Quatro rodas, seis cilindros e um amor para a vida toda

A paixão pelo Opala, um automóvel brasileiro que deixou de ser produzido há 24 anos, reúne fãs, promove encontros, une famílias e rende histórias emocionantes

Postado em: 13-08-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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A paixão pelo Opala, um automóvel brasileiro que deixou de ser produzido há 24 anos, reúne fãs, promove encontros, une famílias e rende histórias emocionantes

O comerciário Wesley Carvalho Souto se apaixonou pela primeira, vez ainda criança, e foi à primeira vista. “O Opala 69 azul-calcinha de um vizinho açougueiro era a coisa mais linda que eu já tinha visto na minha vida”, recorda ele. Um tempo depois, o vizinho trocou o carro por outro ainda mais maravilhoso, um Opala SS amarelo. Era muito para o coração do menino Wesley. Ele precisava chegar mais perto de seu objeto de afeição e, então, num rompante apaixonado, pediu para o açougueiro para entrar no carro, para conhecer de perto seus detalhes. O vizinho disse não. Mais que isso, ele disse não de uma maneira ríspida, que feriu os brios do garoto.
A partir de então, duas certezas nasceram em Wesley: a de que ele amaria Opalas para sempre e de que ele seria dono de um Opala. Hoje em dia, ele tem cinco modelos na garagem. “Eu tenho vários tipos de carro, camionetes, uma Harley Deividson, mas paixão mesmo eu tenho pelo Opala”, diz. Na verdade, ele usou a palavra ‘tesão’ para descrever sua relação com o carro. E não é para menos. Apresentado ao público brasileiro no Salão do Automóvel de 1968, o Chevrolet Opala tem uma história de amor com o Brasil, que é um País apaixonado por carros por excelência.
Todas as histórias que você ouvir dos frequentadores do clube Opalagyn certamente começarão como a de Wesley. Uma paixão de infância que acompanha essas mulheres e esses homens até a idade adulta e, quando finalmente chega a hora de investir em um automóvel, o coração acelera na potência de um motor de seis cilindros, e não dá outra: tem que ser um Opala. O clube se reúne, todo sábado, em um posto de gasolina no Setor Marista, e, no último domingo de cada mês, os opaleiros se juntam a donos de outros carros antigos no Cepal do Setor Sul. O clube também abre espaço para Caravans, a variação ‘perua’ do Opala.
O ritual de comprar, comprar peças e acessórios que completem o carro, desmontar o veículo para conferir se está tudo ok com o motor, limpar o motor, ligar o carro quantas vezes for preciso para escutar o ronco potente da máquina, falar horas sobre cada detalhe de cada modelo… Só quem vive isso entende o prazer. Porque opaleiro que se preze não compra o carro pronto, vai reformando ele aos poucos. Reformando não! Wesley ensina que o termo correto é restaurar. Não tem graça nenhuma um carro que o dono não conhece por dentro – segundo ele.
Valdivino Paulo da Silva, conhecido no Opalagyn como Vino, conta que o clube tem 70 associados. “A maioria dos associados começou a ter paixão por Opala ainda criança. Opala era carro de magnata, então quem cresceu querendo ter um, hoje tem a chance de realizar”. O que diferencia o Opalagyn dos outros clubes é que, segundo Vino, “não é um clube de playboy”. São muitas as mulheres associadas, e alguns dos membros herdaram dos pais a paixão pelo Opala. São encontros de famílias em torno de um objeto de afeto em comum. Não é como se uma máquina fosse mais importante que as pessoas ao redor. Pelo contrário: é o carro que impulsiona o relacionamento entre amigos e família.

Um tesouro de família chamado Caveirinha 

A história do carro da família da enfermeira Christine Ferreira Mamede é daquelas que faz qualquer marmanjo (como este repórter) se acabar de chorar. Ela conta que o amor nasceu, na infância, quando seu pai tinha um modelo. “Meu pai teve alguns Opalas, e eu ficava maravilhada, vendo aquele carro, com sua lata impecável e um barulho grave, como a voz do meu pai. Aquilo ficou em minha memória e, quando fui me casar, queria ter sido levada à Igreja dentro dele, porém meu pai o vendeu sem saber do meu desejo”, conta ela. 
Quis o destino que ela se casasse com Antônio, o Tonhão, outro opaleiro de carteirinha. Juntos eles tiveram dois filhos, e o mais novo, Gabriel, herdou dos pais a ‘febre do Opala’. Tonhão adquiriu um modelo cor de areia, que virou o xodó da família. O Opala 250 do ano 1978 conquistou o menino Gabriel desde o primeiro ronco. “Demos, a primeira volta e seu dono à época deu uma acelerada, o que fez com que meu filho ficasse maravilhado. O Opala tinha a manopla do câmbio no formato de caveira, o que lhe rendeu o apelido de Caveirinha. De lá para cá, vivemos intensos momentos proporcionados por este veículo, que nos rendeu amizades que se perpetuaram por esses 13 anos”.
Caveirinha e Gabriel pareciam ser feitos um para o outro. O menino dormia, fazia as lições de casa, tudo dentro do veículo. Aos 10 anos, ele foi notícia em um teleljornal local: o menino que sabia tudo sobre Opalas. E tinha certeza de que, quando fizesse 18 anos, ele herdaria o Caveirinha do pai. Mas Antônio faleceu, dois anos depois, vítima de um câncer. 
“Foi um grande baque em nossas vidas, e me vi diante da necessidade de levar adiante um antigo sonho do meu marido, de restaurá-lo e entregar como presente ao nosso filho, quando ele completasse seus 18 anos. E assim aconteceu: restaurei durante um ano e, em junho deste ano, realizei este sonho”, conta Christine. Junto com as chaves do carro, Gabriel recebeu uma carta da General Motors, escrita como se fosse o próprio Opala.
“Como acelera? Como troca de marcha? Gabriel, você teve o melhor professor, seu pai”, dizia a carta. “Depois de tantos anos de idas e vindas, fico orgulhoso e feliz em saber que um velhinho charmoso e reformado, como eu, tem espaço garantido na garagem de seu coração. Não tenho sensores, nem essas outras modernidades, mas tenho aqui comigo as suas melhores lembranças e ainda espaço de sobra para muitas mais”. 
Mais que um carro, Gabriel herdou uma história.

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Um carro de estilo

Fabricado pela General Motors do Brasil de 1968 a 1992, o Opala  habitou nas garagens de altos executivos, além de se tornar viatura e até ambulância com a versão perua, a Caravan. Passadas mais de duas décadas desde o término de sua produção, o modelo ainda arranca suspiro de colecionadores e admiradores. Seu projeto demorou cerca de dois anos, sendo apresentado na abertura do 6º Salão do Automóvel de São Paulo, num sábado, dia 23 de novembro de 1968, já como linha 1969. A fórmula do Opala combinava a carroceria alemã do Opel Rekord, à mecânica norte-americana do Chevrolet Impala. Daí o nome Opala, junção dos dois modelos.
O carro teve algumas edições diferentes, além do modelo original, clássico, o que faz a brincadeira de colecionar mais interessante. O Opala SS foi lançado em 1971 para disputar o mercado de carros esportivos, e vinha com acabamento esportivo: volante de três raios, bancos individuais, câmbio de quatro marchas no assoalho, rodas esportivas, e pintura especial com faixas esportivas; em alguns anos, também com capô e painel traseiro na cor preta.
Em 1975, a linha Opala ganhou a versão perua, a Caravan. Trazia grande espaço para bagagem, com as mesmas opções de motores que equiparam as versões sedã e cupê, inclusive a versão Caravan SS. Neste mesmo ano, foi lançado o Opala Comodoro, junto à reestilização completa da linha Opala em 1975, substituindo o Gran Luxo. O Comodoro trazia diversas novidades, como o luxuoso interior com apliques de jacarandá e o meio teto de vinil Las Vegas, exclusivo para o modelo cupê. Em 1980, foi substituído pela versão Diplomata, que surgiu em 1980, quando o Opala passou por uma mudança de estilo para se adequar à moda das formas retangulares dos carros daquela época. A frente e a traseira tinham faróis e lanternas retangulares, embora a parte central da carroceria fosse mantida igual.
Ao longo de seus 23 anos e cinco meses de produção contínua, passou por aprimoramentos mecânicos e modificações estéticas, sendo fabricado na cidade paulista de São Caetano do Sul, localizada na Região Metropolitana de São Paulo. Para se despedir em grande estilo, foi criada uma linha especial do Opala, o Diplomata Collectors, série limitada e em três cores: azul Millos, preto Memphis e vermelho Ciprius. Os carros eram equipados com câmbio automático; eram acompanhados de chaveiro, com inscrições douradas, e traziam um VHS sobre a história do Opala e um certificado assinado pelo presidente da GMdo Brasil – tudo dentro de uma pasta de couro.
O último exemplar do Opala foi fabricado no dia 16 de abril de 1992, quando foi produzido o Opala de número 1 milhão. A ocasião de seu encerramento mobilizou vários entusiastas e fãs do automóvel a sair em carreata, nos arredores da fábrica em São Caetano do Sul, em protesto pela  retirada do modelo de linha.

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