Natal: um passeio de trenó entre a religião e o comércio

O dia escolhido para homenagear o nascimento de Jesus também é a data mais importante para o comércio

Postado em: 23-12-2023 às 08h00
Por: Maria Gabriela Pimenta
Imagem Ilustrando a Notícia: Natal: um passeio de trenó entre a religião e o comércio
Especialista admite que a celebração não depende mais do acolhimento humano, mas da fome por lucro da elite capitalizada | Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Todos os anos, quando o mês de dezembro se aproxima, os milhares de olhos ansiosos com a chegada do Natal brilham com o acender das luzes das praças. As ruas, antes tão escuras e sem vida, ganham enfeites que anunciam a presença do espírito natalino. Entretanto, pode-se dizer que a mágica acontece em sua potência máxima somente para aqueles que se beneficiam com o consumo desenfreado de consumidores atentos às compras de final de ano, como as indústrias, o varejo e as empresas de marketing, por exemplo. Mas, afinal, em meio a essa movimentação econômica, ainda existe espaço para celebrar, o que dizem ser o “verdadeiro” sentido do Natal, o nascimento do menino Jesus?

Em entrevista ao O Hoje, José Reginaldo Garcia, franqueado Havaianas em Goiânia, presidente da associação dos lojistas do Shopping Flamboyant (ASLOF) e vice-presidente do Sindilojas – GO, afirma que o Natal é, sem dúvidas, a data mais importante para o comércio. Como franqueado de uma das marcas que mais fazem sucesso entre os presentes de Natal, ele espera ótimos resultados com as vendas este ano.

“Estamos esperando empatar com o resultado de 2022. Tivemos um primeiro semestre ruim e geralmente quando isso acontece é como se fosse uma demanda reprimida. No retorno, as vendas vêm com força”, explica. Ainda, o empresário revela que a internet veio para impulsionar ainda mais o varejo, já que existe a possibilidade de atender o cliente onde e quando ele quiser, resultando em um negócio de zero perda. “Fecharemos o ano com crescimento estimado de 10%”, conclui. 

Continua após a publicidade

O significado 

Presépios e manjedouras que amparam o menino Jesus recém-chegado ao mundo transmutam de uma realidade simples e pobre para um show de pisca-piscas no pátio central dos shoppings centers. O presidente da ASLOF diz que os lojistas se beneficiam deste ambiente, já que as famílias têm a tradição de levar as crianças para ver os enfeites e guardar recordações da data. Como consequência, milhares de sacolas de presentes passam pelas portas dos shoppings diariamente. 

Segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), as vendas no Natal devem movimentar R$ 74,6 bilhões na economia. Dados como esse, colocam o significado do Natal em xeque.

Segundo o doutor em Ciências da Religião, Antônio César Martins Lopes, o Natal significa “um gesto de amor incondicional, a entrega de Deus, ao fazer nascer, preparar e levar o próprio filho ao sacrifício da cruz, visando a salvação e conscientização da humanidade. […] O dia 25 de dezembro representa o nascimento de Jesus, que reforça a significância da fé e dá ainda maior significado à existência de Deus na essência humana, de onde vem a expressão ‘o Verbo que se fez carne’”.

No entanto, o especialista admite que a celebração não depende mais do acolhimento humano, mas da fome por lucro da elite capitalizada. Desse modo, outra pesquisa realizada pelo CNDL estimou que 15,2 milhões de consumidores ficarão inadimplentes em seus compromissos financeiros por conta das compras de Natal. Ainda, o levantamento revelou que 9% dos entrevistados pretendem deixar de pagar alguma conta para adquirir os presentes. Além disso, ao analisar as métricas, estima-se que 56% dos entrevistados pretendem recorrer a bicos para aumentar a renda e gastar mais no Natal. Paralelamente, José Reginaldo conta que a grade de vendedores nas lojas das Havaianas em Goiânia aumenta em 30%, aproximadamente, durante a temporada de compras natalinas. 

Ora, se o Natal indica um momento para despertar a atenção da comunidade cristã para a caridade e fraternidade, especialmente, no cuidado aos mais fragilizados, qual a importância de tantos presentes, bebidas, comidas e corre-corre? O doutor faz este questionamento e aponta para uma dura realidade: “é necessário ter coragem para enfrentar algo em maior relevância espiritual do que a relação pura e simples de consumo”. 

A pertinência do 13º salário no período natalino

Segundo Antônio Lopes, o dia 25 de dezembro foi escolhido para simbolizar o nascimento de Jesus. A festa, que tem origem pagã, foi cristianizada com o advento do Natal. Essa data marca o solstício de Inverno, celebrado na Europa, que remete ao Deus Sol – luz que nunca se apaga (Jesus também é chamado de “Luz do Mundo”).

 Dito isso, quando questionado se o dia escolhido para celebrar o Natal foi pensado estrategicamente para beneficiar o comércio, o empresário responde que não, pois trata-se de uma comemoração milenar muito relevante para a sociedade cristã ocidental. Por outro lado, a criação do 13º, nos anos 50, beneficiou o comércio. Segundo ele, grande parte dos consumidores entendem que esse benefício não é para pagar contas, mas sim para comprar presentes, decorações e insumos para a ceia.

O CNDL aponta que 23 milhões de consumidores devem usar o 13º salário para compras de presentes de Natal, enquanto somente 21% dos entrevistados pretendem pagar dívidas em atraso. Posto isso, o cientista das religiões dá luz à reflexão de que a festividade fomenta as mais variadas atividades econômicas, tanto dentro dos shoppings quanto nas igrejas, com a coleta do dízimo. Como ele mesmo diz: “Uma parcela populacional ativa e endividada a prazo”.

Como prova, o CNDL e o SPC Brasil descobriram com os levantamentos que 44% das compras de Natal foram feitas no crédito, parceladas em 4 vezes, em média.

Se Jesus é o representante religioso do Natal, o Papai Noel é o representante da propaganda. Como mencionado no primeiro parágrafo deste texto, as empresas de marketing lucram muito com publicidade. A Coca-Cola é a marca mais oportunista quando o assunto é explorar o universo do Papai Noel, figura central de sua comunicação desde 1931. Foi neste ano que o mundo passou a reconhecer o Bom Velhinho como um homem bonachão e fofo, quando a Coca assim o representou em um de seus comerciais.

Enquanto o Papai Noel da ficção anda de trenó, o Papai Noel do mundo real chega de helicóptero aos shoppings. Sua função não é presentear, mas nutrir os sonhos de diversas crianças que sentam em seu colo e esvaziar a carteira dos seus pais, que não negariam uma foto com o Bom Velhinho aos seus filhos.

Veja Também