“Contou com a conivência de muitos atores”, diz cientista político sobre 8/1

Constitucionalista consultado pelo O Hoje, por sua vez, chama atenção para a importância do STF na preservação da ordem

Postado em: 11-01-2024 às 09h30
Por: Redação
Imagem Ilustrando a Notícia: “Contou com a conivência de muitos atores”, diz cientista político sobre 8/1
Na semana em que se completa um ano dos ataques, reportagem traz percepção de atores políticos sobre o ocorrido | Foto: Joedson Alves/ABr

Felipe Cardoso e Francisco Costa

Alguns dias se passaram desde a memória do 8 de janeiro de 2023, data marcada por atos golpistas contra as sedes dos três Poderes, em Brasília. Para o constitucionalista e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Clodoaldo Moreira, após mais de 12 meses do ocorrido, “percebe-se a reafirmação da importância da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) na preservação da ordem democrática no Brasil”.

Segundo ele, a Corte desempenhou um papel crucial ao defender a Constituição, garantir a independência do Judiciário e responsabilizar os envolvidos nos atos violentos. “Do ponto de vista jurídico, é importante destacar a necessidade contínua de fortalecer as instituições democráticas, preservar a harmonia entre os poderes e assegurar o respeito às decisões judiciais para manter o equilíbrio democrático.”

Continua após a publicidade

É preciso dizer que dos mais de 2 mil detidos pelo 8 de janeiro, 66 ainda estão presos. Destes, 25 são investigados por financiar os atos golpistas contra os três Poderes, em Brasília. Outros 33 receberam denúncia por executar e oito já foram condenados.

Até o momento, o STF julgou 30 dos cerca de 200 denunciados por envolvimento no episódio. A primeira condenação ocorreu em 14 de setembro de 2023. O réu foi Aécio Lúcio Costa, de 51 anos. Ele recebeu uma pena de 17 anos de prisão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, ano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada.

Os demais condenados tiveram penas semelhantes. Estas variaram de 12 a 17 anos de prisão. Clodoaldo emenda que o aprendizado sobre o fatídico dia “reside na constante vigilância e compromisso com a defesa dos valores democráticos, bem como na importância de um Judiciário independente na promoção da justiça e no combate a atos que ameacem a democracia”.

Ainda latente

Deputado federal, José Nelto (PP) afirma que a democracia resistiu “a intentona golpista do dia 8 de janeiro, mas ainda não sepultamos essa ideia golpista no País. Ela está latente na cabeça de uma elite branca, privilegiada, de pessoas fascistas, que não reconhece o desejo das pessoas, que não respeita a vontade dos eleitores e sempre tem nas suas mentes que a saída é uma saída do autoritarismo e de uma ditadura”. 

Para ele, isso é bem claro para a classe política, o que se evidencia na divisão que o País ainda permanece. “Agora, o que nós podemos deixar bem claro que começa uma consciência que quem subverter a ordem democrática terá que ser punido. Então, eu lamento que a justiça brasileira não seja tão célere como a Justiça de outros países”, argumenta.

Para ele, os militares envolvidos já deveriam ter sido punidos, pois são os verdadeiros culpados. “Juntamente com o Bolsonaro, quando permitiram que as portas dos quartéis viraram trincheira do golpismo. O Exército brasileiro estava conivente. Imagina você, no período da ditadura militar, se alguém poderia, pelo menos, encostar um carro na porta dos quartéis brasileiros, aquele carro seria fuzilado. Então, tudo que aconteceu no Brasil, teve a conivência de uma parcela das Forças Armadas brasileiras”, acusa. 

Também questionado sobre o aprendizado, Nelto pontua que é preciso mudar as instituições, fortalecê-las para que nunca mais no País tenha essa intentona golpista, seja de qualquer viés ideológico. 

Visão

Professor e cientista político, Marcos Marinho não vê o 8 de janeiro como um acidente na história. “Não foi uma catarse coletiva que aconteceu do nada, foi um momento orquestrado, fomentado por bastante tempo. Pelo menos durante quatro anos houve um trabalho muito bem feito através de redes sociais, de grupos de Whatsapp, onde foi se construindo toda aquela mitologia da intervenção militar com o Bolsonaro no poder. Então você teve um momento ali de ação orquestrada, planejada, que foi trabalhada e insuflada por um longo período por um grupo que sabia muito bem o que estava fazendo.”

Segundo ele, havia possíveis resultados esperados que passaram batidos por muita gente. Ela ressalta que não seria possível, por aquele tipo de invasão, tomar o poder, mas a maioria dos que praticaram o ato não tinham essa noção. “Talvez muitos ali o fizeram acreditando que, de fato, eles iam conseguir derrubar o Lula e assumir o poder. Mas havia toda uma orquestração por trás daquilo. Então, o que está claro é que houve toda uma orquestração, muito financiamento, muita preparação, até a maneira de motivar ali as pessoas a executarem aquele ato”, reforça. 

Para ele, ficou explícito que é possível mobilizar grupos para ações completamente irracionais e que, de fato, há grupos hoje no Brasil com extrema capacidade de mobilização. “Óbvio que contou com a leniência, conivência de muitos atores sociais importantes, principalmente dentro das fileiras da segurança pública”, expõe.

Sobre os envolvidos, Marinho acredita que boa parte não se arrepende e não crê ter feito algo errado. Inclusive, muitos continuam acreditando em ideias extremistas que os levaram aquilo. “Em relação a avanços na área da regulação das mídias, não aconteceu nada, ainda. Então, é preocupante essa terra de ninguém, que é a web hoje, porque é óbvio que aquilo aconteceu, né? O 8 de janeiro aconteceu, porque havia essa possibilidade de disseminar conteúdo e de manter comunicação e coordenação através da tecnologia da informação e comunicação.”

Ainda assim, ele vê um País mais tranquilo. Ele vê a população na rotina, mais preocupada se a carne está mais barata, se a gasolina está mais barata… Deste modo, ele argumenta que as instituições é que devem se preocupar, pensar em como deixar processo democrático mais seguro e mais estável. “Passou o susto. Quem tinha que se preocupar, se vai ou não ser preso ainda está preocupado, mas outros estão seguindo a vida. Então, o país está seguindo a sua normalidade caótica, a verdade é essa”, arremata.

Pesquisa

89% dos brasileiros reprovam as invasões aos prédios dos Três Poderes ocorridas em 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Os atos golpistas são aprovados por 6%. Outros 4% não souberam ou não quiseram responder.

Os dados, publicados em 7 de janeiro deste ano, fazem parte de levantamento da Quaest, realizado entre os dias 14 e 18 de dezembro de 2023. Foram 2.012 entrevistas presenciais com brasileiros com 16 anos ou mais, em 120 municípios. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, e o nível de confiança é de 95%. O levantamento foi financiado pela plataforma Genial Investimentos, que opera no mercado financeiro.

A pesquisa também pergunta se “Bolsonaro teve algum tipo de influência no 8 de janeiro?” 47% dos entrevistados disseram que sim e 43% que não. 10% não souberam ou não quiseram responder.

Veja Também