o PL elegeu só meia dúzia de senadores (PT fez 4) e eram 27 as cadeiras possíveis.
Em 2018, quando Lula estava na cadeia e Bolsonaro, então no PSL, ganhou para presidente, com 54 vagas abertas, seus partidos empataram em 4 a 4. Para JMB ser brindado com a maioria, 27, dos lugares que vão ficar vagos, teria de encabeçar uma articulação nacional com alta intensidade e excelentes resultados. Ninguém duvida de sua capacidade de mobilização. A diferença é que agora é ele quem está cadeia (sim, a prisão domiciliar é uma cadeia) e Lula, na Presidência. Outro detalhe: a militância segue Bolsonaro, porém nem toda ela se curva necessariamente a seus filhos, sua esposa ou a todos os candidatos que indicar.
O nível de quem leva para Brasília
Outra encrenca para o ex-presidente resolver, mesmo privado de liberdade, é a qualificação de seus escolhidos. Dois dos exemplos estão em Goiás. Em 2018, os eleitos foram Jorge Kajuru e Vanderlan Cardoso, que na campanha se diziam bolsonaristas, no Senado posavam de cristalizados à bancada do capitão e aderiram com rapidez à esquerda após Lula assumir. JMB está ligado num senão que o tem prejudicado desde 2019, o preparo dos eleitos por ele na Câmara e no Senado. Para enfrentar os esquerdistas, ainda mais em eventual votação sensível como a da anistia ou o impeachment de algum ministro do STF, os aliados de Bolsonaro precisam ser bons de tribuna, de regimento e de conteúdo político, três searas praticamente inéditas até agora.
Tarcísio e Caiado herdam prós e contra da direita
Com Jair Bolsonaro em prisão domiciliar, o comando da direita ficou para dois presidenciáveis, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e Goiás, Ronaldo Caiado, filiados (respectivamente e por enquanto) a Republicanos e União Brasil. O interesse da esquerda lulista é rotular a oposição inteira de extrema direita, seja lá o que for isso. Porém, título não cola em Tarcísio e Caiado, muito menos nos outros dois pré-candidatos ao Planalto, os também governadores do Paraná, Ratinho Jr., e de Minas Gerais, Romeu Zema. A rigor, a família Bolsonaro é cotada para vice de qualquer deles, apesar de o interesse do ex-presidente ser a eleição de senadores.
Se o candidato for Tarcísio com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) de vice, fecha-se o ciclo do Centrão inteiro ou pelo menos da parte que ainda confia na reeleição de Lula – incluam-se nesse rol os sete ministros da direita arrastados pela esquerda (3 do PP, 3 do UB e 1 do PSD, além do presidente da Caixa Econômica Federal). O magnetismo do cargo é tamanho que o ministro do Turismo, Celso Sabino, depois de muito postergar, prefere se submeter à expulsão do UB a voltar à bancada do Pará na Câmara dos Deputados. Ninguém quer largar o osso, muito menos uma picanha suculenta daquelas.
Caso a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro seja vice de Tarcísio, a direita bolsonarista vai abrir mão de uma senadora certa pelo PL do Distrito Federal. Em 2022, ela sozinha elegeu Damares Alves ao Senado pelo DF quando havia só uma vaga, imagine agora com duas e a própria concorrendo… Outra permuta não muito suave foi realizada quando Eduardo Bolsonaro se exilou nos Estados Unidos para tentar com o presidente Donald Trump apoio internacional a seu pai. A articulação começou bem, depois Trump passou a elogiar Lula, Eduardo perdeu a chance de liderar a minoria na Câmara dos Deputados e pode ser cassado. Assim, evapora-se outra vaga 100% certeza no Senado por São Paulo.
Caiado e Tarcísio já se manifestaram favoráveis à anistia a Jair, caso um deles chegue à Presidência da República. É um ponto inegociável com a família Bolsonaro, que mesmo depois de tudo mantém expressiva faixa do eleitorado que a segue religiosamente. Esse é o bônus. O ônus está sendo experimentado com mais veemência pelo governador de São Paulo, para quem as mídias sociais da esquerda viraram a mira depois do tarifaço trumpista.