Trump fracassa em sua cruzada tarifária e recua diante da China
Pressionado por impactos econômicos internos e pela resiliência de Pequim, presidente dos EUA reduz alíquotas após enfrentar críticas do mercado e de aliados

Bruno Goulart
A tão propalada guerra comercial entre Estados Unidos e China ganhou um novo capítulo nesta semana: o presidente Donald Trump anunciou um recuo nas tarifas impostas a produtos chineses, encerrando — ao menos por ora — a política de confrontação direta que marcou sua retórica econômica nos últimos anos. O gesto, que inclui a redução de tarifas de até 145% para patamares entre 50% e 65%, é visto por especialistas como uma derrota estratégica para o líder republicano, pressionado por turbulências econômicas internas e pela resistência do governo chinês.
A decisão de recuar nas tarifas veio após meses de instabilidade nos mercados, aumento no custo de vida da população americana e críticas contundentes de empresários e aliados políticos. Produtos chineses considerados não estratégicos, como brinquedos, vestuário e utensílios domésticos, terão alíquotas reduzidas para 35%. Já setores sensíveis como semicondutores, equipamentos de telecomunicação e baterias de lítio — considerados centrais na disputa tecnológica com a China — ainda enfrentarão tarifas de até 100%.
Segundo o cientista político Lehninger Mota, o gesto de Trump evidencia o fracasso de uma estratégia baseada em ameaças unilaterais. “A gente esperava que ele ia recuar porque iria atingir bastante a economia americana. A população iria sofrer e avaliar a política dele como equivocada e, naturalmente, perder apoio. O presidente do Banco Central americano já tinha falado: olha, nós vamos ter que aumentar a taxa de juros que você quer que abaixar e vai ter que continuar alta por mais tempo, porque a inflação agora não é previsível”, afirma Mota.
Ao O HOJE, a economista e analista de mercado, Greice Fernandes, reforça essa análise. Para ela, a escalada tarifária promovida por Trump teve efeito colateral severo sobre a economia americana, principalmente sobre consumidores e pequenas empresas. “O impacto sobre a inflação foi imediato. Produtos importados da China ficaram mais caros, e a cadeia produtiva sofreu com a elevação dos custos. Isso afetou o consumo e a competitividade de empresas americanas. Investidores, por sua vez, começaram a se afastar dos mercados de risco e voltaram seus olhos para ativos mais seguros, como ouro e títulos do Tesouro”, explica.
O recuo tarifário ocorre em um contexto eleitoral sensível para Trump, que tem perdido apoio em estados industriais. O setor agrícola — duramente atingido pelas retaliações chinesas — também pressionava o governo por uma trégua.
Apesar do gesto, o governo Trump tenta manter o discurso de força. Em pronunciamento oficial, a Casa Branca afirmou que “qualquer decisão sobre tarifas será tomada pessoalmente pelo presidente” e que “os Estados Unidos continuam vigilantes diante das práticas desleais da China”. A retórica busca preservar a imagem de um líder inflexível, mas analistas consideram o recuo como um divisor de águas no discurso populista e protecionista que Trump vem sustentando desde sua campanha em 2016.
Para Greice Fernandes, o episódio pode ser uma lição de moderação para a política comercial americana nos próximos anos. “Guerra comercial, no mundo globalizado, tem custo alto. O que estamos vendo é um possível realinhamento, ainda que tardio, com o multilateralismo econômico”, afirma.
Nos bastidores, fontes diplomáticas apontam que novas rodadas de negociação estão sendo articuladas entre Washington e Pequim. Embora não se fale em um “novo acordo”, como nos tempos do primeiro mandato, há expectativa de que os dois países construam pontes técnicas para evitar uma nova escalada. O tempo, agora, parece jogar mais a favor da diplomacia do que da bravata.