Figura do vice está em evidência, mas funções são questionadas
Prefeitura de Goiânia passará mais de 10 anos sem vice-prefeito no período entre 2010 e 2024
Ainda falta mais de um ano para as eleições de 2022, mas as articulações para formação de chapas, apesar de não serem definidas por agora, já estão em estágio avançado, com cada peça buscando seu espaço no tabuleiro da política.
A vaga de vice na chapa do governador Ronaldo Caiado (DEM) é uma das mais cobiçadas e pode ser o fiel da balança na disputa pelo governo. O atual ocupante da cadeira, Lincoln Tejota (Cidadania), naturalmente coloca seu nome à disposição para se manter no cargo.
No momento, contudo, o mais cotado é o ex-deputado federal Daniel Vilela (MDB). Fala-se que o emedebista, ao se aliar a Caiado, está de olho na candidatura a governador em 2026.
Anteriormente cotado para a vice, o presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira (PSB), segue na base de Caiado, mas tudo indica que está cada vez mais dedicado a uma candidatura a deputado federal.
Afinal, na prática, qual é o papel de um vice no Brasil? Recentemente, rompimentos de vices ganharam evidência e a função do cargo passou a ser questionada com mais frequência.
O caso de Goiânia
Goiânia tem uma situação tão peculiar a ponto de que, no intervalo entre 2010 e 2024, a cidade ficará pouco mais de dez anos sem um vice-prefeito.
Em 2010, Iris Rezende (MDB) saiu da Prefeitura para se candidatar a governador. Seu vice, Paulo Garcia (PT), assumiu, deixando o cargo vago até o final de 2012, quando se reelegeu.
Depois do segundo mandato de Paulo Garcia, Iris Rezende voltou à Prefeitura, em 2016. Porém, seu vice, Major Araújo (à época no PRP e hoje no PSL), decidiu renunciar ao posto para se manter como deputado estadual.
No ano passado, Maguito Vilela (MDB) se elegeu prefeito, mas faleceu em decorrência de complicações da Covid-19 pouco tempo depois. No seu lugar, assumiu o atual prefeito, Rogério Cruz (Republicano), que não terá um vice até 2024.
Atualmente, o gabinete do vice-prefeito está ocupado pelo secretário do Escritório de Prioridades Estratégicas, Fábio Cammarota.
Neste período, o único vice-prefeito de Goiânia, portanto, foi Agenor Mariano (MDB), durante o segundo mandato de Paulo Garcia (2013-2016). E detalhe: um ano e meio antes do final da gestão, o então vice rompeu politicamente com o prefeito.
“Não havia perspectiva de mudança e eu não era ouvido. Nada do que eu falasse ia mudar a gestão, que, na minha opinião, não estava boa, e eu não poderia mais emprestar a minha credibilidade”, disse o ex-vice-prefeito à reportagem do O Hoje. “Eu incomodava e a cúpula do PT não queria que fosse trabalhar, mas eu ia todos os dias, apesar de terem exonerado meus assessores.”
Segundo Agenor Mariano, a ausência de um vice-prefeito em Goiânia por tanto tempo “não fez falta, mas poderia ter feito”. “O vice precisa existir assim como o estepe do carro”, argumenta.
O problema, para ele, é que “políticos escolhem os vices somente para ganhar eleição”. Agenor Mariano diz que “falta habilidade no relacionamento porque muitos vices conhecem o titular na campanha e eles têm muitas ideias diferentes e pouca afinidade”.
“Quanto mais partidos houver, maiores são as chances de haver problemas [devido à composição partidária das chapas]. O ideal seria um vice do mesmo partido do titular”, conclui o emedebista.
Exemplos internacionais
Enquanto vice-prefeito, Agenor Mariano afirma que foi convidado para assumir secretarias, mas recusou. Recebia algumas missões específicas e, quando era chamado, atuava mais como uma conselheiro.
Pelo mundo, há casos de países que concedem aos vices funções mais claras do que apenas estar na linha sucessória. Nos Estados Unidos e na Argentina, por exemplo, o vice-presidente acumula o cargo de presidente do Senado.
Na Colômbia, não é uma regra, mas a atual vice-presidente, Marta Lucía Ramírez, é também ministra das Relações Exteriores.
No Brasil, o caso de Porto Alegre é interessante e também diz respeito a assuntos internacionais, uma vez que a Diretora de Relações Internacionais da capital gaúcha está diretamente vinculada ao vice-prefeito.
Por fim, vale citar as Filipinas, o único país do mundo onde o vice-presidente é eleito de forma separada. Isso quer dizer que é possível ter um presidente e um vice que não disputaram as eleições como aliados.
“Cargo de vice talvez não seja interessante para Daniel Vilela”, diz cientista político
A reportagem do O Hoje perguntou ao cientista político Robert Bonifácio sobre o papel do vice. Segundo ele, trata-se de um cargo importante para “garantir a governabilidade e para ser um elemento a mais de atração de votos”, mas que pode gerar problemas, “caso não haja sintonia política entre ele e o cabeça de chapa ou do incumbente, passando de um aliado a um adversário muito próximo”.
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Robert Bonifácio diz que o papel de Michel Temer no impeachment de Dilma Rousseff pode ter servido de exemplo a muitos vices Brasil afora.
Além disso, de acordo com o cientista político, o cargo de vice “talvez não seja interessante para atores políticos fortes regionalmente, capazes de conseguirem com pernas próprias serem eleitos governadores, como, por exemplo, Daniel Vilela”.
Considerando o intervalo entre 2010 e 2024, Goiânia ficará pouco mais de dez anos sem um vice-prefeito. Afinal, este é um cargo que faz falta?
O cargo de vice é importante por ser um item a mais que pode garantir a governabilidade e para ser um elemento a mais de atração de votos. Não é obrigatório, mas é usual que se tenha como vice alguém de partido diferente do cabeça de chapa ou do incumbente. Com isso, se atrai para o governo e, consequentemente, se espera que se tenha apoio legislativo de atores políticos para além do grupo político mais próximo do cabeça de chapa ou do incumbente. Ademais, o perfil político e social do vice pode ser complementar ao do cabeça de chapa, permitindo abocanhar uma parcela do eleitorado que não seria alcançada somente por este. Agora, o vice também pode ser um problema, caso não haja sintonia política entre ele e o cabeça de chapa ou do incumbente, passando de um aliado a um adversário muito próximo. Exemplos recentes mostraram que isso é possível, como o ex-vice prefeito de Belo Horizonte Roberto Carvalho (PT) e o ex-vice presidente Michel Temer (MDB).
Por que, nos últimos anos, passou a ser tão frequente vices de todas as esferas romperem com o titular?
É difícil precisar isso de modo científico. Não só se de fato existe recentemente um aumento de atritos entre vice e principal, mas também as motivações para tanto. Isso porque os atritos se dão muitas vezes de forma silenciosa ou discreta, sem gerar fato político de conhecimento público. Logo, não são possíveis as mensurações. O que se pode afirmar no campo perceptivo é que o papel de Michel Temer no impeachment da ex-presidente Dilma pode estar servindo de inspiração a muitos vices que não possuem boa relação com o principal, dado que a operação de retirada da ex-presidente, orquestrada pelo então vice, foi um sucesso. Embora tenha pegado em relação a sua imagem a pecha de golpista, as recompensas materiais superaram o dano simbólico.
Pensando neste cargo na chapa do governador Ronaldo Caiado em 2022, a ideia de que o vice pode ser o candidato a governador em 2026 faz sentido?
Faz sentido, mas é ingênuo achar que tal tipo de promessa tem 100% de chance de ser cumprida. É comum observar que, mesmo em gestões que se encerram bem-avaliadas, vices porventura são escanteados pelo grupo no poder caso não sejam do mesmo partido do mandatário que está de saída. O que é garantido é que o vice herda, em alguma medida, os bônus e os ônus da gestão em que esteve ligado e que, havendo relação harmoniosa, necessariamente fica em condição de subordinação ao incumbente, isto é, segue uma agenda que, às vezes, pode lhe causar estranhamento e aparece necessariamente menos do que o incumbente. Então, talvez não seja interessante para atores políticos fortes regionalmente, capazes de conseguirem com pernas próprias serem eleitos governadores, como, por exemplo, Daniel Vilela, estar em posição de vice.
No Brasil, é possível conceder ao vice uma função oficial além de ser o segundo na linha sucessória?
Sim, vices têm funções constitucionalmente reguladas no Brasil, mas o principal papel se dá no campo da legitimidade e da atuação estratégica, que é definido politicamente. A importância dos vices varia entre os países e os casos de EUA e Argentina são emblemáticos, pois nesses países eles possuem uma centralidade maior porque, além de ocuparem a linha sucessória, têm voto nas casas legislativas, o que pode ajudar a definir uma votação apertada em prol ou contra o governo. Na presidência vigente do Brasil, o vice Hamilton Mourão encontra-se escanteado por Bolsonaro, cabendo a ele funções pouco relevantes. Mas já tivemos vices que eram atuantes, mesmo que de modo muito distinto entre si, como, por exemplo, Marco Maciel (1995-2002) e José Alencar (2003-2010).