Companheiros(as) têm direito a receber herança?

Elisângela Lima dos Santos Borges é especialista em Direito de Família e Sucessões.

Postado em: 20-09-2022 às 09h45
Por: Luan Monteiro
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Elisângela Lima dos Santos Borges é especialista em Direito de Família e Sucessões. | Foto: Reprodução

Elisângela Lima dos Santos Borges     

Apesar da dor causada pelo luto, é comum que muitas vezes apareçam dúvidas e ocorram conflitos relacionados ao direito de herança do(a) companheiro(a). É importante ressaltar que a união estável é reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal e garante aos companheiros a mesma proteção, com direitos e deveres, dada aos cônjuges na constância do casamento.     

A união estável é regulada pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 1.723 traz o conceito de união estável e indica os elementos necessários para sua caracterização, quais sejam: “Convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.     

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Embora haja a equiparação da união estável ao casamento, o artigo 1.790 do Código Civil prevê uma diferenciação entre o companheiro e o cônjuge no momento da sucessão, dispondo que: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:  I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança’.     

Neste caso, a lei coloca o companheiro apenas como concorrente e não como pertencente a uma classe de herdeiro, diferentemente do que estabeleceu para o caso do cônjuge sobrevivente. Prevalecendo a regra estabelecida nesse artigo da lei, seria atribuído ao companheiro cota menor na herança do que aquela prevista para o cônjuge. Além disso, ele só se tornaria herdeiro da totalidade do patrimônio se o falecido não tivesse deixado qualquer parente como pais, avós, irmãos, tios e sobrinhos.     

No mais, o companheiro não teria direito ao recebimento de bens adquiridos pelo falecido por herança ou doação (título gratuito), salvo se não houvesse qualquer espécie de herdeiro. Cabe esclarecer que bens adquiridos onerosamente são aqueles considerados objeto de compra e venda, por exemplo.   

Exemplificando: se o companheiro tivesse dois filhos em comum com o falecido, receberia metade da herança entendida como bens adquiridos na constância da união estável a título oneroso. No caso de não ter filhos em comum e concorrer com dois filhos exclusivos do falecido, este teria direito a ¼ (um quarto) do patrimônio adquirido na constância da união estável. E, inexistindo filhos do falecido, concorreria com os demais parentes recebendo 1/3 (um terço) da herança.   

Enquanto o companheiro herda apenas nas condições acima estabelecidas pelo Código Civil, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, concorrendo igualmente com os descendentes (filhos comuns ou não), com os ascendentes e, se não houver descendentes ou ascendentes, terá direito à totalidade da herança.     

Sobre a sucessão no caso de pessoas casadas, a legislação em vigor (Código Civil) diz que com falecimento de um dos cônjuges e a abertura da sucessão, não havendo testamento quanto à parte disponível do seu patrimônio, transmite-se a herança aos herdeiros legítimos dentre os quais está o cônjuge, na terceira classe concorrendo com os descendentes ou ascendentes, que estão elencados nas duas primeiras ordens de herdeiros necessários.     

Na hipótese de o falecido não ter deixado descendentes (filhos, netos, bisnetos) nem ascendentes (pais, avós, bisavós), o cônjuge sobrevivente é chamado à sucessão e herda a totalidade do patrimônio, conforme estabelece o artigo 1.838 do Código Civil. Desse modo, mesmo que haja parentes colaterais (irmãos, tios e sobrinhos), se não houver descendentes nem ascendentes, a sucessão será deferida integralmente ao cônjuge sobrevivente.     

Na concorrência entre cônjuges, descendentes e ascendentes é preciso observar o regime de bens do casal. Se o regime de bens vigente era o de comunhão universal, onde comunicam-se todos os bens, direitos e obrigações adquiridos antes ou após o casamento, a título gratuito (herança ou doação) ou oneroso (doação ou herança), cabe ao cônjuge sobrevivente a meação (metade do patrimônio), mas não concorre com os descentes. 

Se o regime de bens for o da separação obrigatória (pessoas maiores de 70 anos, ou menores de 18 anos, por exemplo), o cônjuge, também, não será chamado a concorrer com os descendentes. No caso em que regime de bens adotado for o “comum” da comunhão parcial, o cônjuge sobrevivente adquire a sua meação (metade dos bens adquiridos na constância do casamento de forma onerosa) e somente participa da sucessão relativa aos bens particulares do falecido, em concorrência com os descendentes.     

Na hipótese de concorrência entre cônjuge e descendentes, o cônjuge recebe o quinhão (parte) igual ao dos que sucederem por cabeça, mas sua parte não pode ser inferior à quarta parte da herança. Exemplificando, se o falecido tinha três filhos, a concorrência entre eles e o cônjuge sobrevivente é solucionada com a divisão igualitária, cabendo um quarto a cada um dos descendentes e ao cônjuge. Contudo, se houver quatro ou mais descendentes do falecido, além do cônjuge sobrevivente, a este caberá um quarto da herança e o restante será dividido entre os descendentes.     

Já na concorrência do cônjuge com os ascendentes, este receberá, além da sua meação cabível conforme o regime de bens adotado, a quota relativa aos demais bens inventariados. De acordo com o artigo 1.837 do Código Civil, observa-se a seguinte situação: i) se concorrer com ascendente em primeiro grau, isto é, com os pais do falecido, ao cônjuge caberá 1/3 (um terço) da herança; b) se concorrer com apenas um ascendente, como por exemplo só com a mãe do falecido, caber-lhe-á a metade da herança; c) se concorrer com ascendentes de maior grau, como avós, bisavós, também lhe é assegurado a metade da herança.     

Pois bem, nos termos do Código Civil, o companheiro era diferenciado do cônjuge no momento da sucessão, pois não era classificado como herdeiro necessário, portanto, só recebia a totalidade da herança na hipótese de não haver parentes colaterais, ou seja, tios, irmãos ou sobrinhos.      

Visando corrigir a desigualdade legislativa, na medida em que a união estável foi equiparada ao casamento pela Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF – RE: 646721 RS) declarou em 2017 a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, garantindo assim ao companheiro(a) os mesmos direitos do cônjuge sobrevivente estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.     

Desta forma, atualmente não existem distinções entre o direito de herança do cônjuge sobrevivente e do companheiro(a), garantindo-se ao companheiro(a) os mesmos direitos do cônjuge na sucessão, restando preservada a igualdade de direitos tanto no casamento como na união estável.          

Elisângela Lima dos Santos Borges é especialista em Direito de Família e Sucessões

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