Festa celebra 50 anos da Cidade de Deus no Rio

“Festa das periferias se destaca por inventar, a cada edição, uma ‘bossa’ diferente”, diz idealizador

Postado em: 10-11-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa

Começou no último dia 8 de novembro a Festa Literária das Periferias (Flupp) que, em sua quinta edição, comemora os 50 anos da Cidade de Deus, comunidade na zona oeste do Rio de Janeiro. Mais de 100 autores de 20 países discutirão, até o próximo dia 13 de novembro, temas como racismo, machismo e homofobia. Além do aniversário da comunidade, a feira tem como homenageado o escritor Caio Fernando Abreu.
Ao contrário de outros eventos literários, como a Bienal do Livro e a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que oferecem sempre uma grande atração e são focados mais em autores, o escritor Julio Ludemir, um dos idealizadores da Flupp, disse à Agência Brasil que a festa das periferias se destaca por inventar, a cada edição, uma “bossa” diferente. 
Em 2012, quando surgiu, a Flupp criou a possibilidade de associar a produção de livros ao festival, revelando autores das periferias. A partir de 2014, foi criado o poetry slam, que são competições de poesia falada. No ano passado, foi promovida uma gincana literária, envolvendo alunos de escolas do ensino fundamental.
Neste ano, Ludemir disse que a Flupp está “radicalizando” no trabalho de criação da memória da favela. “A gente entendeu que a favela tem um grande desejo de registrar a sua memória”. Isso tem sido feito por meio de relatos de moradores mais antigos, chamados moradores-fundadores. A partir desses depoimentos têm sido criadas histórias em quadrinhos contando a história de cada um deles. Os autores concorrerão ao Prêmio Flupp HQ. Além de ter a obra publicada, o vencedor, que será escolhido entre candidatos brasileiros e estrangeiros, ganhará passagens para conhecer o Festival de Desenhos Animados de Angoulême, na França, em 2017.
Além de exposição sobre o cinquentenário da Cidade de Deus, a edição 2016 da Flupp apresenta outra novidade, que é o uso da tecnologia de óculos de realidade virtual para contar a história de jovens negros mortos nas favelas do Rio. Na opinião de Julio Ludemir, a realidade virtual, assim como o celular e o computador, que foram novidades no mundo em determinados momentos, acabará sendo incorporada pela sociedade no futuro. “Já tem gente produzindo narrativas a partir disso, e nós estamos utilizando essa poderosa tecnologia para contar uma situação dramática da periferia do Rio, que é a desses jovens sendo mortos quase em uma escala industrial. O Brasil é o País que mais mata jovens no mundo”.

Caio Fernando Abreu
O autor homenageado Caio Fernando Abreu é escritor gaúcho, portador do vírus HIV, que morreu há 20 anos. “Ele foi escolhido pela qualidade do seu trabalho, mas por ser um ícone de uma literatura homossexual brasileira”, salientou Ludemir. Para ele, a obra de Caio Fernando Abreu aponta para uma “periferia existencial” que dialoga com a “periferia territorial”. “E de alguma forma nos leva ao fato de que não existe periferia territorial, sem periferia existencial”. O idealizador da mostra defendeu que, na favela, não há somente “gente analfabeta e burra que gosta de funk”, mas jovens empreendedores que entraram nas universidades e estão modificando o cotidiano desses locais.
O evento dá destaque também às questões da população transexual. A Flupp ocorre na Praça Padre Júlio Groten, na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, Rio.

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