As múltiplas incoerências sobre a questão do racismo no Brasil

Confira o artigo de opinião, desta sexta-feira (28/05), por Manoel L. Bezerra Rocha

Postado em: 28-05-2021 às 08h46
Por: Redação
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Confira o artigo de opinião, desta sexta-feira (28/05), por Manoel L. Bezerra Rocha | Foto: Redação

Há uma afirmação que se repete como um mantra ou uma sentença, segundo a qual “o Brasil é o pais mais racista do mundo”. Sustentar isso, nos dias de hoje, não é muito recomendável, pois, além de causar uma má impressão acerca da inteligência de quem a verbaliza, sugere que quem a ouve não é minimamente informado.

Noutros tempos, até que quem repetia essa inverdade passava a impressão de ser bem informado e, privilegiado que talvez o fosse, seria detentor de informações que seus interlocutores desconheciam. Porém, as viagens internacionais ficaram mais acessíveis e, para aqueles que não conhecem pessoalmente outras nações, a internet disponibiliza inúmeros meios de acesso à informação, gratuitamente.

Ora, ninguém em sã consciência seria capaz de negar que no Brasil existe racismo. Existe, sim! E muito. Mas, daí afirmar que somos os mais racistas do mundo é forçar a barra e contar com uma boa dose de pretensão em considerar que todo mundo é mal informado. Por outro lado, considero um equívoco a assimilação da ideia de que o racismo só ocorre contra as pessoas negras. Não se fala em racismo contra outras etnias. Fala-se em “genocídio”, “xenofobia”, “discriminação”, sempre quando é para se referir a outros grupos étnicos, mas não em “racismo”, ainda que sofram com as mesmas violências, como índios, ciganos, estrangeiros. Talvez por não terem aderido à narrativa ou, quem sabe?, por não disporem de um canal de comunicação, de manifestação de demandas e protestos ou, como se diz atualmente, de “lugar de fala”.

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Afirmar que o Brasil é o “país mais racista do mundo” é ignorar que no continente africano até hoje tem países que travam sangrentas batalhas, submetendo suas populações ao caos humanitário, movidas por questões étnicas, nos quais uma minoria detém o poder e os meios de produção em detrimento da maioria de pessoas que passam fome e que são obrigadas, muitas vezes, a viverem como nômades. Por absurdo inexplicável, são negros que conseguem identificar no outro alguma diferença, algum traço que “justifique” a discriminação racial.

Contrapondo-se ao discurso segundo o qual o Brasil possui uma “dívida histórica” com os negros, em razão do nosso passado escravocrata, é preciso que se diga que muitos escravos no Brasil conquistaram a liberdade, enriqueceram e retornaram à África, lá tornando-se senhores de escravos. Diga-se o mesmo para muitas mulheres negras e escravos libertos enriquecidos que ficaram no Brasil, igualmente senhores de escravos (negros). Também não concordo com a ideia de “dívida histórica” do Brasil, pois, quais seriam os responsáveis pela sua reparação? Por outro lado, a escravidão nunca gerou riquezas para o Brasil que, naquela época, não passava de uma sociedade feudal de economia extrativista e uma pecuária incipiente de subsistência voltada para o mercado interno. O Brasil só começa a despontar economicamente com a chegada de imigrantes, especialmente os italianos, alemães e japoneses, iniciando-se a fase de industrialização e o emprego de mão de obra qualificada.

Um país emblemático, quando se fala em escravidão negra contemporânea, é a Mauritânia, onde a escravidão ainda existe, apesar de oficialmente, só bem recentemente, tenha a abolido, em 1981, vindo a considerá-la como crime apenas no ano de 2007, em pleno século 21, em razão da pressão internacional exercida pelos países de pessoas brancas que os afrodescendentes chamam de “racistas”.

A verdade é que o racismo existe em qualquer nação. Existe entre os animais e há embate de espécies diferentes no reino vegetal, com as espécies tentando destruir outras.  Entretanto, nós os humanos se pretendemos realmente caminhar na direção de nosso aperfeiçoamento como espécie, adotando mecanismos morais que nos distingam da irracionalidade do estado de natureza de nossa era primitiva, precisamos construir uma consciência coletiva maior, de tolerância, de pertencimento e de interação com a diversidade.

De igual maneira, as pessoas que sofrem com o racismo abominável não contribuem para com os ideais civilizacionais apoiando-se em narrativas falsas que só reforçam os desígnios daqueles que carregam em si o ímpeto desagregador.

Quanto aos racistas e os eugenistas, enganam-se os que imaginam que uma “raça” ou para utilizar uma expressão mais apropriada, uma linhagem étnica, se tornará mais sábia e mais forte conservando-se “pura”, sem o cruzamento com pessoas de cores diferentes. O ser humano, assim como outras espécies, se fortalece e se aprimora, física e intelectualmente, a partir da miscigenação biológica.            

A diversidade foi e continua sendo a única estratégia de sobrevivência de nossa espécie. Um dos pilares da evolução darwiniana, a denominada “mutação aleatória”, é, como diz o escritor Jamie Metzl, apenas outro nome para o precursor da diversidade. O racismo caminha na direção oposta a essa lógica e necessidade natural de nossa espécie. Por sua vez, e a pretexto de enfrentá-lo, as vítimas do racismo acabam por estimulá-lo, quando constroem e buscam sustentar-se em narrativas que, além de falsas ou incongruentes, realçam o confronto e o antagonismo étnico.

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