Fotógrafos quebram paradigmas da realidade

Salem, por meio de suas fotos, revela a pluralidade dos moradores das favelas

Postado em: 30-07-2021 às 08h19
Por: Luan Monteiro
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Salem, por meio de suas fotos, revela a pluralidade dos moradores das favelas | Foto: Wesley Menezes

“Fotografar é uma atitude, um modo de ser, um modo de vida”, já dizia o fotógrafo, fotojornalista e desenhista francês Henri Cartier-Bresson. A fotografia tem por intenção traduzir momentos, colocar em imagens sentimentos, convicções e experiências. Foi pensando nisso que a fotógrafa Salem criou o projeto Afotogracria, no qual ela, moradora da Rocinha, decidiu mostrar a realidade dos moradores de lá. O intuito é derrubar vários estereótipos criados e mostrar como os favelados são plurais.

Cansada de retratações negativas da sua comunidade, Salem achou na fotografia uma forma de mostrar a beleza que há nas favelas. Em entrevista ao Essência, ela conta quando começou seu processo de amor pela Rocinha. “Morria de vergonha de morar na favela, até o dia que o meu pai chegou com o livro ‘Rocinha’ do André Cypriano em casa. Eu via as vielas e o beco onde eu morava naquelas fotos. Quero que as pessoas daqui sintam esse orgulho que eu tive com aquelas páginas”, relembra.

Nascida e criada na maior favela do País, Salem começou a fotografar despretensiosamente, quando ainda era atleta do bodyboarding. Após uma vigem ao Ceará, onde percebeu que não tinha técnica, ela começou a se questionar. “Também sou artista plástica e ficava pensando como conseguia pintar um quadro com perspectiva, mas na hora de fazer uma boa foto deixava tanto a desejar. Então nessa época comecei a experimentar mais, tentar registrar os outros atletas com câmeras de amigos e assim, a semente foi plantada”.

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Seu trabalho vai além das imagens bem feitas, segue o propósito de desmistificar a ideia de que nas favelas só existem criminosos. “Quem acompanha meu trabalho desconstrói esse olhar com muita naturalidade, vendo que favela também é lugar de esporte, cultura e lazer”, explica a fotógrafa. Ela reforça que a postura de pessoas que não compartilham essa vivência não tem muito o que dizer. Que seu trabalho, uma visão de dentro para fora, tem maior relevância. “É para além do olhar fotográfico, é a voz que ele tem”, comenta.

Hoje, com um olhar mais maduro da sua arte, Salem atribui seu crescimento profissional a sua participação no Frente Festival. “Foi um divisor de águas, pude conhecer fotógrafos com o objetivo parecido com o meu. Aprendi sobre direitos autorais, direito de imagem, como cobrar e me posicionar”. O evento se propõe a ser uma janela para fotógrafos de origem periférica, construindo uma plataforma para diálogo, formação e incentivo das múltiplas produções de artistas e olhares que emergem do silenciamento social, econômico e cultural.

Um olhar goiano

Compartilhando essa sede de registrar o mundo como ele é, de eternizar momentos, o fotógrafo goiano Wesley Menezes, de 26 anos, diz ser apaixonado pela fotografia documental e espontânea. “Sempre gostei de registrar o que acontece ao meu redor. As flores, os livros, os cachorros, as pessoas. Gosto de manter a memória do que aconteceu hoje, das coisas que a gente não dá muita importância”, conta para o Essência. “Gosto de registrar os momentos como eles são, como estão, claro, a partir da minha visão de mundo e do meu olhar”, continua.

Além de ser um entusiasta pela fotografia documental, aquela que capta momentos de uma vida mais realista, menos posada, Wesley traz também para o seu trabalho registros de elementos naturais tais com o céu e a noite. “A noite é mais difícil, a foto precisa de iluminação. Para conseguir bons cliques ou tu ilumina artificialmente e acaba por perder a luz natural e o momento como ele está acontecendo, ou tu arrisca perder certa nitidez, que geralmente só é percebida por outros fotógrafos”, diz o goiano.

O fotógrafo relembra que sua paixão pela fotografia nasceu na infância/adolescência, quando a função de registrar os momentos familiares passou a ser sua responsabilidade. “Antigamente era meu pai que tirava as fotos da família, com uma máquina Kodak. Quando ele comprou sua primeira máquina digital, eu passei a ter essa responsabilidade nos encontros. Tanto que grande parte dos registros da família eu não apareço, tive que desenvolver formas de fazer auto-retrato e ter registros meus”.

“Comecei a me interessar pela fotografia, empilhava livros e cadeiras até ter o meu próprio tripé, usava o temporizador da câmera mesmo. Aos poucos fui entendendo aquele monte de coisa escrita na câmera e os parâmetros para conseguir fazer o ambiente e a paisagem trabalharem a meu favor. Foi então que comecei a fazer registro dos meus amigos e familiares de uma melhor forma e mais profissional. Atualmente ainda faço isso, mas por diversão e por prazer de ver os registros”, revela.

Wesley se diz preocupado com a forma que a fotografia e o fotógrafo tem sido tratados na era dos de stories, filtros e edições exageradas. De acordo com ele, houve uma banalização das imagens. “Registra-se um volume enorme de fotos que ficam ‘guardadas’ nas memórias dos celulares, estas que são perdidas ou muitas vezes não são revisitadas. Outro ponto é a pessoa acha que só ter uma máquina é o suficiente para captar o momento de forma ideal”. Enfim, ser fotógrafo é mais do que técnica, é sentir, intuir e inspirar.

Breninho, um dos moradores da Rocinha, maior favela da America Latina | Foto: Salem, Fotogracria

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