Inclusão de surdos caminha devagar

Dados da Seduce informam que escolas estaduais contam com aproximadamente 600 surdos e 400 intérpretes

Postado em: 20-11-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Dados da Seduce informam que escolas estaduais contam com aproximadamente 600 surdos e 400 intérpretes

Marcus Vinícius Beck*

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João Pedro Alves da Silva, 10, e Vitória Santos Castro, 10, faziam exercícios de Geografia em seus cadernos. Ambos são alunos do 5° ano do ensino fundamental do Colégio Colemar Natal e Silva, no Setor Aeroporto, em Goiânia. Vitória possui surdez parcial, e consegue compreender minimamente o que o interlocutor lhe diz. Já João possui problema auditivo um pouco mais acentuado, mas que não lhe impede de assistir aula junto com colegas que não tenham quaisquer indícios de surdez. “Eles assistem aulas junto com os outros”, informa a pedagoga Elizangela Cristovam.

Dados da própria Secretaria Estadual de Cultura, Educação e Esporte (Seduce) estipulam que as escolas da rede estadual de ensino em Goiás contam com pelo menos 600 surdos e 400 intérpretes para auxiliá-los em salas de aula. A gerente de educação especial da Seduce, Lorena Rezende, detalhou que os alunos que sofrem de surdez ficam em salas comuns, aprendendo conteúdo em português e, uma ou duas vezes por semana, eles têm de voltar à escola para integrar o programa Atendimento Educacional Especializado (AEE), que reforça o conteúdo aprendido em Libras. 

“É fundamental que se tenha uma formação adequada de professores voltados à questão do aluno surdo”, disse Rezende, acrescentando que a inclusão deve ser trazida para toda a comunidade escolar. “É preciso ter uma escola bilíngue para atendê-lo. Já existem propostas para que o professor dê aulas integralmente em Libras”, explica. Mas, de acordo com pedagogos ligados ao Colégio Colemar, essas formas de inclusão não veem o aluno como um deficiente, e sim como alguém que possui uma barreira linguística. “O Português para o surdo é como se fosse uma segunda língua. Seria para nós o equivalente ao inglês”, afirma a pedagoga Lozhermina Lima.

O estudante do 3° ano do ensino médio, Rafael Barros Moreira, deseja cursar Administração no ensino superior. Ele fez a prova do Enem neste ano, e sentiu-se contemplado quando viu o tema da Redação. “Foi muito importante para trazer ao debate um esclarecimento acerca da gente. Não somos diferentes dos outros. O único problema conosco – se é que pode ser considerado um problema – é linguístico”, comenta o estudante. Questionado sobre as dificuldades para responder a prova, ele foi enfático: “O único empecilho mesmo foi na hora de redigir o texto”.

Além disso, Cristovam, que trabalha no Colégio Colemar Natal e Silva, afirma que os alunos surdos possuem acesso à mesma grade curricular que os outros. Para ela, o processo de inclusão precisa ser feito permanentemente. “É necessário que se avance sempre”, explica a pedagoga. “Tendo efetuado a matrícula, o aluno já possui acesso ao sistema educacional”, finaliza Cristovam, que trabalha na primeira instituição de ensino a oferecer intérpretes a alunos surdos de Goiânia.   

Debate

Especialistas ouvidos pelo O Hoje afirmaram que a sociedade, de um modo geral, ainda não está preparada para lidar com a pessoa surda. Professora do departamento de Libras da Universidade Federal de Goiás (UFG), Claudney Maria crê que, antes de tudo, é preciso olhar para o surdo e enxergar nele uma pessoa como outra qualquer. Para ela, é urgente que ouvintes aprendam a língua de sinais para conseguir se comunicar com os surdos e, por conseguinte, ingressar no espaço social. “É comum crianças ouvintes terem um contato tardio com a linguagem de sinais” detalha. 

Para Claudney, a saída para uma inclusão mais afetiva se dá por meio da capacitação de professores para a função de intérprete, além de um desenvolvimento do conteúdo compatível com a aprendizagem do surdo. Professora do curso de Letras com ênfase em Libras da UFG, ela argumenta que o objetivo da graduação é formar profissionais aptos para trabalhar com a linguagem de sinais. 

“Como em todas as atividades inerentes a um curso de licenciatura, o curso de Letras – Libras também têm projetos de extensão como a ‘hora do conto’, que é um momento de contação de histórias em libras, a bibliolibras, onde os contos literários são disponibilizados na internet, e  a ‘hora do conto’ na TV UFG”, esclarece.

Contudo, ainda pouco se conhece cultural e linguisticamente sobre a comunidade surda. Por isso, o debate acerca da importância do tema da Redação do Enem fomentou discussões entre especialistas. Uma assistente social surda, que é colaboradora da Confederação Brasileira de Desportos (CBDS), diz que o tema surpreendeu. Outros também se mostram impressionados com a temática. Um fotógrafo, que leciona para alunos com surdez, por exemplo, frisa que o melhor caminho para a inclusão de surdos é a educação bilíngue.  

Prova do Enem suscita debate sobre inclusão para surdos 

Com tema formação educacional de surdos no Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médico (Enem) apresentou aos candidatos dados para os quais nem gestores públicos possuíam explicações claras. A prova pediu a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo com uma proposta de intervenção que respeitasse os Direitos Humanos.

Como subsídio para o aluno realizar a prova, foram apresentados quatro “textos motivadores”. O primeiro tratava-se de uma lei. O segundo, por sua vez, abordava trechos da história da educação para surdos. O terceiro apresentava uma propaganda contra o preconceito. Por fim, havia um gráfico que detalhava a queda no número de matrículas de alunos com surdez no Brasil. 

Os dados de matrícula foram retirados das edições de 2011 a 2016 do censo da educação básica que é realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que é ligado ao Ministério da Educação (MEC). Desde 2011, de acordo com os números, houve uma redução de 23% na quantidade de estudantes com surdez no ensino básico. 

Logo após a prova do Enem, o movimento fomentou debate entre especialistas que não vinham com bons olhos o bloqueio encontrado por parte dos alunos em função da pouca adaptação para recebê-los no espaço escolar. (Marcus Vinícius Beck é estagiário do jornal O Hoje, sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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