Mulher maravilha

Diva das extravagâncias na TV, na moda e no cinema, Elke sai de cena aos 71 anos e leva consigo um pouco do brilho do Brasil

Postado em: 17-08-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Diva das extravagâncias na TV, na moda e no cinema, Elke sai de cena aos 71 anos e leva consigo um pouco do brilho do Brasil

É impossível classificar o que era Elke Maravilha e o que ela representava para o imaginário cultural brasileiro. Mulher espetáculo, mulher “viado”, mulher maravilha. Morta na madrugada desta terça-feira (16), ela foi uma das modelos brasileiras de maior destaque na virada dos anos 1960 para os 70. Mas não é por isto que será lembrada. Também era excelente atriz, mas fez relativamente poucos papéis de cara lavada, longe do personagem que criou para si própria. Talvez seja esta sua melhor definição: um personagem. Uma autêntica drag queen, com o pequeno detalhe de ter nascido mulher.
Elke Giorgevna Grunnupp (seu nome de batismo), nasceu na Rússia em 1945. Chegou ao Brasil ainda criança, com os pais, para morar em Minas Gerais. A jovem sempre chamou atenção pela ousadia e irreverência no modo de se vestir. Aos 18 anos, esta postura já era percebida, e gerava alguns problemas: ela chegou até ser agredia nas ruas por conta de seu estilo irreverente e peculiar. Começou a trabalhar como modelo e manequim aos 24 anos. 
Elke era fluente em nove línguas: alemão, russo, italiano, espanhol, francês, inglês, grego, latim e português. Desde os 20, já morava sozinha no Rio de Janeiro, onde trabalhou como secretária trilíngue, bibliotecária e bancária. Essas funções a ajudaram a bancar a faculdade de Letras. 
Mas sua forma esguia, distribuída por seu 1,80 m logo, começou a chamar a atenção nas passarelas.  A carreira lhe proporcionou intimidade com a estilista Zuzu Angel. É famosa a história de sua prisão, em 1971, por desacato. Ela se alterou no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, ao ver cartazes com a fotografia de Stuart Angel Jones, filho de sua amiga Zuzu Angel. Na verdade, Stuart já havia sido morto nos porões da ditadura, mas oficialmente era dado como “desaparecido”. 
Só foi solta depois de seis dias após a intervenção de amigos da classe artística. Foi enquadrada na Lei de Segurança Nacional e teve sua cidadania brasileira revogada. Permaneceu apátrida por muitos anos. Ela conseguiu um passaporte amarelo da ONU destinado a pessoas de nacionalidade indefinida. Tempos mais tarde, tornou-se cidadã da Alemanha. Nunca mais quis passaporte brasileiro, apesar de ter continuado morando aqui. No filme que leva o nome da estilista ( Zuzu), de 2006, Elke foi interpretada pela atriz Luana Piovani.
Era uma anarquista, tanto na política como na vida pessoal. Teve oito maridos, passou por três abortos, envolveu-se com drogas e álcool. Mas sua persona pública permaneceu liberada para menores: costumava saudar o público com “alô, criançada!”. Seu último trabalho, inclusive, foi para o público infantil, no filme Carrossel 2.
O reinado de Elke se deu nas bancadas dos programas de calouros. Foi o que a fez ficar popular no Brasil inteiro. Elke começou a carreira de jurada no programa do Chacrinha. O apresentador conquistou a moça, que, até o fim, o chamava de “painho”. “Um dia, tocou o telefone com alguém me convidando para ir ao Chacrinha. Eu não conhecia, porque não via televisão, mas aceitei. Então perguntei a um amigo sobre como era o tal , e ele me disse que era um programa de auditório, que tinha um apresentador que tocava uma buzina o tempo todo. Achei legal, comprei uma buzina e entrei lá buzinando. Painho se encantou comigo e eu com ele. Foi assim que começou”.
Foi jurada do Show de Calouros, de Sílvio Santos, no SBT. Mas o relacionamento com o patrão não era coordial como o que Elke tinha com Chacrinha. Ela chegou a dizer que Silvio era “a pior pessoa do mundo” em entrevista à revista Isto É. Em outras ocasiões, repetiu a fala e afirmou que não o considerava um amigo. Nos últimos anos, tornou-se mais rara na TV. Vivia com o irmão e um dos ex-maridos, de quem tinha ficado muito amiga. Fazia shows esporádicos, mas não estava esquecida. Neste ano, estrelou um comercial para uma grande marca de cosméticos – afinal, maquiagem era com ela mesma.
O melhor papel de Elke Maravilha sempre foi ela mesma. E ela sabia disso muito bem e jamais decepcionava seus fãs em qualquer aparição pública que fosse. Sempre disparava seu pensamento coerente e nada conservador, fazendo chegar pela televisão aos mais simples um jeito diferente de se pensar e de se encarar a vida, sem hipocrisia. Mesmo ao falar de assuntos considerados tabus por parte da sociedade, Elke impunha, com seu jeito doce, sua possibilidade de verdade e de visão de mundo.
Elke Maravilha morreu na madrugada de ontem, aos 71 anos, no Rio de Janeiro. Ela estava internada desde o fim de junho para tratar uma úlcera e chegou a ser operada. Desde então, a atriz ficou em coma induzido na Casa de Saúde Pinheiro Machado, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio. Progressista, falava sem medo de temas como aborto, homossexualidade e drogas. Era artista de verdade. O Brasil ficou desbotado. Sem Elke Maravilha, o País perde boa dose de sua mais linda verdade, tornando-se mais careta, mais sem sal. E nós todos ficamos, por tabela, sem brilho, sem cor. 

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