Caiado vai recorrer de decisão que considerou inconstitucional lei de combate a incêndio
“A Constituição prevê competência dos Estados para legislar, de forma concorrente, em casos emergenciais e extraordinários, em especial se a União se mantiver inerte diante de necessidade evidente”
O governador Ronaldo Caiado (União Brasil) não gostou da decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) declarou inconstitucional parte da Lei Estadual Ordinária “que institui a Política Estadual de Segurança Pública de Prevenção e Combate ao Incêndio Criminoso no Estado de Goiás e cria o tipo penal que especifica” e já declarou que vai recorrer. O anúncio foi feito ainda na noite de quarta-feira (11), quando soube da decisão da Corte.
“Triste. No mínimo, revoltante”, disse em publicação nas redes sociais. “Os prejuízos causados pelas queimadas criminosas já ocorridas são incalculáveis e terão um pesado reflexo na economia de Goiás. A Constituição não é capaz de prever situações emergenciais. Assim, não é dado ao Governo o direito da omissão diante de uma legislação que protege o bandido e estimula o crime”, também declarou.
Segundo ele, em nota, “a Constituição Federal prevê competência dos estados para legislar, de forma concorrente, em casos emergenciais e extraordinários, entre outros casos, sobre proteção ao Meio Ambiente, conservação da natureza, defesa do solo e recursos naturais, em especial se a União se mantiver inerte diante de necessidade evidente”.
O texto de autoria do governo, entre outras coisas, criava um tipo penal, com punição e crime inafiançável. O Tribunal entendeu como invasão de competência da União pelo Estado. Ainda conforme Caiado, a Justiça deveria entender a realidade que acontece no Estado.
Trâmite
A Assembleia Legislativa aprovou, no último dia 5, e o governo de Goiás publicou no Diário Oficial, no dia seguinte, a lei que institui a Política Estadual de Combate aos Incêndios Criminosos em Goiás. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás declarou a inconstitucionalidade três artigos da lei por invadirem a competência da União – os demais trechos seguem valendo. O colegiado acatou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), na quarta-feira.
Na ADI, a Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás cita que, ao criar tipos penais e estipular punições de reclusão entre quatro e dez anos para crimes de incêndio em áreas florestais, “a lei estadual invadiu a competência legislativa da União, conforme disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, que reserva à União o poder exclusivo de legislar sobre direito penal”.
Constitucionalista
Segundo o professor e advogado constitucionalista, Clodoaldo Moreira, em entrevista recente ao O Hoje, os artigos do projeto, do 1º ao 15, tratam de políticas públicas de segurança e meio ambiente, estando dentro da competência estadual. Ele argumenta, entretanto, que o artigo 16 cria um novo tipo penal, o que é inconstitucional, pois a competência para legislar sobre direito penal é privativa da União (art. 22, I, CF/88).
Prevê o artigo: “Provocar incêndio em florestas, matas, demais formas de vegetação, pastagens, lavouras ou outras culturas, durante a vigência de situação de emergência ambiental ou calamidade decretada, expondo a perigo a vida, a integridade física, o patrimônio público ou privado, a ordem pública e a coletividade: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 7 (sete) anos, e multa.”
Já o parágrafo único deste artigo fala em reclusão de dez anos. A situação ocorre em caso de morte resultante do incêndio e outras situações, como lesão corporal grave e mais. “Tecnicamente esse dispositivo também é inconstitucional pelos seguintes fundamentos: rigidez da pena, que impede adequação às particularidades do caso; violação do sistema trifásico de aplicação da pena; possível desproporcionalidade na punição; e ofensa ao princípio da culpabilidade.”
Segundo ele, lembrando que a competência é da União, seria preciso estabelecer uma faixa de pena com mínimo e máxima, permitindo ao juiz aplicar a dosimetria adequada. “O Supremo Tribunal Federal já considerou inconstitucional lei semelhante que fixava pena em patamar único (ADI 4.414)”, argumentou. Por fim, o artigo 17 diz que o crime previsto no art. 16 é inafiançável. Clodoaldo explica que a lei estadual também invade a competência da União para legislar sobre direito processual penal mais uma vez.
Defesa da lei
O jornal O Hoje também consultou o deputado Amilton Filho (MDB), que foi o relator do projeto aprovado na Assembleia e sancionado pelo governo de Goiás. Na defesa, ele argumentou que a Constituição Federal prevê que legislar sobre direito ambiental cabe de forma concorrente à União e aos Estados.
“E nós entendemos que essa parte da pena está dentro da norma do direito ambiental, neste caso. Então, não haveria problema”, pontua. Amilton ainda endossa o projeto ao dizer que Goiás é um dos Estados com mais registros de queimadas no País. “Algo causa dano não só ao meio ambiente, mas também a saúde. Por isso, essa lei não é apenas legal e constitucional, mas oportuna”, diz ao reforçar a necessidade de frear as ocorrências de incêndios.