Transição vê na recuperação da Educação um dos maiores desafios

Com a menor verba para 2023 dos últimos 11 anos, novo governo precisará se desdobrar

Postado em: 10-11-2022 às 10h00
Por: Vinicius Marques
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Com a menor verba para 2023 dos últimos 11 anos, novo governo precisará se desdobrar. | Foto: Reprodução

Nos últimos quatro anos, muitos cortes foram feitos na educação e programas de estado que foram criados durante os dois governos Lula e mantidos nos governos Dilma, precisam se reerguer ou renovar para a manutenção dos mesmos.

Entre os programas e ações, estão o Programa Universidade para todos (Prouni), o Financiamento Estudantil (Fies) e vários outros que foram paralisados nos últimos anos ou tiveram redução brusca de financiamento.

A equipe de transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou nesta quinta-feira (3) as negociações sobre o Orçamento de 2023. Um dos grandes desafios, segundo os especialistas, será recompor as verbas do Ministério da Educação.

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No cenário pós-pandemia, a educação básica teve a menor previsão de verba dos últimos 11 anos, segundo dados compilados pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado.

A área engloba a educação infantil e os ensinos fundamental e médio, ou seja, a maior parte da vida escolar dos alunos.

Os estudantes dessas etapas de ensino foram fortemente impactados pela pandemia de Covid-19, em que as escolas ficaram fechadas, e a maioria não conseguiu oferecer o suporte necessário para o ensino remoto.

O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2023, enviado pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, prevê R$ 11,3 bilhões ao setor, sem considerar a complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Essa queda no volume de recursos ocorre em meio às restrições impostas pelo teto de gastos, que é a regra que limita as despesas da União, além da elevação dos repasses obrigatórios ao Fundeb – principal meio de financiamento da educação básica no Brasil e que é composto pela arrecadação de estados e municípios e complementado por verbas federais.

Até 2020, a União contribuía com 10% do valor total. A partir de 2021, com a aprovação do chamado novo Fundeb, a participação do governo federal passou a crescer gradativamente e chegará a 23% em 2026. No ano que vem, o repasse será de 17%, o equivalente a R$ 40 bilhões, segundo as consultorias do Congresso.

Os especialistas alertam, porém, que esse aumento obrigatório de repasses via Fundeb não pode ser utilizado como justificativa para o corte em outras ações da pasta.

Apesar de os recursos do fundo serem destinados à educação básica, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) explica que eles cobrem apenas o pagamento de salários e despesas correntes, como contas de água e luz.

Por isso, na avaliação da entidade, o apoio financeiro da União, além do Fundeb, seria necessário para garantir investimentos e superar as perdas impostas pela pandemia.

Cortes na educação básica

Em todos os níveis educacionais o próximo governo terá desafios na recuperação de recursos. Ações estratégicas ligadas à educação básica – como fomento ao ensino integral, construção e reformas de creches e escolas e compra de veículos escolares – tiveram reduções no projeto de orçamento de 2023.

Dentre as ações do Ministério da Educação que sofreram cortes expressivos, estão:

  • Apoio ao desenvolvimento da educação básica: – 95,6%
    São recursos destinados, por exemplo, à implementação da base comum curricular e à expansão das escolas que oferecem ensino em tempo integral.
    PLOA 2022 – R$ 664.587.867
    PLOA 2023 – R$ 29.160.974
  • Apoio à infraestrutura para a educação básica: – 97%
    É parte da verba utilizada para a construção e reforma de creches e escolas.
    PLOA 2022 – R$ 119.145.964
    PLOA 2023 – R$ 3.457.299
  • Aquisição de veículos para o transporte escolar da educação básica: – 95,7%
    O dinheiro é usado para a compra de veículos escolares por meio do programa Caminho da Escola.
    PLOA 2022 – R$ 10.000.000
    PLOA 2023 – R$ 425.000
  • Educação infantil: – 96,6%
    Primeira etapa da educação básica, a educação infantil engloba crianças de até cinco anos. Apesar de ser responsabilidade dos municípios, o governo federal tem papel suplementar de prestar apoio técnico e financeiro.
    PLOA 2022 – R$ 151.000.000
    PLOA 2023 – R$ 5.090.183
  • Educação de jovens e adultos (EJA): – 56,8%
    Modalidade de ensino destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso ou não terminaram o ensino fundamental ou médio.
    PLOA 2022 – R$ 38.981.322
    PLOA 2023 – R$ 16.825.333

Crianças no Ensino Fundamental ainda não sabem ler

Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados em setembro, mostraram o impacto gerado pela Covid-19 no processo de ensino e aprendizagem. Entre 2019 e 2021, por exemplo, mais do que dobrou a porcentagem de crianças do 2º ano do ensino fundamental que ainda não sabiam ler e escrever, nem mesmo palavras isoladas.

Evine Nunes, 11, enfrentou muitas dificuldades para acessar as aulas durante a pandemia e teve seu aprendizado prejudicado.  A mãe, Adnilda Lima dos Santos, 40, conta que a filha ainda não consegue copiar as tarefas do quadro, nem ler os exercícios dos livros. “O desenvolvimento dela está sendo muito ruim. As aulas voltaram, mas não teve uma aula de reforço para poder acompanhar o desenvolvimento”, conta.

“Com as aulas online, minha filha não aprendeu nada, às vezes a gente não tinha condições de pagar a internet. Minha filha hoje está no 6º ano, mas as crianças não estão aprendendo”, lamenta. 

Na matemática, o cenário também é preocupante: em 2021, 22% das crianças não conseguiam fazer operações básicas, como soma e subtração. Em 2019, antes da pandemia, eram 16%.

Transparência e qualidade do gasto

Além da redução de verbas, há ainda o temor de perda de transparência e de qualidade desse gasto já escasso. Isso porque as emendas de relator, aquelas batizadas de “orçamento secreto”, vêm ocupando espaço cada vez maior em ações ligadas à educação básica.

Algumas delas chegam a ser quase totalmente financiadas por meio dessas emendas. É o caso da verba de apoio à infraestrutura – usada para a construção e reforma de creches e escolas. Em 2021, 60,4% desse gasto foi autorizado via emendas de relator. Em 2022, esse percentual saltou para 83,7%, segundo dados compilados pelos técnicos do Congresso.

“Uma política importante, como dotar as escolas de infraestrutura adequada está, hoje, praticamente toda a cargo do Parlamento”, diz Cláudio Tanno, da consultoria de orçamento da Câmara.

“Essa ação fica condicionada, portanto, a uma visão própria de cada parlamentar, e não a uma visão global que o ministério tem”, acrescentou Tanno.

No próximo ano, a previsão é que os parlamentares tenham à disposição R$ 1 bilhão em emendas de relator dentro do Ministério da Educação. No total, R$ 19,3 bilhões poderão ser espalhados pelo Orçamento de 2023 para esse tipo de emenda, que é criticada pela falta de transparência em relação aos critérios de distribuição.

“O ministério consegue priorizar esse recurso de forma técnica, nas escolas mais vulneráveis e nas regiões que necessitam de mais suporte. Quando passa isso para as emendas de relator, você não tem transparência nenhuma de como esse dinheiro está sendo usado e nem dos critérios que estão sendo utilizados”, alertou Hoogerbrugge, do Todos pela Educação.

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