Cerca de 6 mil toneladas de rejeitos do Césio-137 ainda são monitoradas

Análises ambientais da água, vegetação e do solo são feitas de forma anual pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) mesmo após 35 anos do desastre

Postado em: 18-07-2023 às 08h00
Por: Larissa Oliveira
Imagem Ilustrando a Notícia: Cerca de 6 mil toneladas de rejeitos do Césio-137 ainda são monitoradas
Os rejeitos retirados durante a descontaminação de áreas expostas ao césio-137 que circulou por Goiânia estão soterrados em Abadia de Goiás | Foto: Divulgação/Cnen

Quase 36 anos após o maior acidente radiológico do mundo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) ainda monitora cerca de 6 mil toneladas de rejeitos oriundos do acidente com o Césio-137. Os resíduos radioativos retirados após a descontaminação das áreas atingidas de Goiânia seguem sob segurança especial. O material está armazenado no Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-GO), no município de Abadia de Goiás. Trata-se de uma das unidades técnico-científicas da Cnen.

De acordo com o órgão, os rejeitos estão armazenados em tambores e soterrados em estruturas subterrâneas. O Batalhão Ambiental da Polícia Militar de Goiás realiza a segurança física e um Programa de Monitoração Ambiental (PMA) mantém a segurança em relação ao armazenamento dos materiais. Segundo o CRCN-GO, as ações visam “garantir a proteção à saúde do homem e do meio ambiente”. A unidade da Cnen em Goiás informa que análises ambientais da água, vegetação e do solo são feitas anualmente.

Conforme o Centro de Abadia de Goiás, a estrutura que abriga o Césio-137 tem se mostrado segura. “As doses efetivas obtidas a partir dos resultados das análises têm se mostrado abaixo do limite estabelecido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear para impactos dos repositórios nos indivíduos do público, indicando que a instalação vem operando com total segurança, sem causar impacto radiológico ao meio ambiente circunvizinho”, afirma o órgão. 

Continua após a publicidade

Relembre

Em setembro de 1987, aconteceu o acidente com o Césio-137 em Goiânia, capital do Estado de Goiás. Até hoje, o evento é considerado o maior acidente radiológico do mundo. No âmbito radioativo, o incidente só não foi maior que o da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, que ocorreu um ano antes. Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), a tragédia envolvendo o Césio-137 deixou dezenas de mortos e centenas de pessoas contaminadas, além de outras tantas com sequelas irreversíveis.

Tudo começou a partir de uma disputa entre o Instituto Goiano de Radiologia (IGR) e a Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP) que levou à venda do terreno em que se localizava o IGR para o Instituto de Previdência e Assistência do Estado de Goiás (Ipasgo). O antigo prédio do IGR começou a ser demolido em maio de 1987, até que uma liminar da Justiça determinou a suspensão das obras. O imóvel ficou abandonado e inclusive começou a ser invadido pelo mato.

Entretanto, todo o mobiliário permaneceu intacto, incluindo uma máquina radiológica contendo uma cápsula com o isótopo 137 do elemento químico césio (137Cs). Em setembro do mesmo ano, dois catadores de materiais recicláveis, Roberto dos Santos Alves e Wagner Mota Pereira, encontraram o maquinário radiológico. A fim de reaproveitar o chumbo, material bastante comercializável, os catadores desmontaram a máquina em casa. Nesse momento, cerca de 19 gramas de cloreto Césio-137 ficaram expostos ao ambiente. 

Algumas partes retiradas foram vendidas para um ferro-velho, no dia 18 de setembro de 1987. O proprietário se chamava Devair Ferreira. À noite, ele percebeu que o pó branco emitia uma luz em tons azulados quando estava no escuro. O fascinante material chamou a atenção entre parentes, vizinhos e amigos. Os moradores da região levaram amostras para casa sem saber que a substância era altamente perigosa. A partir da ação do vento, as partículas de césio começaram a se dispersar, contaminando o solo, plantas e animais.

As pessoas que tiveram contato com o elemento se tornaram fontes irradiadoras, contaminando os locais e indivíduos próximos. No dia 28 de setembro, a esposa de Devair, Maria Gabriela, começou a desconfiar que os casos crescentes de náuseas, perda de apetite, vômitos e diarreia, associados com fortes dores de cabeça e febre, poderiam estar ligados ao material trazido pelo seu marido. Portanto, levaram a amostra à Vigilância Sanitária, que avaliou que os níveis de radiação eram extremamente altos. 

Em seguida, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) foi alertada e iniciou o Plano de Emergência Radiológica. A Cnen também avisou a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) sobre o acidente. As primeiras providências foram identificar, monitorar, descontaminar e tratar a população envolvida. As áreas consideradas como focos principais de contaminação foram isoladas e iniciou-se a triagem radiológica de pessoas no Estádio Olímpico, a fim de identificar radiação e prestar atendimento às vítimas. 

Os focos principais, onde havia altas taxas de exposição, foram descontaminados, removendo-se grandes quantidades de solo e demolindo construções. Um rastreamento radiológico aéreo foi realizado para a recuperação dos locais afetados. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), foram monitorados 67 km² de área e apontados 42 sítios contaminados. Os principais focos foram a casa de Devair e Maria Gabriela, onde o material radioativo permaneceu por dias, além do ferro-velho e a Vigilância Sanitária.

Lixo radioativo

Se a descontaminação não fosse possível ou fosse ineficiente, o objeto era considerado rejeito radioativo. Devido à elevada contaminação, muitos locais foram considerados rejeitos radioativos e necessitaram ser demolidos. Árvores foram cortadas, frutos foram descartados e o solo foi removido e substituído. Em áreas mais críticas, como o ferro-velho, o solo também recebeu camadas de areia e de concreto. Segundo a SES-GO, foram gerados 3500 m³ de lixo radioativo. Por isso, foi definido um plano de gerenciamento.

Os cálculos apontavam a necessidade de 300 anos para que todos os rejeitos perdessem o potencial de contaminação e irradiação. Em 1995, o município de Abadia de Goiás foi criado exclusivamente para abrigar de forma definitiva todo o material de alta periculosidade. Conforme a SES-GO afirma, o acidente radiológico com o Césio-137 “forneceu ensinamentos e possibilitou aprendizados em relação às consequências de se lidar com ciência e tecnologia e ampliou os cuidados que priorizam o respeito à vida”.

Veja Também