Ninguém merece!

Do funk ao rock, várias músicas têm sido instrumentos da cultura do estupro

Postado em: 01-06-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Do funk ao rock, várias músicas têm sido instrumentos da cultura do estupro

Elizama Ximenes

A cultura do estupro tem sido combatida nos últimos dias, com mais força, diante do caso de estupro coletivo, no Rio de Janeiro, que comoveu o País no último fim de semana. As feministas utilizaram, pela primeira vez, o termo nos anos 1970. A expressão foi utilizada para designar a cultura em que os homens não são ensinados a não estuprar, mas as mulheres aprendem, desde cedo, a não serem violentadas. O caso, que comoveu o Brasil, envolve um estupro coletivo, praticado por 33 homens contra uma jovem de 16 anos. Além da violência, os agressores publicaram o vídeo do ato na internet, e a vítima foi alvo de risadas e chacotas. 

A zombaria continuaria caso o crime não fosse denunciado e as mulheres passassem a fazer a campanha em favor da jovem e contra a cultura do estupro. A revolta, tal qual a chacota, se deu nas redes sociais. Com isso, perfis, tanto de mulheres como de homens, ganharam um filtro com a frase “Eu luto pelo fim da cultura do estupro”. Apesar de o caso ter sido o impulsionador da luta, que se tornou viral, infelizmente não é uma exceção. A popularização do termo se deu em razão do empoderamento das mulheres que, diante de campanhas, conseguiram relatar os casos de estupro sofridos, até mesmo antes do caso do Rio de Janeiro. Pensando que essa cultura envolve toda uma gama de aspectos, o Essência tentou listar, aqui, as músicas que contribuem e reforçam os discursos machistas e misóginos, que alimentam a violência de gênero.

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As músicas selecionadas não são as únicas. O arcabouço de canções, dos mais diversos estilos musicais, que reforçam a cultura do estupro é grande e, até, inumerável. Blurred Lines, canção de Robin Thicke, é outra que reforça a cultura do estupro, na medida em que sugere que a mulher é um animal, que deve ser domesticada por um homem. A partir do momento em que se entende que o problema vai além da violência explícita, entende-se também que a luta é ainda mais complexa. A luta é contra os atos de estupro, mas, também, contra tudo o que colabora para a alimentação dessa cultura. A exemplo, após dez anos, o cantor de rap Criolo lançou, novamente, seu primeiro álbum, Ainda Há Tempo. Dentre as modificações, o cantor retirou os trechos machistas, misóginos e transfóbicos das letras. Talvez seja este um dos caminhos iniciais para a luta contra a cultura do estupro na música. 

‘Used to Love Her’ – Guns n’ Roses: Em português, “Eu costumava amá-la”, a música de uma das bandas consagradas do rock internacional é a confissão, romantizada, de um assassinato movido pela misoginia (ódio ou aversão às mulheres). Para ser mais específica, o eu lírico é autor de um feminicídio (assassinato de mulheres em razão do gênero). “Eu costumava amá-la, mas tive que matá-la, tive que colocá-la a sete palmos e ainda a ouço se queixar” é o trecho mais marcante da letra e que revela a violência de gênero, tratada com naturalidade pelo compositor.

‘As Mina Pira’ – Fernando e Sorocaba: A canção da dupla sertaneja trata o estupro de vulnerável como diversão. O trecho “As mina pira, pira, toma tequila, sobe na mesa, pula na piscina, as mina pira, pira, entra no clima, tá fácil de pegar, pra cima!” marca, claramente, o momento que os homens acham mais apropriado para atacar sexualmente uma mulher. Afinal, segundo a letra, é quando estão bêbadas que fica mais fácil de “pegar”. Caso não tivessem mais músicas nesta lista, diria que é impossível uma letra ser mais instrumento da cultura do estupro do que esta. 

‘Levanta o Copo’ – Cleber e Cauan: Ainda sobre estupro de vulnerável, a música Levanta o Copo consegue ser ainda pior.  Gravada pelos sertanejos Cleber e Cauan e pelo grupo Aviões do Forró, a letra incentiva, explicitamente, que se embebede uma mulher para conseguir violentá-la. “Se você tá com medo de pedir um beijo pra ela, taca cachaça que ela libera” instrui, claramente, como se deve agir quando se recebe um não de uma mulher. Afinal, os compositores devem achar que mulher não tem direito de escolher sobre o que deve fazer com o próprio corpo. Além de revelar que a cultura do estupro está tão enraizada que os homens não precisam nem pedir autorização para tocar o corpo de uma mulher, basta “tacar cachaça”.

‘Baile de Favela’ – MC João: O funk, que virou hit no ano passado, mobiliza toda balada, quando toca, mas também é outro hino da cultura do estupro. A música sugere que a mulher é a provocadora do estupro que sofre. “Quer desafiar, não to entendendo, mexeu com o R7 vai voltar com a xota ardendo (…) e os menor preparado pra foder com a xota delas” é o trecho principal, que reforça a culpabilização da vítima. 

‘Esse Cara Sou Eu’ – Roberto Carlos: Um dos aspectos da cultura do estupro que fazem os homens se sentirem no direito de violar o corpo de uma mulher é o sentimento de posse. Quer dizer, o sentimento de que o corpo dela é de direito do homem que deve dominá-la. O estupro não é praticado por doentes, mas por homens, sadios, que se sentem no direito e no dever de “macho”, de dominarem a mulher, nem que seja na base da violência sexual. A canção do aclamado Roberto Carlos reforça essa ideia. “O cara que pega você pelo braço” é um dos versos da canção que romantiza a prática de assédio comum em festas. “Que conta os segundos se você demora, que está todo o tempo querendo te ver, porque já não sabe ficar sem você” revela ainda o sentimento de posse e controle que o eu lírico da música tem sobre a mulher de que se fala.

‘Trepadeira’ – Emicida: O rapper tem contribuido bastante para o movimento negro com músicas de empoderamento racial. No entanto, na música Trepadeira, o cantor revela machismo e misoginia. A letra se utiliza do fato de a mulher ser sexualmente liberta como justificativa para agressões físicas. “Dei todo amor, tratei como flor, mas no fim era uma trepadeira (…) Merece era uma surra de espada de São Jorge, um chá de Comigo Ninguém Pode”. 

‘Run for Your Life’  – Beatles: A banda britânica também constribuiu para a cultura do estupro e, na música Run for Your Life, incentiva o feminicídio. O título já sugere que a moça preze pela sua vida e a letra já começa errada: “Bem, eu preferiria te ver morta, garotinha, do que com outro homem. É melhor você manter a consciência, garotinha, ou não vou saber onde estou”. Além disso, o mesmo sentimento de controle, explicitado na música anterior, é reforçado nesta letra: “Bem, você sabe que eu sou um cara mau e que eu nasci com uma mente ciumenta, eu não posso desperdiçar minha vida tentando fazer você ficar na linha”.

‘Me Lambe’ – Raimundos: A música da banda brasileira reforça o abuso sexual e, ainda, a pedofilia. “O quê? O que que essa criança tá fazendo aí toda mocinha? Vê, já sabe rebolar, e hoje em dia quem não sabe? Se ela der mole eu juro que eu não faço nada. Dá cadeia e é contra o costume”, apesar de admitir que é crime, a música continua incentivando a violência sexual: “Eu quero te levar pra onde dá um frio na barriga, me fala a verdade… quantos anos você tem? Eu acho que com a sua idade, já dá pra brincar de fazer neném”. Mais adiante, o eu lírico confessa o crime: “Me lambe. No parque de diversões foi que ela virou mulher das forte, menina pega a boneca e bota ela de pé”. Tal qual a menina carioca violentada, recentemente, a garota de que o compositor fala não passa de uma adolescente. 

‘Animals’ – Maroon 5: A letra da música sugere que o homem é um caçador e, a mulher, uma presa a ser comida. Reforça, dessa forma, a relação de poder de gênero, e ainda, a dominação do homem sobre a mulher, de maneira romantizada. Depois de escutar o trecho: “Baby, serei seu predador essa noite, te caçarei, te comerei viva assim como animais, animais (…) Talvez você ache que pode se esconder, posso sentir seu cheiro a milhas assim como animais”, não é preciso repetir o cunho machista, violento e criminoso da música.

‘Vegas’ – Eminem: Na música do rapper estadunidense, o cantor nem esconde a vontade que tem de violentar a interlocutora da canção. “Você sopra o apito de estupro em mim. Eu adoro isso!”, além de que a música confessa o prazer que o homem sente com o ato violento.

‘Tava no fluxo’ – MC Pikachu: O funk do MC, que é uma criança, revela ainda que a cultura do estupro é ensinada aos homens desde cedo. “Tava no fluxo, avistei a novinha no grau, sabe o que ela quer? Pau”. O verso, que se repete durante a canção, é problemático do início ao fim. Incentiva a pedofilia com o uso do termo “novinha” e incentiva o estupro de vulnerável, ao sugerir que uma mulher “no grau”, ou seja, bêbada, só pode estar pedindo para ser estuprada.

‘Buceta’ – Velhas Virgens: A banda de rock brasileira é outra que contribui para o discurso de naturalização do estupro. “E pode até ser gordinha, mas tem o que a gente quer. Banguela fedida fudida, mas tem o que a gente quer. Apesar dos defeitos, todas elas têm o que a gente quer. Mas e o quê que a gente quer? A gente quer fuder” é um dos versos gordofóbicos, machistas e misóginos da música. Reforça ainda que o estupro não tem justificativa, já que os homens querem, simplesmente, abusar do corpo da mulher, independente do que veste, ou de como se porta. 

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