Embate político explode após aprovação do PL Antifacção
Presidente da Câmara diz que governo optou por caminho errado em não apoiar o projeto e exige justificativa dos 110 votos contra. Proposta segue para análise do Senado sob novas disputas e deve voltar a Casa
A cobrança por explicações públicas aos parlamentares que rejeitaram o PL Antifacção dominou o discurso do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), um dia após a aprovação da proposta. O placar foi de 370 votos a favor, 110 contra e três abstenções. Ao reagir ao comportamento da base governista, especialmente dos petistas, Motta afirmou que os críticos do projeto precisam justificar o voto contrário e abandonar, segundo ele, “narrativas inverídicas” sobre o texto final.
Durante a manhã desta quarta-feira (19), Motta elevou o tom ao afirmar que “quem votou contra tem que dar a cara a tapa” e explicar por que se posicionou contra a matéria. A reação expõe o clima de tensão política instalado após a votação, marcada por divergências dentro do próprio governo.
E à tarde, nas redes sociais, o presidente da Câmara se pronunciou, após tantas críticas da aprovação do PL, que aconteceu na noite de ontem.
“Não se pode desinformar a população, que é alvo diariamente do crime, com inverdades. É muito grave que se tente distorcer os efeitos de um Marco
Legal de Combate ao Crime Organizado cuja finalidade é reforçar a capacidade do Estado na segurança pública. Não vamos enfrentar a violência das ruas com falsas narrativas. Precisamos estar unidos neste momento. O governo optou pelo caminho errado ao não compor essa corrente de união para combater a criminalidade”, escreveu Motta no X, e reforçando: “Repito: segurança não pode ser refém de falsas narrativas”.
O projeto, originalmente enviado pelo Executivo, acabou aprovado sem o apoio do PT. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou por meio das redes sociais, sobre o resultado da votação na Câmara. “O projeto aprovado ontem pela Câmara alterou pontos centrais do PL Antifacção que nosso governo apresentou. Do jeito que está, enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica. Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei”, afirmou.
Nas postagens, o presidente declarou que considera importante que o “diálogo e a responsabilidade” prevaleçam entre os senadores na análise da proposta. “Para que o Brasil tenha de fato instrumentos eficazes no enfrentamento às facções criminosas. Estamos do lado do povo brasileiro e não abriremos mão de combater de verdade toda a cadeia do crime organizado”, finalizou Lula.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também falou nesta quarta, durante coletiva, sobre o texto do PL, afirmando que o projeto representa um enfraquecimento direto da atuação da Polícia Federal (PF) no combate ao crime organizado. “Nós temos o combate à máfia do Rio de Janeiro e uma segunda operação. E temos agora, desde ontem, a questão da fraude do sistema bancário. O projeto enfraquece as essas operações. Não apenas asfixia financeiramente a PF pelos próximos anos, como cria uma série de expedientes frágeis que vão ser utilizados pelos advogados do andar de cima do crime organizado”, comentou Haddad.
Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT) também criticou as modificações feitas do projeto. “A droga não chega na favela, não chega na periferia à toa. Tem financiamento para que chegue. Como é que se faz esse financiamento? Na circulação financeira do crime organizado. Qual é a ideia do projeto, do texto original? Ampliar as atribuições da Receita Federal no apreendimento de bens, sem dar margem para a criminalidade. O texto final retira recursos da Polícia Federal por um lado, e em um outro momento, não amplia as atribuições da Receita Federal para atacar os fluxos financeiros do crime organizado”, avaliou.
Segundo Randolfe a ofensiva contra o crime organizado depende de três pilares – integração das forças policiais, endurecimento das penas e retomada de territórios dominados por facções. Porém, segundo a crítica feita, mudanças promovidas pela Câmara em propostas que tratam do bloqueio do fluxo financeiro das organizações criminosas têm caminhado na direção oposta, favorecendo grupos ilícitos e enfraquecendo o trabalho da Polícia Federal.
A avaliação aponta que a desarticulação das facções exige ações combinadas: a coordenação das corporações prevista na PEC da Segurança Pública; o aumento de punições e a tipificação adequada dos delitos ligados a facções; e a interrupção das operações financeiras que sustentam essas redes. Além disso, destaca que cerca de 50 milhões de brasileiros vivem hoje sob domínio de grupos criminosos, o que torna urgente recuperar essas áreas. No entanto, apesar do discurso de enfrentamento, o comportamento da oposição no Parlamento, na prática, contraria medidas essenciais para atacar o crime “da cabeça aos pés”, comprometendo a eficácia das iniciativas federais.
Parlamentares do partido alegam que o substitutivo apresentado por Guilherme Derrite (PP-SP) distorceu o conteúdo inicial ao endurecer dispositivos, sobretudo os relacionados ao perdimento de bens e à caracterização de facções criminosas. Derrite, que apresentou seis versões em duas semanas, ajustou trechos a pedido do governo, mas ainda assim enfrentou resistência da legenda.
Enquanto petistas criticaram o novo desenho da proposta e tentaram adiar a votação, Motta defendeu o relator e o resultado obtido em plenário. Segundo ele, o texto aprovado fortalece o enfrentamento ao crime organizado e supera “fragilidades históricas” da legislação. O placar de 370 votos favoráveis, 110 contrários e três abstenções foi comemorado pela oposição, que apoiou integralmente o relatório. Porém, Motta vai cobrar de quem se posicionou conta o PL.
A matéria segue para o Senado, onde será revisada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que também preside a CPI do Crime Organizado e já sinalizou ajustes em pontos considerados sensíveis do substitutivo. Mas, existe a possibilidade do texto retornar à Câmara dos Deputados.