O acidente do césio 137 sob uma nova ótica

Quando o jornalismo dá voz às vítimas de um incidente ao invés de recorrer apenas às fontes oficiais

Postado em: 08-08-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Quando o jornalismo dá voz às vítimas de um incidente ao invés de recorrer apenas às fontes oficiais

GABRIELLA STARNECK

ESPECIAL PARA O HOJE 

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No dia 13 de setembro de 1987, uma ‘pedra azul’ se tornava a protagonista de uma trágica história que chamou a atenção não apenas do Estado de Goiás e do Brasil, mas do mundo todo. Era um domingo, como outro qualquer, quando dois jovens encontraram um aparelho utilizado para tratamento de câncer – que continha a cápsula de césio – em um terreno baldio onde funcionava o antigo Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), hoje o Centro de Convenções de Goiânia. 

A cápsula de césio, que propagava um brilho incomum, despertou a curiosidade dos rapazes que entrarem em contato com a substância – popularmente conhecida como ‘brilho da morte’. Foi assim que começou o maior desastre radiológico urbano já ocorrido no mundo. Como viviam as vítimas desse acidente? O que elas sentiram durante a crise? Foi por meio desses questionamentos que a jornalista Carla Lacerda teve a ideia de escrever o livro Sobreviventes do Césio 137, abordando o acidente com a substância não sob a ótica das chamadas ‘fontes oficiais’, mas sim por meio da história oral e da memória de pessoas que vivenciaram esse incidente.

Com a primeira edição da obra esgotada – lançada em 2007 –, a jornalista resolveu fazer uma nova versão do livro, que será lançada nesta quinta-feira (9), no Coruja Café, em Goiânia. Escrito por Carla Lacerda, com colaboração de Yago Sales, a segunda edição de Sobreviventes do Césio 137, como a jornalista relata ao Essência, “é uma edição revista e ampliada, e não uma continuação da obra anterior”. Reeditado pela Nega Lilu Editora, e relançado pelo Selo Eclea, a versão conta com novos dados e depoimentos – além de uma linguagem gráfica diferente. 

Obra

A segunda edição de Sobreviventes do Césio 137 é um livro-reportagem que denuncia a inconsistência do relatório oficial sobre mortes por câncer. No ano passado, quando foram completados 30 anos do acidente com o césio 137, em Goiânia, os casos de óbitos por câncer entre as vítimas da tragédia seriam seis. No entanto, em 2007, já haviam sido contabilizadas 12 mortes provocadas pela doença. Em 2012, foram relatadas 15 pessoas com câncer. Foi a partir disso que a jornalista começou a fazer a checagem que daria origem à nova versão do livro. 

“Quando eu percebi a discrepância em relação aos dados, fui até os responsáveis contestar. Foi então que tive acesso à nova planilha, atualizada em janeiro deste ano, que relata 15 vítimas de câncer. Esse livro tem sua importância, porque traz a correção desses números – o que contribui para relacionar as causas da morte ao acidente. Por exemplo, se pegarmos os dados do ano passado, que relata seis óbitos, o câncer aparece como a sexta causa de morte ligada ao acidente. Já se pegarmos o novo dado, de 15 pessoas mortas, o câncer passa a ser a segunda causa de morte”, explica Carla. Yago completa: “É um respeito não apenas às vítimas, mas à memória trágica de um Estado que sofreu os piores dias da sua história. Nós todos somos vitimas dessa tragédia”.

O prefácio foi escrito pelo premiado jornalista e documentarista Vinicius Sassine. A apresentação do livro traz o ponto de vista da editora Larissa Mundim acerca de percepções, que ficam mais nítidas com o distanciamento de três décadas do acidente com o césio 137. A publicação do novo projeto editorial foi viabilizada por financiamento coletivo (crowdfunding), por meio da campanha 30 anos sem Leide das Neves.

Jornalismo Literário

A nova versão de Sobreviventes do Césio 137 traz a história das vítimas do acidente sob a ótica do Jornalismo Literário – que aborda os relatos de forma humanizada.  “A partir desta base conceitual e técnica, recontei o trágico episódio do acidente radiológico sob o ponto de vista das vítimas”, explica Carla. Segundo ela, a referência para a produção do conteúdo é o livro Hiroshima, de John Hersey, considerado um marco do jornalismo literário moderno.

“O livro levanta esta denúncia em manifesto contra o apagamento desta história que se iniciou em 1987 e ainda não acabou”, comenta a jornalista. Para isso, traz uma narrativa que alerta para a necessidade do registro do discurso não oficial, não institucional contra o apagamento da memória. “De outra maneira, entendemos também este passeio dos olhos pelo azul como expressão do desejo pela descontaminação de todo o preconceito e discriminação que impactam a história de vida das pessoas envolvidas nesta história”, complementa a editora Larissa Mundim.

Entrevistas

E, por falar em pessoas envolvidas, Carla relata como foi a reação dessas pessoas ao procurá-las para falar sobre um assunto tão doloroso. “Cada pessoa reage de um jeito.Várias das vítimas falam, porque elas entendem a importância que elas têm nesse processo para que o acidente não seja esquecido, elas têm noção da sua responsabilidade social; que ,a partir do momento em que elas se calam, elas vão acabar contribuindo para que o acidente caia no esquecimento. O Wagner, por exemplo, é um pouco resistente a entrevista, se não me engano ele não falou com outros veículos nacionais e internacionais além de O HOJE (em 2007, quando eu era repórter no Jornal O HOJE). A primeira vez em que falei como ele, em 2007, peguei o carro jornal, o encontrei na rodoviária e fomos para um pit dog para conversar. Foi do jeito dele, nas condições dele. Eu acho que a gente precisa ser maleável e flexível em relação a isso. Em 2008, eu falei com ele de novo, quando estava fazendo minha ‘pós’. Mas, nessa segunda vez, ele tentou recuar também. Então é muito variável, e é um assunto que mexe muito com a pessoa.  É preciso saber respeitar o momento de dor. Ninguém é obrigado a estar bem o tempo todo”, finaliza a autora.

SERVIÇO

Lançamento do livro ‘Sobreviventes do Césio 137’

Quando: quinta-feira (9) às 19h

Onde: Coruja Café (Rua T-37, esquina com Rua T-12, Connect Park Business, Setor Bueno – Goiânia)

 

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