“Sou criança, sou negra, também sou resistência”

MC Soffia, 12 anos, levanta temáticas da luta etnicorracial em suas músicas

Postado em: 19-11-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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MC Soffia, 12 anos, levanta temáticas da luta etnicorracial em suas músicas

A palavra criança combina com diversão. E é tentando se divertir que Willow Smith pede que não lhe digam nada quando ela balança seu cabelo. A cantora e atriz estadunidense lançou a música Whip My Hair, em 2010, quando ainda tinha 10 anos. A filha de Will Smith e Jada Pinkett Smith ingressou no mundo do hip hop e do pop quando ainda na infância. Do Brasil, Soffia, nascida na periferia de São Paulo, assistia aos clipes da americana e, apesar de admirar e se reconhecer na imagem de Willow, achava aquela uma realidade muito distante da sua. Fez, então, uma oficina de MC, viu o amigo Tum Tum cantar, e pensou na possibilidade de fazer o mesmo. Foi aí que começou a cantar e virou a – hoje conhecida – MC Soffia.
Engana-se quem pensa que trata-se, simplesmente, de uma história de superação. A carreira, que começou quando a MC tinha apenas 11 anos, é marcada por canções com letras de luta contra o racismo e contra o racismo sexista – que é o preconceito racial somado ao de gênero, do qual as vítimas são mulheres negras. Entre os temas, a paulista fala sobre o cabelo das meninas negras, incentivando-as a não ter vergonha do seu. “Num conto de fadas, a Rapunzel joga suas tranças; na minha história, ela tem dread e é africana”, canta a menina na música Minha Rapunzel de Dread. 
A canção conta a história da princesa Rastafari, do reino de Sabá, que é mencionado nas mitologias e se localizaria na Etiópia, leste do continente africano. Reforçando o caráter feminista de suas letras, a MC destaca que nessa história não tem bruxa má, porque a união das meninas é o que provocaria mudanças. Ela é uma menina negra que milita, por meio da música, por outras meninas negras. “Quando as crianças escutam, se identificam, pois não sou de uma realidade tão distante da delas”, afirma. A militância dela permanece em outras músicas como Menina Pretinha e Brincadeira de Menina. 
A consciência identitária teve influência materna. As canções de afirmação remetem a uma infância em que a mãe a levava para eventos, marchas e ocupações feitas em prol da luta antirracista. “A questão social veio antes da música, veio antes do nascimento na verdade”, explica a menina. Ela conta, ainda, que a luta vem sendo passada de geração para geração, já que sua avó fazia o mesmo com sua mãe. 
O professor doutor Alex Ratts, atuante nas áres de Geografia, Antropologia e Educação, desenvolve atividades relacionadas a identidades culturais, étnicas, raciais, de gênero e sexuais, e explica que a consciência racial e étnica é construída desde a primeira infância. Portanto uma criança que cresce em um ambiente de respeito à diferença e de políticas afirmativas “se tornará uma pessoa adulta com linguagem e habilidade para tratar desses temas na vida acadêmica, de trabalho ou mesmo na militância”. E MC Soffia escolheu a música, colaborando para o que Alex chama de fortalecimento, ampliação e recriação das expressões culturais negras, por meio das crianças como agentes de cultura. 
Como toda criança, MC Soffia tem sonhos e planos para quando for gente grande. Cantar com a diva pop Beyoncé, que tem se tornado ícone da luta racial estadunidense na música, está entre os seus objetivos de vida. Mas os sonhos de Soffia não param no mundo musical: ela também quer ser modelo, atriz, atleta e médica. Quando vai realizar cada um dos seus sonhos não se sabe. Pode ser um atrás do outro ou todos ao mesmo tempo. Mas a certeza que se tem é de que, sim, ela pode ser tudo isso, independente da cor de sua pele. E é justamente para que crianças negras possam sonhar o mais alto que puderem que a MC canta e luta. Para iniciar a semana da Consciência Negra, a cantora, que hoje tem 12 anos, concedeu entrevista ao Essência sobre a temática.

Entrevista MC SOFIA

O que veio primeiro: o engajamento na luta antirracista ou a música? Ou vieram juntos?
Minha mãe sempre me levou aos eventos, marchas e até para ocupações, então a questão social veio antes da música. Veio antes do nascimento na verdade: o envolvimento da minha mãe começou por causa da minha avó.
 
Como a música age nessa luta?
O rap é um estilo de força, resistência, denúncia de tudo que está errado, então, eu já luto! Meu papel neste movimento é cantar.
 
Para você, qual a importância de ter um dia em homenagem à Consciência Negra?
Acho importante! É dia de reflexão, mas acho que deveria ser todo dia, pois tivemos muita importância na construção deste País.
 
Como você acha que a sua música pode aumentar a auto-estima de outras crianças negras?
Minhas letras vêm forte com essa mensagem. Quando as crianças escutam, elas se identificam, pois não sou de uma realidade tão distante da delas.
 
Quais os seus sonhos e planos para o futuro? 
Cantar com a Beyoncé ou pelo menos conhecê-la. Também quero ser modelo, atriz, cantora, atleta e médica.
 
Como foi, para você, cantar na abertura da Olimpíada com a Karol Conka? Representatividade importa?
Foi bem legal, emocionante, mas acho que só vou ter a dimensão disso daqui a algum tempo, sobre o que significa cantar em um evento desse. Já cantar com a Karol, eu adorei, senti como se estivesse brincando com uma amiga. E, sim, representatividade importa muito. Foi vendo um amigo cantando que vi que poderia cantar também. Importa ter alguém próximo a você te representando como procuro fazer com as crianças negras.

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