Uma voz para todos

TV Brasil estreia hoje programa ‘Estação Plur

Postado em: 04-03-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa

José Abrão

Estreia hoje, às 23h, o novo programa da TV Brasil, Estação Plural. Como o nome já diz, “plural” é a palavra-chave. Em um país assombrado por Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro e crimes gerados por intolerância racial, sexual e religiosa, o programa chega para jogar uma luz sobre oprimidos e lhes dar uma voz. Até mesmo o rol de apresentadores é plural com o trio LGBT formado pela cantora Ellen Oléria, ex-participante do The Voice Brasil, o jornalista Fefito, ex-participante do programa Mulheres e colunista da Folha de S.Paulo, e Mel Gonçalves, a cantora goiana da Banda Uó. Juntos, eles recebem grandes convidados do calibre de Drauzio Varella, Bruna Lombardi, Jean Wyllys, Rita Cadilac e muitos outros.

A ideia é realmente conversar, de maneira bem-humorada e com muitas piadas, livremente sobre temas importantes, polêmicos e até mesmo que ainda são tabu na nossa sociedade, como questões raciais e LBGT. A diretora de produção da TV Brasil, Myriam Porto, contou que “a proposta de fazer um programa LGBT veio ao encontro de valores que são muito caros para uma TV pública, como a liberdade de expressão, os direitos humanos e dar espaço para a pluralidade de opiniões”.

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Ela comenta que faz parte do canal ser pioneiro ao abordar esses temas sem meias palavras e com um cunho profundamente informativo, com o intuito de dissolver a maior causadora de problemas: a ignorância. “A TV pública tem obrigação de mostrar a diversidade. Nós já temos a diversidade regional, a diversidade religiosa, a diversidade cultural e agora teremos esse programa LGBT, que eu acho que é muito importante para a nossa sociedade. Pensamos que é justamente na TV pública que podemos experimentar, temos esse papel vanguardista e eu acho muito importante estarmos sempre apresentando essa diversidade para o nosso público”.

Embora o programa só estreie na noite de hoje, ele já estava fazendo propaganda não apenas na programação, mas também nas redes sociais. Sendo assim, há quase um mês, ele circula pelo Facebook e de boca em boca. Segundo Porto, até agora as expectativas estão muito altas e o feedback virtual está muito positivo. “A reação tem sido a melhor possível. Acho que os três apresentadores, Fefito, Ellen Oléria e Mel Gonçalves, facilitam essa interação com o público nas redes sociais, porque são muito comunicativos e falam sobre qualquer assunto com muita naturalidade. Lançamos uma promo do programa nas redes sociais e em menos de 24 horas alcançamos mais de 100 mil visualizações. Acho que isso diz bastante sobre o potencial do Estação Plural”. Mesmo assim, ela sabe que existem muitos preconceituosos de plantão. “Não houve reação negativa até o momento, que eu tenha conhecimento, mas precisamos aguardar a estreia do programa para ouvir o retorno de um público maior”.

Apesar da negatividade que pode ser desencadeada por algumas pessoas, Porto espera que o programa cumpra o seu papel de informar e quem sabe convencer estas pessoas de que é errado ser preconceituoso e que a tolerância é fundamental para a formação de uma sociedade civilizada. “Esperamos que essa diversidade seja vivenciada e que esse outro olhar seja compartilhado. É fundamental debatermos todos os assuntos relacionados aos direitos humanos, e que vários desses assuntos sejam desmitificados. A ideia é falar sobre temas universais, que toquem de perto as pessoas em geral”. Uma das formas encontradas pela produção para fazer isso foi trazer convidados com grande crédito e contribuições para os temas tratados, como o doutor Varella, que é o convidado do programa de estreia.

Representação local

Uma das apresentadoras é a cantora goiana e transexual Mel Gonçalves, da Banda Uó. Ela leva consigo não só o Estado, mas toda uma representatividade do movimento LGBT e, especialmente, dos transexuais. “Tento levar com sensibilidade e naturalidade, mas a pressão, a responsabilidade existem. Estou dando a cara a tapa”. Morando há seis anos em São Paulo, Mel atualmente é uma das pessoas trans mais conhecidas do Brasil, muitas vezes servindo de exemplo para muitos fãs transexuais e transgêneros. “Fico muito feliz por isso. O que eu vejo é o contrário do que eu vivo. Me sinto muito privilegiada e responsável por mostrar o outro lado da moeda, porque a realidade é que a grande maioria das travestis e transexuais é que estão na prostituição por não terem opção!”, conta.

E não é à toa. Segundo a TransgenderEurope, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram 604 assassinatos. Em 2016, já ocorreram assassinatos em João Pessoa (PB), Rio de Janeiro, São José do Rio Preto (SP) e Maracanaú (CE), para citar alguns. Ironicamente, o site pornográfico RedTube divulgou que o Brasil é o quarto país que mais pesquisa e assiste vídeos pornô de travestis no site. Irônico e hipócrita.

Por tudo isso, Mel reconhece a importância de um programa como o Estação Plural. “Acho incrível. Não me vejo representada em várias mídias. É inovador ver uma mulher trans fazendo parte dessa discussão na TV aberta pela primeira vez, falando de temas LGBT com pessoas ligadas ao movimento”.

Ela segue dizendo se sentir muito honrada, pois, se ela tem voz, essa voz é dada a todas as pessoas transinvisibilizadas. “Eu estou sendo um ponto de luz. Estou aqui para mostrar que somos seres humanos e pes­soas de vários papéis capazes de atuar em todas as áreas da sociedade e não apenas à prostituição e a exotização dos nossos corpos”. Mel conta que não costuma dividir ou contar o preconceito que sofre, mas que diz que ele existe e é profundamente insidioso. “Mesmo agora, ainda que de certa forma privilegiada e protegida pelo sucesso da banda, rolam altos preconceitos e formas de exclusão que geralmente eu não trago à tona. A minha força vem do apoio dos fãs que oferecem sempre muito carinho e que dão uma confiança, uma resposta para tudo que a gente faz”.

Mel conta que às vezes se surpreende com a própria voz que ela pode ter na comunidade. Ela relata, bem-humorada, uma interação que teve com a psicóloga Sofia Favero, que tem a página Travesti Reflexiva no Facebook. “Mandei um coração em uma publicação da Travesti Reflexiva e ela me respondeu de forma muito carinhosa, que quando as pessoas me veem elas se sentem representadas e nossa!… Aquilo me desmontou! (risos) Isso me deixa motivada, com mais vontade de fazer as coisas”. Ela contou que foi convidada para fazer parte do programa, mas ficou com medo que a agenda de shows acabasse atrapalhando, mas no fim tudo deu certo. “Tá super correria. É ensaio, é show, é gravação de clipe, é roteiro, é entrevista, enfim…. É correria, mas fico muito feliz. Acaba que o programa é gravado uma vez na semana bem nos dias em que eu tenho a agenda mais livre, então deu supercerto pra mim”.

Ela afirma que ficou encantada com o progr­ama e com seu formato. “Ele é bem livre. A gente recebe o roteiro falando um pouco do convidado e com alguns pontos sobre o tema para a gente pesquisar. Os convidados ajudam muito, o tempo de gravação voa, acaba que a gente sempre quer falar mais (risos). É um aprendizado incrível. Não só com as pessoas, mas também nunca tinha trabalhado com TV, só participado como convidada e agora estou aprendendo muito”. Um fato curioso é que nenhum dos apresentadores se conhecia pessoalmente. “A gente se conheceu no dia dos testes. Eu já tinha ouvido falar da Ellen, ouvido ela no Spotify e conhecia o Fefito apenas da televisão. Mas aí eles colocaram a gente para conversar e fluiu muito. Eles queriam ver exatamente isso, como era nossa dinâmica, o quan­to a conversa rolava, e foi a melhor interação possível!”.

 

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