Para escapar do veneno

Cidadãos começam a usar espaços residenciais para tirar o veneno da mesa

Postado em: 30-05-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Cidadãos começam a usar espaços residenciais para tirar o veneno da mesa

Igor Caldas*

Pesquisas revelam que os agrotóxicos estão relacionados ao aumento de doenças para quem os consome e para trabalhadores que manuseiam o produto no campo. Os últimos estudos relacionadas ao consumo do veneno nos alimentos apontam que eles podem causar pelo menos 12 tipos de doenças. Um estudo em andamento na Universidade Federal de Goiás (UFG) prova que o contato direto com as substâncias por trabalhadores rurais causam danos ao DNA que comprometem a capacidade de recuperação e imunização do organismo. No entanto, a fuga do veneno pode estar no quintal de casa.

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Edson Ferreira começou a produzir alimentos livres de veneno no quintal de sua própria casa no setor Jardim Tiradentes em Aparecida de Goiânia. “Eu trabalho com produção de alimentos livres de veneno e também faço suco detox para comercialização. Comecei a cultivar de forma lenta para o consumo da minha própria família. Tive início na produção dos alimentos no final de 2015. Mais ou menos em junho, fiz meus primeiros canteiros. Hoje, minha família não consegue consumir tudo que produzo”, afirma Edson.

A intenção era afastar as pessoas de sua casa de médicos e hospitais. Pesquisas desenvolvidas pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Ministério da Saúde – Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) apontam que o consumo de agrotóxicos causam problemas neurológicos, motores e mentais, distúrbios de comportamento, problemas na produção de hormônios sexuais, infertilidade, puberdade precoce, má formação fetal, aborto, doença de Parkinson, endometriose, atrofia dos testículos e câncer de diversos tipos.

Edson afirma que não usa nenhum tipo de produto para fertilizar o solo ou para conter as pragas. “Eu não uso nenhum tipo de agroquímico como fertilizante no solo. Uso minha própria mão para combater as pragas. Com paciência, faço tudo no ‘cata-cata’. Em raríssimas exceções, quando o pulgão ataca muito, uso o pó do fumo misturado em água e bato nas folhagens das hortaliças”. Ele cultiva cheiro verde, coentro, hortelã, couve, rúcula e três qualidades de alface no seu quintal e vende o excedente na porta da própria casa.

O produtor dá sua opinião sobre a questão do uso de veneno nos alimentos. “Eu acho que para hortaliça, não deveria existir agrotóxico nenhum. O uso de veneno em grande escala apenas contribui para a causa de mais doenças. Eles deveriam combater de forma natural. Os agrotóxicos estão causando câncer e outras doenças. Hospitais estão cheios de gente doente. Ao mesmo tempo que estão produzindo coisas naturais, estão colocando veneno na boca do povo”.

Segundo Edson, basta pouco espaço para cultivar hortaliças para o consumo próprio. “Eu alimentava o consumo de dentro da minha casa apenas com dois canteiros que medem 7×1 metros e ainda tinha excedente. Hoje, tenho vinte canteiros. Meu cultivo de couve começou com seis mudas. Hoje, tenho 300”. Além da comercialização das plantas, ele também produz sucos detox com suas hortaliças.

O pequeno produtor iniciou no ramo depois de ter sofrido um mau súbito que o impediu de continuar a condução dos negócios em uma padaria. Ele também precisa dividir os cuidados das plantas com a família. Edson tem um filho com problemas mentais e sua mulher ficou cega recentemente devido ou glaucoma. Ele relata que o maior desafio é conciliar sua dedicação às plantas com o cuidado da família.

“Com a dedicação que tenho na produção atualmente, consigo tirar R$ 800 mensais vendendo as hortaliças na porta de minha casa. Só vendo aqui em casa e produzo pouco. Perco muita venda porque, às vezes, o pessoal vem e eu não estou por causa dos compromissos com a família. Se tivesse aqui 100% conseguiria vender uns R$ 1.200 mensais”, explica Edson.

Apesar das dificuldades, Edson gosta de estimular que outras pessoas também cultivem seu próprio alimento em casa. “Se você tem um cantinho na sua casa, pode começar a plantar para o consumo. É certo que a produção vai extrapolar. Se você plantar uns dois canteirinhos já vai estar ajudando os outros e a si próprio. Quanto mais produtos naturais entrarem no mercado, mais vai ajudar na saúde de todo mundo. Não precisa de muito espaço para cultivar. O maior desafio é organizar esse espaço de forma eficiente”. (*Especial para O Hoje)  

Ritmo de liberação de agrotóxicos é o maior já registrado 

Nunca foi tão rápido registrar um agrotóxico no Brasil. O ritmo de liberação atual é o maior já documentado pelo Ministério da Agricultura, que divulga números desde 2005. A quantidade de pesticidas registrados vem aumentando significativamente nos últimos quatro anos. Mas, em 2019, o salto é ainda mais significativo – até 14 maio, foram aprovados 169 produtos, número que supera o total de 2015, marco da recente disparada. Ativistas do meio ambiente e da saúde manifestam preocupação, dizendo que mais veneno está sendo “empurrado” à revelia para a população. 

Por outro lado, governo e indústria argumentam que o número de registros aumentou porque o sistema ficou mais eficiente, sem perder o rigor de avaliação, que a quantidade de substâncias novas aprovadas é mínima e que os químicos são seguros se forem usados corretamente. No último dia 21, foi anunciada a liberação de mais 31 agrotóxicos, totalizando 169. Na conta não entram 28 registros publicados no “Diário Oficial da União” em janeiro, mas que tinham sido concedidos no fim de 2018.

Mesmo assim, a quantidade aprovada neste ano, até 14 de maio, é 14% superior à do mesmo período no ano passado. E é maior do que a registrada em todo o ano de 2015, quando o crescimento começou a disparar. Ativistas estão preocupados. Outros 15% são produtos finais e 28% são seus “genéricos”. A minoria (5%) são produtos biológicos, à base de organismos vivos, como fungos e bactérias – alguns deles podem ser usados até em orgânicos.

Segundo dados do Greenpeace, 25% dos produtos aprovados pelo governo neste ano não são permitidos na União Europeia. “O que a gente está vendo é que o Brasil acabou virando um depósito de agrotóxicos que são proibidos lá fora”, diz Marina Lacôrte, especialista da organização.

Molécula inédita

A última molécula inédita registrada no país foi o sulfoxaflor, em 2018. Mas ainda não foram permitidos produtos formulados à base dessa substância – mas já há pedidos em andamento, mas eles aguardam sinal verde do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O sulfoxaflor é relacionado à redução de enxames de abelhas em estudos no exterior.

A maior velocidade na liberação de pesticidas nos últimos três anos, segundo o Ministério da Agricultura, se deve a “medidas desburocratizantes” adotadas nos órgãos que avaliam os produtos, em especial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), considerada o principal gargalo.

Para acelerar as avaliações, a Anvisa deslocou servidores de outras áreas para o setor de agrotóxicos e passou a setorizar os pedidos, o que, segundo a própria Agência, trouxe mais eficiência. 

Recentemente, o Ministério da Agricultura passou usar uma ferramenta de trabalho remoto pela qual os funcionários são dispensados de bater ponto, mas têm que cumprir metas 20% maiores. Mas a principal mudança ocorreu nos últimos anos: o reforço de quatro químicos originalmente lotados na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), justamente para fazer a análise de equivalência das cópias de substâncias.

Doenças

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que junto com o Greenpeace e outras instituições forma o coletivo Chega de Agrotóxicos, faz um outro alerta. Segundo a médica da entidade, Ada Aguiar, as pesquisas no país só avaliam os efeitos de cada veneno isolado na saúde humana, mas o que acontece na vida real é o contato simultâneo com vários produtos.

De acordo com Ada, um estudo feito pela Universidade do Ceará entre 2007 e 2011 com mais de 500 trabalhadores rurais comprovou que 97% deles estavam expostos a de 4 a 30 agrotóxicos. “Isso é muito preocupante porque estamos tendo um ‘boom’ de doenças crônicas”, pondera.

Entidades em defesa do meio ambiente temem ainda que a liberação de produtos, mesmo que de substâncias previamente autorizadas, resulte em um uso mais intenso pelos agricultores, já que os preços tendem a cair. (Com agências)  

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