Mostra de filmes dirigidos por mulheres é destaque no Cine Cultura

O evento será realizado na próxima terça-feira (23), na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia

Postado em: 20-08-2016 às 06h00
Por: Renato
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O evento será realizado na próxima terça-feira (23), na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia

Elisama Ximenes

Elas fazem cinema, são as tais, diria Chico Buarque, poderiam ser mil se a sociedade não tivesse um marco patriarcal em sua construção histórica. O início da história do cinema narrativo clássico, ou hollywoodiano, é creditado a David Wark Griffith ou D. W. Griffith, como gostava de ser chamado, considerado o pai do cinema. Desde 1908, quando o cineasta começou a ser consagrado por suas produções, nenhuma mulher foi eleita mãe do cinema feito por mulheres. O fato de a primeira mulher receber o Oscar de Melhor Diretora somente, em 2009, talvez explique o protagonismo do homem nas consagrações do cinema. Kathryn Bigelow conquistou o Oscar com o filme Guerra ao Terror.

Rosa Berardo é cineasta goiana e professora da UFG. Na mostra, Rosa exibe sua produção de 1989, André Louco. O longa é uma adaptação de um conto do escritor goiano Bernardo Élis e trata da loucura como amarra principal para o desenrolar da narrativa. “Fala de como a sociedade quer impor um padrão de comportamento considerado normal e o que é diferente é considerado louco e desprezível”, explica a cineasta. 

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Na época, ela conseguiu incentivo pela Lei Sarney, atual Lei Rouanet, para a produção do filme. No entanto afirma que não pode contar com apoio do Governo de Goiás do período. “Foi muito difícil, tanto que o registro do filme é de São Paulo. Apesar de ser uma produção goiana, em terras goianas, eu acho que, talvez, seja porque eu sou mulher e porque eu era muito nova, tinha apenas 26 anos”, relata. Apesar do preconceito por ser mulher, Rosa foi a primeira mulher a fazer cinema profissional no Estado. “Foi muita luta, mas, enfim, deu certo”, conta. André Louco foi exibido em diversos festivais nacionais e no Festival de Cinema na Suíça. Rosa lembra que o mundo audiovisual é, marjoritariamente, masculino e o cinema ainda acha que a mulher não é competente ou que não tem força física para carregar equipamentos, como câmeras, por exemplo.

Ela destaca dados divulgados recentemente pela Ancine, que apontaram que 79% dos filmes brasileiros são dirigidos por homens, outros 6% são co-dirigidos por homens e mulheres. Ou seja, apenas 15% dos filmes brasileiros são dirigidos por mulheres. “E esse protagonismo dos homens não acontece porque as mulheres não são competentes, mas por causa do machismo mesmo”, afirma. Ela ainda cita o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica) como exemplo. “A gente vê que, ainda hoje, os cargos de chefes do festival são ocupados por homens”, ressalta.

Rosa também reforça a importância de mulheres dirigirem filmes para a representatividade da mulher nas telas. “Quando uma mulher fala de outra no cinema, ela vai ter uma carga que ela mesma sente e que os homens não conhecem. A mulher tem nuances que o homem não consegue contemplar, e a mulher diretora vai valorizar isso”, afirma. Para ela, a solução seria o oferecimento de mais oportunidades para profissionalizar as mulheres e que elas sejam mais respeitadas. Rosa ainda faz uma proposta de cotas em vista da discrepância social entre os filmes dirigidos por mulheres e homens. “As teorias feministas são muito importantes, por isso, desde o início, quando questionava-se o voyerismo nos enquadramentos das atrizes, que focavam nas curvas e sexualização da mulher no cinema, além da representação da mulher como dona de casa, reforçando um lugar específico que a mulher deveria ocupar”, afirma. 

História

Mesmo sem reconhecimento, desde o início da história do cinema as mulheres estão presentes. Sua participação nas produções vai da frente dos telões ao backstage. É consenso que a primeira diretora de cinema foi a francesa Alice Guy-Blache. Também foi a primeira roteirista de filmes de ficção e é reconhecida por suas experimentações com o sistema de som, cores, efeitos especiais e uso de temas complexos na narrativa. Sua primeira produção é datada em 1896 e, desde então, chegou a realizar 700 filmes. Há quem diga que ela tenha começado a produzir antes mesmo de Georges Méliès – cineasta que dirigiu dirigiu 531 filmes entre 1896 e 1913. A Alice também é creditada à direção do primeiro filme narrativo da história do cinema: La Fée Aux Choux.

O maior estúdio pré-Hollywood também foi dela. Alice e o marido, em parceria com George A. Magie, foram os responsáveis por lançar o Estúdio Solax. A ideia deu tão certo que, em dois anos, conseguiram investir cem mil dólares em novas instalações de produção tecnológicas avançadas em Fort Lee, Nova Jersey. O divórcio coincidiu com o término das produções da Solax. Em 1922, ela voltou para a França e passou a dar palestras sobre cinema, e dedicou-se à escrita de romances para roteiros de cinema pelos próximos 30 anos. Como muitas mulheres que fazem história, Alice Guy foi esquecida por muito tempo. Em 1953, recebeu a Legião de Honra pelo Governo da França. Ainda assim, esquecida. Talvez você esteja sabendo de sua existência, somente agora, porque lê esta matéria. 

Joan Scott, uma importante teórica sobre hitória e gênero, já dizia da importância de se construir o gênero como uma categoria de análise histórica, assim saberíamos da existência dessas mulheres. Ainda pela Europa, Anna Hofman-Uddgren foi outro expoente do cinema. A sueca era atriz e cantora de cabaré, depois tornou-se diretora de teatro. Do teatro, Anna passou para o cinema, sendo, assim, a primeira mulher a dirigir um filme na Suécia. Ela dirigiu Stockholmsfrestelser em 1911. No país de Bollywood, a indiana Shobhna Samarth se destaca como atriz e, também, como diretora. Foi responsável por dirigir Hamari Beti, em 1950, no qual atuavam suas filhas Nutan e Tanuja. 

Talvez a mais esquecida de todas e ignorada devido à aclamação do cineasta contemporâneo D. W. Griffith, a estadunidense Lois Weber pode ser considerada a diretora mais importante da indústria cinematográfica americana. É conhecida por ser uma das pioneiras como autora de cinema – junto a Griffith. Envolvia-se em todos os processos de produção e não se inbiu em imprimir suas ideias e filosofias em suas autorias. Ela chegou a dirigir, aproximadamente, 400 filmes. A americana Mabel Normand teve seu talento e mérito cinematográfico ofuscado pelo escândalo que ligava seu nome ao assassinato de William Desmond Taylor em 1922, mas não tem como não reconhecer sua contribuição significante para a história da mulher no cinema. 

Continuação da história 

Uma das poucas mulheres que estabeleceu o nome na indústria cinematográfica durante a década de 1940, Dorothy Arzner foi conhecida por seus trabalhos até 1943. Nesse ano, Dorothy parou de trabalhar com longas-metragens por motivos não revelados e se dedicou a comerciais de televisão e filmes de treinamento do exército. A francesa Germaine Dulac é um dos expoentes do cinema impressionista e experimental. Reforçando a relação do jornalismo com a sétima arte, Germaine era jornalista antes de se dedicar à produção cinematográfica. La Souriante Madame Beudet, de 1922, é seu filme mais famoso. A ucraniana Maya Deren foi responsável por realizar o filme Meshes of the Afternoon, em 1943, que mais chamou atenção do cinema experimental. Ela gostava de trabalhar com a temática da psique da mulher, sexualidade e questões identitárias.

Considerada a melhor diretora no Festival de Cannes de 1961, a russa Com Michurin foi um dos grandes nomes do cinema de seu país. A alemã Leni Riefenstahl produzia filmes que tinham temáticas de apoio ao nazismo. Logo após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, foi presa e não conseguiu mais trabalhar com cinema. Safi Faye, senegalesa, foi a primeira mulher africana a dirigir, comercialmente, um longa-metragem. Seu enfoque era a vida rural senegalesa. Em 1953, Kinuyo Tanaka foi reconhecida como a primeira mulher japonesa a se tornar diretora de cinema, com o filme Love Letter. Atriz, produtora, roteirista e diretora, a brasileira Carmem Santos é reconhecida como um dos maiores nomes do cinema brasileiro. Inconfidência Mineira foi o seu maior projeto cinematográfico.

O Bicho de Sete Cabeças é um dos filmes mais aclamados da produção cinematográfica brasileira e prova que gênero não diz nada sobre capacidade. Laís Bodanzky foi a diretora da produção e, também, de Chega de Saudade e As Melhores Coisas do Mundo. Além de diretora, ela também é roteirista e produtora. Leandra Leal, conhecida por seu trabalho como atriz, também é diretora e deve lançar, em breve, o filme Divinas Divas, em que fala sobre as travestis que faziam shows no Rio de Janeiro dos anos 60. Lucia Murat tem história de resistência durante a ditadura militar. Em 1971, foi presa e torturada devido ao envolvimento com o movimento estudantil. Que Bom Te Ter Viva é o nome do seu documentário em que conta sua história e de outras mulheres torturadas durante a ditadura. 

Mulheres é a temática abordada pela diretora Tata Amaral em seus filmes. Um Céu de Estrelas, de 1997, foi seu primeiro filme e recebeu o prêmio de Melhor Filme de estreia no Festival de Havana. Em 2006, falou de mulheres da periferia em Antônia. Outra que trabalha com mulheres é Helena Solberg. Com carreira firmada nos Estados Unidos, Helena é conhecida por seus filmes, dentre eles, Carmen Miranda – Bananas is My Business. Responsável pela direção de Tatuagem, Renata Pinheiro é outra das diretoras brasileiras que fazem a mulher se consolidar cada vez mais no mundo do cinema. Petra Costa, que tem apenas 32 anos, atua desde os 15, e ganhou reconhecimento nacional depois de Helena e, em seguida, dirigiu o filme O Olmo e a Gaivota, co-dirigido pela diretora dinamarquesa Lea Glob.

As diretoras goianas, dentre elas Rosa – que conversou com o Essência para esta matéria –, conquistam visibilidade nesta semana com a mostra Elas Fazem Cinema. São dez filmes dirigidos por mulheres de todo o País. Além de Rosa, estão inclusas Adriana Rodrigues, Alyne Fratari, Aline Leandro, Claudia Nunes, Ione Gonçalves, Karla Holanda, Rochane Torres, Rosane Urbes e Vera de Figueiredo – e Elis Santos, que participa de um dos debates. A realização é do Grupo de Estudos e Pesquisa de Gênero e Cinema (Geci) da UFG. 

Anna Muylaert volta ao tema da maternidade 

Em 2014, o drama Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert  fez um grande sucesso ao explorar a relação entre patrões e empregada. Regina Casé era a doméstica Val, um ponto entre ser estrangeira e ser família e que era mais mãe do filho dos patrões que da própria filha. Não à toa o filme no estrangeiro foi batizado de Second Mother (“Segunda Mãe”). Agora, a diretora volta ao tema da maternidade em Mãe Só Há Uma, embora o termo “voltar” não seja exatamente correto – os dois filmes foram produzidos ao mesmo tempo – e este tenha ficado pronto antes mesmo do que o lançado há dois anos.

Mãe Só Há Uma é livremente inspirado na história real do jovem goiano Pedrinho, sequestrado quando bebê de uma maternidade de Brasília, em 1986, e que por 16 anos acreditou que sua raptora fosse sua mãe verdadeira. Trata-se, porém, de uma adaptação bastante livre do episódio.

No filme, a descoberta dá-se no momento em que Pierre (interpretado pelo estreante Naomi Nero), de 17 anos, tateia sua orientação sexual: tem relação sexual com meninas, sente desejo por meninos, usa calcinha, pinta as unhas e se maquia. Em meio a esse turbilhão sensorial, Pierre vem a saber que a mulher (Dani Nefussi) a quem ele e a irmã pequena – também sequestrada – chamam de mãe é uma criminosa. A nova realidade que se impõe ao guri é atender por Felipe e viver com seus pais biológicos, interpretados por Matheus Nachtergaele e novamente por Dani, em um inventivo embaralhamento da figura materna proposto pela diretora.

Não será fácil a construção de laços afetivos de Pierre/Felipe com sua nova família, sobretudo diante do estranhamento do pai, que tenta domar o que toma por excentricidades do filho desgarrado. E é sobre esses conflitos – e também sobre a conexão que o recém-chegado estabelece com o irmão caçula que ganhou do destino – que Anna pavimenta, com a sensibilidade que lhe é característica, o caminho em direção ao diálogo, ao afeto e ao respeito, elementos fundamentais, vale sempre ressaltar, para a harmonia doméstica e o convívio social.

A diretora, em entrevista ao Uol, afirmou que o caminho deste filme, mais próximo da independência e realizado com baixo orçamento, é diferente do filme anterior. “O objetivo desse filme era dar um voo de liberdade. Queríamos fazer um filme sem ator famoso, sem carregar esse peso, poder experimentar narrativas diferentes, poder trabalhar com equipe mais jovem e, com isso, proporcionar essa experiência de verdade com a história. Acho que consegui”, diz ela. Neste ano, além do sucesso de Que Horas Ela Volta?, ela colhe outros louros. O reconhecimento do filme, escolhido para representar o Brasil no Oscar deste ano, também rendeu a Anna o convite para integrar a Academia de Hollywood. Ela ajudará a escolher o Melhor Diretor no Oscar de 2016.

 

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