Blocos de carnaval do Rio retiram marchinhas controversas do repertório

‘O Teu Cabelo Não Nega’ e a ‘Cabeleira do Zezé’ são algumas das músicas retiradas

Postado em: 05-02-2017 às 13h00
Por: Redação
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‘O Teu Cabelo Não Nega’ e a ‘Cabeleira do Zezé’ são algumas das músicas retiradas

Blocos do carnaval não oficial do Rio de
Janeiro, formados por músicos amadores, que se reúnem sem horário e trajeto
pré-definidos, pretendem deixar de fora da folia, este ano, marchinhas
incômodas. Influenciados pela crescente mobilização de mulheres, que tocam ou
desfilam nesses blocos, principalmente de mulheres negras, o repertório passou
a ser questionado, com a intenção de evitar canções que possam sugerir alguma
forma de preconceito ou violência.

“Se a gente prestar atenção, [no
trecho de] O Teu Cabelo Não Nega: ‘Porque és mulata na cor/ Como a cor não
pega, mulata/ Mulata, eu quero o teu amor’, está claro o racismo. Cor não é
doença, não é contagiosa”, criticou a artista visual e percussionista que
acompanha o tema, Amora*. Ela toca há mais de dois anos em blocos e fanfarras
do circuito marginal e tem participado de protestos de músicos, parando de
tocar, quando alguém ameaça puxar as canções.

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A discussão vem desde o ano passado, quando
musicistas alertaram para letras que poderiam ser consideras racistas,
misóginas e transfóbicas (que discriminam pessoas trans), reflexo da
mobilização de defensores de direitos humanos e de movimentos sociais. Entre
elas, o funk Baile de Favela, do MC João, e tradicionais marchinhas de
carnaval, como O Teu Cabelo Não Nega, de Lamartine Babo, citada por Amora,
ou Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly. Este ano, na abertura do
carnaval não oficial, em janeiro, musicistas se recusaram a tocar Mulata
Bossa Nova, de Kelly, alegando que a palavra mulata é pejorativa, por se
referir à mula, etimologicamente. Na ocasião, elas foram até expulsas da área
dos músicos.

“O que está em questão, mais do que a
etimologia das palavras, é o papel da mulher no carnaval”, disse Ju
Storino, percussionista e integrante do Coletivo Feminista Todas por Todas.
“Onde está a voz da mulher no carnaval? Quando pedimos para que nos ouçam,
para que não toquem, muitos fazem ouvido de mercador ou reproduzem mais
violência contra quem questiona. Como vamos fazer carnaval sem parceria, sem
parceria com o puxador?”, perguntou. Ela lembrou que, por serem
preconceituosas, composições já foram levadas por movimentos sociais à Justiça.
“A discussão não é nova. Quem não vê problema é quem nunca foi
vítima”.

Um dos blocos que excluíram canções depois
da polêmica foi o Vem cá, minha Flor. “Percebemos que algumas são
racistas, machistas, preconceituosos, acabavam constrangendo ou agredindo
pessoas, então, pelo sim e pelo não, a gente preferiu banir”, explicou um
dos fundadores do bloco, que reúne entre 60 e 80 ritmistas, Edu Machado.
Segundo ele, foram decisões difíceis e nem sempre unânimes. “Cortamos Baile
de Favela, que era a música do momento, em 2016, mas que tem uma questão
agressiva. Mas outras que eu continuaria tocando, como Cabeleira do Zezé,
que muitos gays não veem problema, também saem”. O trecho
controverso é o verso imperativo “corta o cabelo dele”, que pode ser
interpretado como violência a travestis.

Para o professor universitário e
percussionista André Videira de Figueiredo, que toca em pelo menos cinco
blocos, como o Carimbloco, de música paraense, e a Fanfarra Tupiniquim
Amostrado, a horizontalidade do carnaval não oficial, além dos protestos das
musicistas, vem estimulando reflexões. Para resolver, ele sugere que os blocos
escutem os grupos incomodados com as letras. “Não vou discutir se [a
música] Mulata Bossa Nova é uma homenagem ou discriminação. A ofensa
é um sentimento, só pode dizer que algo é ofensivo quem se sentiu ofendido, não
é o ofensor que tem que ser convencido, ele apenas tem que ser informado”,
afirmou o antropólogo.

Autor de marchinhas controversas, o
compositor João Roberto Kelly defende suas composições. Ele diz que nunca teve
a intenção de ofender nenhum grupo e que suas canções foram feitas para
incentivar a brincadeira. “Estamos falando de músicas que são sucesso há
40, 50 anos. O povo gosta de cantar, de dançar, de ouvir”. Ele lembra
canções como Maria Sapatãoque, quando lançadas, desmistificavam
preconceitos. E cantou: “O sapatão está na moda/O mundo apladiu/ É um
barato, é um sucesso/ Dentro e fora do Brasil. Isso é um elogio”, disse.

Circuito oficial

Entre os blocos do circuito oficial, a
polêmica não teve espaço. Com patrocínio de marcas de cerveja, músicos
contratados e carros de som arrastando milhares de foliões, a Sebastiana,
associação que reúne 11 blocos e a Folia Carioca, que responde por mais de 20
blocos, declararam à imprensa que consideram antigas marchinhas parte da
tradição do carnaval.

“Carnaval é momento maior da alegria e
essas músicas foram feitas lá atrás, em uma época que não tinha o politicamente
correto”, declarou Pedro Ernesto, presidente de um dos mais tradicionais
blocos oficiais, o Bola Preta, que está às vésperas de fazer o 99º desfile. Ele
disse que nunca soube de alguém que tenha ficado ofendido com uma marchinha de
carnaval. “Se você tirar O teu cabelo não nega e a Cabeleira
do Zezé, você está matando a festa”, afirmou.

A percussionista de blocos não oficiais,
Amora*, discorda de Pedro Ernesto. Ela acredita que o momento é de mudança.
“Muita gente nunca prestou atenção em letras, nem nos clichês de
fantasias, como a “nega maluca”. Porém, quando alertadas, há empatia.
“Se é ofensivo, a gente não toca mais. E assim, o músico do lado, o outro
e o outro”, acrescentou. (Agência Brasil)

Foto: reprodução (Tânia Rêgo/ Agência Brasil)

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