Quinta-feira, 28 de março de 2024

Mobilidade em debate: soluções para Goiânia são possíveis e devem envolver toda a sociedade

Especialistas apontam alternativas e mudanças a serem implementadas a curto prazo na Capital, com baixos investimentos e que impactariam com qualidade o transporte coletivo e rotina da população

Postado em: 07-09-2021 às 15h23
Por: Redação
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Especialistas apontam alternativas e mudanças a serem implementadas a curto prazo na Capital, com baixos investimentos e que impactariam com qualidade o transporte coletivo e rotina da população | Foto: Divulgação

A participação efetiva e determinada da sociedade, junto com as iniciativas privada e pública, é indispensável para que Goiânia avance em mobilidade urbana, ainda mais quando se trata de pós-pandemia. Repensar a cidade junto a pesquisadores e estudiosos do meio, que estudam e acompanham em tempo real os principais obstáculos enfrentados, dar transparência aos dados do serviço e implantar um conjunto de soluções que podem, inclusive a curto prazo, tornar o transporte público mais atrativo, estão entre as propostas apontadas e discutidas hoje por especialistas em coletiva de imprensa online. 

A mobilidade urbana, para a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Poliana Leite, que também é doutoranda em Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB), deveria ter tema central dos programas de governo das próximas eleições, pois ela não influencia apenas nos deslocamentos, e sim influencia outros pontos, como políticas públicas. “Focar em mobilidade não é fazer infraestrutura para transportes mobilizados, que está relacionada a grandes obras e nem inclui criar faixas exclusivas para carros e ônibus. É além disso, é criar ambientes agradáveis que, com certeza, serão ocupados pelas pessoas, seja para caminhar, andar de bicicleta, criar e disponibilizar ambientes que ajudam em outras situações. Para caminhar, por exemplo, é preciso reduzir velocidade, pois assim se reduz os índices de acidentes, mais pessoas caminhando nas ruas traz maior sensação de segurança”, destaca.  

Para Poliana, vários aspectos que envolvem o financiamento do transporte público precisam de melhoria, mas que estão longe de mais taxações e de fornecer subsídios. “O que resolve é todos se unirem para resolver a questão”, observa, ao citar como exemplo o Japão, que possui uma operadora do transporte local que também detém outros negócios, cujas receitas são investidas no transporte público. 

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Doutora em Transportes/UnB, Érika Kneib, que também é professora da UFG, lembra que, até 2019, período pré-Covid-19, a mobilidade já estava em crise e considerada por muitos como insustentável. “A pandemia chegou e escancarou os problemas urbanos. Com a mobilidade não foi diferente. O transporte passou a ser uma situação mais prejudicada e sofreu uma queda de demanda superior a 40% nas grandes cidades, chegando a 48% em Goiânia. Será que estamos em crise ou passamos a viver em um colapso? Como os custos da maioria do serviço no país são remunerados basicamente pela tarifa pagante, não sei como os sistemas continuaram em funcionamento. Essa parcela da população que deixou de se deslocar não voltará para o transporte público, pois essas viagens se voltaram para uso de motocicletas e carros”, analisa. 

Para ela, a crise passou e o colapso ronda o transporte público: deslocamentos maiores, trânsito mais intenso e mais congestionamentos, entre outros pontos. “Nunca foi tão urgente e necessário falar de mobilidade. É algo complexo, não existe 1 única solução e não é simples. Pressupõe-se muito planejamento, trabalho, atitude, ação pública e conjunto de medidas complexas”, observa. 

Érika aponta 4 soluções que poderiam ajudar a melhorar a mobilidade em Goiânia: 

  1. Priorização de pedestres e ciclistas: ainda é pouco implementado e pouco efetivado, apesar de ser uma premissa legal da Política Nacional de Mobilidade Urbana; 
  2. Valorização do transporte público: infraestrutura e financiamento são dois pontos principais do serviço e que auxiliariam a atrair usuários que deixaram de usar o serviço na pandemia. No entanto, resolver apenas os dois pontos não resolveria todo o problema, mesmo também sendo uma premissa legal; 
  3. Mobilidade é diferente de transporte. Para resolver mobilidade, 50% do problema está focado no sistema de transporte e a outra metade no ordenamento de território; 
  4. Desincentivar o uso exagerado de automóvel: é quase um freio, um obstáculo a ser solucionado para que as outras políticas sejam efetivadas com qualidade. 

Uma das soluções a curto prazo para melhorar a mobilidade em Goiânia no pós-pandemia seria a abertura de espaços na cidade para pedestres e ciclistas, uma ação baseada em experiências internacionais que deram certo, demandam baixos investimentos e são simples para implementação. “Isso geraria uma nova oportunidade de deslocamento com qualidade que até hoje não se tinha, como espaços antes destinados para carros, inclusive vias arteriais importantes, e ainda desafogaria o transporte público nos horários de pico. São grandes intervenções a baixo custo e curto prazo para termos uma Goiânia diferente daqui dois, três meses”, detalha. 

Agravamento 

Economista, doutor em Transporte e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Adriano Paranaíba aponta que a situação do transporte urbano de Goiânia já era precária e ultrapassada antes da chegada do coronavírus.  “O serviço foi deixado de lado antes mesmo da pandemia, que veio para desnudar um problema já existente e apontou outros ainda mais complexos”, alerta. 

Ele cita o caso do sistema de transporte público de Nova Iorque, que enfrentou uma redução de 50% no volume de passageiros e, hoje, o país avalia se o serviço vai voltar a existir, enquanto o Brasil estuda um modo de resgatar esses usuários. “Estamos enfrentando um problema histórico importante de Goiânia, que já foi, assim como Curitiba, um centro de soluções e de modelo para o restante do país. O sistema deixou de ser atualizado e foi se perdendo. E apenas baseado em tarifas não funciona. As soluções apontadas hoje não são aplicáveis, pois envolvem também uma questão de espaço físico da cidade. Transporte é uma atividade meio, não atividade essencial”, pondera.  

A solução para uma cidade sustentável, aponta Adriano, seria incentivar o usuário do carro a fazer trechos do seu percurso com outro modal, como bicicleta, transporte coletivo, patinete ou até mesmo a pé. Para isso, é preciso o compartilhamento de informações públicas, urbanísticas, do transporte e econômicas, entre outras, que auxiliariam a abertura de negócios inovadores voltados para isso, como estacionamento para o usuário deixar o carro e seguir o restante do trajeto de outra forma, como uma estação de bicicleta. “Assim, a comunicação concentraria o foco no incentivo a estes recursos.  

Advogada e mestre em Economia, Desirée Peñalba ressalta ainda que a mobilidade enfrenta a existência de problemas com lobbys e de servidores que são escalados para ocupar funções e que não detêm conhecimento ou contatos com especialistas que estudem e apontem soluções para este setor. “É preciso buscar essa interface entre iniciativa pública e privada. Não tem como mais ignorar mentoria e tecnologia. É possível mudar esse quadro, mas temos muita gente para decidir por nós e que não assumem esse papel importante”, aponta. “A mudança não acontece de forma fácil. Às vezes exige mais coragem, determinação e insistência. Sem isso, não vamos conseguir sair do atual cenário e chegar até a situação desejada para a mobilidade”, completa. 

“A mobilidade não é um problema do outro. É nosso, é de cada um. O transporte é apenas um meio que nós acessamos para alcançar nossos desejos, nossos sonhos.” Assim define o mestre em Transportes, Miguel Angelo, ao ressaltar o transporte precisa ter a participação do público que o envolve, tanto na questão de financiamento quanto em infraestrutura, como abrigos, ciclovias, calçadas, estacionamento. E isso envolve, frisa, compreender os stakeholders e entender melhor as relações. “Goiânia não possui a infraestrutura adequada e a tecnologia ainda não é sentida pelo usuário final. Ele quer é tempo. A tecnologia empregada não atende à sua necessidade básica, que é não ficar parado no trânsito”, compara. 

Para Miguel, é preciso uma discussão e entendimento do que é transporte e o que é mobilidade. “Enquanto não conseguirmos alterar a compreensão de que é um problema de todos nós, vamos ficar sempre parados em questões pequenas, como criação de corredores e alternativas para esta região. E só. Acima de tudo, existe a necessidade de buscar uma cidade para todos, atendendo às necessidades de cada um e da melhor forma”, completa. 

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