Cirurgias no Crer devolveram audição a 303 pessoas desde 2012

O serviço de implante coclear do Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer) iniciou suas atividades em 2012, e já possibilitou audição a 303 pacientes

Postado em: 13-01-2024 às 08h00
Por: Ronilma Pinheiro
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Débora Gobbo faz parte da equipe de fonoaudiologia do Crer | Foto: Divulgação

“Após a ativação do aparelho, eu saí pra fora naquela tarde e ouvi a chuva caindo no telhado e o barulho dos trovões. Foi emocionante ouvir aquele barulho que há tempos eu não ouvia”, relembra Izabel Xavier de Barros e Bastos, de 59 anos, o dia em que fez a ativação do implante coclear no Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer). Aquele domingo do dia 12 de janeiro de 2014 marcou para sempre a vida da dona de casa que perdeu a audição aos 22 anos de idade.

Izabel sofre de uma doença genética, onde alguns membros da família perdem a capacidade de ouvir em determinada fase da vida. O primeiro a perder  a audição foi o pai, ainda com 20 anos de idade. Na época a família ainda não conhecia o problema e foi deixando o tempo passar até que chegou a vez da dona de casa parar de ouvir.

O diagnóstico mudou totalmente a rotina de Izabel, que passou a precisar da ajuda de terceiros para fazer coisas simples como atender uma ligação telefônica. “A campainha tocava e eu não ouvia. Eu só sabia que tinha chegado alguém porque tínhamos uma cachorra que ao chegar alguma visita ela corria até a mim e tentava me informar de algum jeito”, lembra.

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A mulher viveu dessa forma até conseguir um aparelho auditivo –  dispositivo eletrônico com um pequeno microfone que amplifica os sons, possibilitando à pessoa que teve perda auditiva voltar a ouvir – que a ajudou, ainda que de forma limitada, a ouvir melhor. Com o passar dos anos o aparelho já não auxiliava mais a dona de casa.

Certo dia ela ficou sabendo do implante coclear pela televisão, mas parecia uma realidade distante, já que pela iniciativa privada o procedimento custava cerca de 180 mil reais, segundo ela. A história de Izabel tomou um novo rumo quando recebeu uma ligação do Crer, informando que ela era uma das pessoas selecionadas para fazer a cirurgia do implante coclear. “Eu fiquei tão animada ao ouvir isso”, conta.

O implante coclear é uma prótese eletrônica que serve para ajudar pacientes a retornarem sua audição. O procedimento é realizado por meio de uma cirurgia, uma vez que o implante é colocado no ouvido interno. A explicação é da fonoaudióloga do setor de mapeamento auditivo do Crer, Débora Gobbo. É necessário fazer o implante quando a cóclea – pequeno osso em formato de concha de caracol que temos nessa região, não funciona corretamente. Assim, fica comprometida a função desse elemento de transformar a vibração que chega ao ouvido em sinais elétricos, posteriormente levados ao cérebro, afetando a audição do indivíduo.

Desde que iniciou suas atividades em 2012, o serviço de implante coclear do Crer já realizou 303 cirurgias até o momento. Além disso, desde 2020, a unidade de saúde também é um dos cinco centros de referência credenciados no Brasil para a troca e manutenção de processadores de aparelhos de implante coclear pelo SUS, beneficiando 100 pacientes do Estado. 

Cirurgia

A fonoaudióloga explica que antes de ser submetido à cirurgia, o paciente passa por uma série de análises onde é verificado se ele pode ou não passar pelo procedimento. “Desde que ele tenha uma perda auditiva neurossensorial, ou seja, ele não vai conseguir reabilitar o aparelho, não vai dar os gancho suficiente quando a perda for severa ou profunda, a gente vai começar a pensar implante”, detalha a especialista.

Após todas as avaliações necessárias, quando não há mais dúvidas de que aquele paciente não pode fazer a cirurgia, segundo o Ministério da Saúde que possui uma série de diretrizes que vai dizer o quanto é o mínimo de compreensão que o paciente tem que ter para ser considerado alguém que precise do benefício no aparelho. 

Gobbo destaca ainda que o paciente passa por avaliações de outros profissionais como cardiologista e neurologista que identificam se há algum comprometimento que impeça a cirurgia. Somente após a autorização da Secretaria de Saúde o procedimento cirúrgico pode ser feito.

Após um período de cerca de 30 dias depois de passar pelo implante, o indivíduo passa pela ativação do aparelho. No caso da Izabel, ela fez a cirurgia no dia 17 de novembro de 2013 e o ativou no dia 12 de janeiro de 2014. “Quando vem pra ativação, a gente vai orientar todo o funcionamento do processador, que é essa parte que fica atrás da orelha e a anteninha”, explica.

O nervo é estimulado de forma progressiva, isso significa que o paciente começa a ouvir de forma limitada nos primeiros dias e vai gradativamente ouvindo melhor ao longo do tempo.

Reabilitação

Após fazer a cirurgia o paciente precisa se submeter a uma série de sessões de terapias onde vai aprender a ouvir, reconhecer os sons e aprender a falar também, como se fosse um recém-nascido aprendendo a desenvolver os sentidos.

A fonoaudióloga que trabalha no setor de reabilitação auditiva do Crer, Larissa Aparecida Teixeira Chaves, explica que esse processo leva cerca de dois anos. No entanto, quando o paciente não responde positivamente aos tratamentos, esse período pode se estender para mais dois.

“Depois que ele chega para nós, nós vamos começar a trabalhar as habilidades auditivas por meio do implante coclear, por meio da audição, por meio dessa parte auditiva que o paciente está recebendo”, explica. Como o paciente volta a ouvir de forma gradativa, os primeiros exercícios a serem trabalhados começa pela habilidade auditiva que é a detecção, ou seja, presença e ausência de sons. 

“Nós vamos começar a ensiná-lo a perceber sons, a perceber também a ausência desses sons, para que ele não confunda com outros barulhos que estão acontecendo, porque o mundo, no geral, é muito barulhento”, pontua. Nesse sentido, após o indivíduo desenvolver essa habilidade, outro processo é iniciado, que é a discriminação auditiva – diferenças entre sons próximos, sons não tão próximos -.

Tudo acontece de forma relativamente lenta, segundo a fonoaudióloga, até chegar no processo da compreensão. “Eu costumo falar que nós somos a parte mais importante, porém também a parte mais longa do processo”, salienta.

O processo de desenvolvimento da escuta e da fala varia de acordo com a idade de cada pessoa. No caso daqueles pacientes que nasceram surdos e tiveram um diagnóstico tardio, a dificuldade em desenvolver a fala será maior, segundo Larissa. Em relação ao adulto que perdeu a audição ao longo da vida, o processo de reabilitação é de apenas um ano, como foi o caso da Izabel.

“Na prática por exemplo, nós começamos a trabalhar para esse adulto perceber os sons, sons ambientais, sons instrumentais, sons de voz, igual nós usamos os sons de ling, que são sons usados mundialmente para. Detectar se o paciente está ouvindo som de fala, que eles são A, I, U, SH, S, E, M”, detalha. No caso daqueles que já ouviram antes, é comum o uso de músicas antigas que já conhece como parte do exercício terapêutico.

“Uma mãe ensina as primeiras coisas ao filho como andar e falar. O Crer me ensinou a ouvir de novo”, relembra Izabel os dias de tratamento terapêutico que viveu na unidade de saúde.

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