Em busca de um recomeço: entidades filantrópicas oferecem apoio a venezuelanos refugiados em Goiás

Falta de documentos e desemprego estão entre as maiores dificuldades enfrentadas por recém-chegados ao país

Postado em: 30-01-2022 às 13h00
Por: Ícaro Gonçalves
Imagem Ilustrando a Notícia: Em busca de um recomeço: entidades filantrópicas oferecem apoio a venezuelanos refugiados em Goiás
Falta de documentos e desemprego estão entre as maiores dificuldades enfrentadas por recém-chegados ao país | Foto: Reprodução

O estado de Goiás é o destino de muitos refugiados venezuelanos que buscam um lugar para recomeçar a vida, longe das dificuldades econômicas enfrentadas em seu país de origem. Porém, recomeçar do zero em um país diferente envolve muitos riscos e dificuldades. As diferenças linguísticas e culturais, o desemprego, a falta de documentos, e muitas vezes, a discriminação, fizeram com que imagens de refugiados pedindo auxílio pelas ruas da capital se tornassem comuns nos últimos anos.

Segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SEDS) de Goiânia, a entrada de venezuelanos no Brasil vem ocorrendo desde o ano de 2014 e se intensificou a partir de 2017. A maioria, entre eles indígenas da etnia Warao, consegue imigrar pelo estado de Roraima, de onde partem para outras regiões brasileiras em busca de emprego e melhores condições de vida.

A venezuelana Elizabeth Diaz, de 41 anos, chegou ao Brasil em 2015 e morou em Roraima por um ano e meio. Depois disso ela veio para Goiás, em maio de 2017, morando por dois meses de favor até conseguir alugar uma residência na cidade de Senador Canedo, onde vive atualmente com seu marido.

Continua após a publicidade

“Quando decidi sair da Venezuela, a situação estava ficando cada vez mais difícil. Me lembro de uma vez que precisei ficar horas em uma fila para comprar alimentos. Cheguei na fila de um mercado às 4h da manhã e saí às 2h da tarde, morrendo de fome, para poder comprar algumas coisas. Foi quando falei que nunca mais eu passaria por aquilo, e assim foi. Nesse momento decidi vir para o Brasil”, comenta Elizabeth.

Ela afirma que enfrentou dificuldades assim que chegou em Goiás, mas que contou com apoio de ONG’s e entidades filantrópicas até conseguir se estabilizar. Uma dessas entidades foi a Pastoral dos Migrantes, projeto que atende migrantes na capital goiana que estão em busca de emprego e outras oportunidades. “Depois de dois meses morando de aluguel, meu marido conseguiu um emprego de ajudante de pedreiro. O pessoal da Pastoral também me enviava vagas de emprego, fui tentando até conseguir uma vaga como encarregada de limpeza. Também me ajudaram com cestas básicas”.

Elizabeth Diaz, de 41 anos, chegou ao Brasil em 2015 e hoje vive com seu marido e outros familiares em Senador Canedo | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Atualmente Elizabeth trabalha no setor de limpeza terceirizada, atuando no Centro Cultural Oscar Niemeyer. “Hoje estou bem, nossa situação melhorou muito e eu consigo até ajudar meus familiares que ficaram lá, minha mãe, minha irmã, minha sogra”. Segundo a Pastoral, a contratação de um migrante ou refugiado é facilitada através de plataformas como a Empresas com Refugiados, uma iniciativa da Rede Brasil, do Pacto Global da ONU e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

Elizabeth também conta que teve apoio para regularizar seus documentos de legalização na Polícia Federal (PF), como a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), considerada a identidade do imigrante e essencial para sua inclusão em políticas de assistência social. Segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SEDS), desde o início da pandemia, cerca de 150 atendimentos foram realizados pela PF para pessoas venezuelanas que buscaram regularização, especialmente da etnia Warao.

Outra iniciativa de auxílio a refugiados é a ONG Missão Amar Sem Fronteiras (MASF). Fundada em 2015, o projeto já atendeu cerca de 150 refugiados venezuelanos morando nas cidades de Anápolis, Goiânia e Aparecida de Goiânia, durante os quase dois anos de pandemia. Entre as ações desenvolvidas estão a regularização de CPF, retirada de Carteira de Trabalho Digital, encaminhamento para Cadastro Único e Bolsa-Família, cadastramento no auxílio-emergencial, cadastro para recebimento de alimentação junto à OVG, entre outros.

Fernando Rodallegas é presidente da MASF, e conta que as grandes dificuldades dos refugiados recém-chegados ao país são a falta de documentos e a necessidade de emprego. “Agora no meio da pandemia fizemos um trabalho incrível, de cadastramento dos refugiados no auxílio-emergencial e no Bolsa Família. Também oferecemos um curso de português, porque a maioria que chega tem dificuldade com a língua”.

Ação solidária da MASF à refugiados em Goiânia | Foto: Reprodução/Redes sociais/@masf_ong

Desigualdade salarial dificulta a estabilização de refugiados no Brasil

Uma pesquisa elaborada em 2021 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e pela ONU Mulheres revelou que refugiados venezuelanos residentes no Brasil, mas que ainda não foram regularizados, chegam a receber mensalmente um valor quatro vezes menor do que o salário dos brasileiros. Em valores absolutos, os refugiados sem carteira assinada recebiam em média R$ 594,70 mensais, enquanto a população brasileira tinha rendimento médio de R$ 2,4 mil.

Esse foi um dos resultados da pesquisa “Limites e desafios à integração local de refugiadas, refugiados e pessoas migrantes da Venezuela interiorizadas durante a pandemia de Covid-19″. O trabalho ouviu os depoimentos de aproximadamente mil venezuelanos que vieram para o Brasil, entrevistados entre março de 2020 e abril de 2021. Segundo o estudo, o idioma é uma das principais barreiras para esses refugiados. Atualmente, 65% deles apresentam dificuldade de compreender a língua portuguesa.

Desde 2018 o Governo Federal coordena um projeto de interiorização dos refugiados que chegam ao estado de Roraima. A medida busca redistribuir a população venezuelana pelo Brasil, para outros municípios e capitais brasileiras onde possam encontrar melhores oportunidades de integração social, ingresso no mercado de trabalho e estabilização no país.

O rendimento médio entre a população interiorizada, por exemplo, foi um indicador que melhorou: o salário-médio desse grupo foi de R$ 1,3 mil mensais, ligeiramente superior ao salário-mínimo vigente no Brasil, e muito maior que os R$ 594,70 dos venezuelanos que seguem abrigados em Roraima.

Até o fim de 2021, cerca de 65 mil venezuelanos haviam sido transferidos de Roraima para outros estados brasileiros. O número representa aproximadamente 20% da população venezuelana que mora no Brasil.

Veja Também