Com três cavalos pela América

Livro sobre caubói que veio a cavalo do Canadá ao Brasil é lançado, nesta quinta-feira (14), em Goiânia

Postado em: 14-12-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Com três cavalos pela América
Livro sobre caubói que veio a cavalo do Canadá ao Brasil é lançado, nesta quinta-feira (14), em Goiânia

GUSTAVO MOTTA*

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O caubói Filipe Masetti Leite, 31, lança nesta quinta-feira (14), às 19h, na livraria Saraiva do Shopping Flamboyant em Goiânia, o livro Cavaleiro das Américas, que conta detalhes de uma viagem realizada pelo brasileiro ao longo de 803 dias. O jovem saiu de Calgary, no Canadá, com dois cavalos, e ganhou um terceiro durante a partida, para ser recebido por 40 mil pessoas durante a Festa de Barretos (SP), em agosto de 2014.

Cavaleiro das Américas, da editora HarperCollins Brasil, está entre os mais vendidos de não ficção da revista Veja, há mais de três meses. Além da jornada retratada no livro, o escritor realizou outra viagem até Ushuaia, na Patagônia, região do extremo sul argentino. As aventuras da expedição devem compor uma segunda publicação. O caubói ainda planeja uma terceira viagem, com retorno a Calgary, partindo do estado americano do Alaska, que deve começar em maio de 2019.

Felipe Masetti é jornalista, formado pela RyversonUniversity de Toronto (Canadá), e escreve para jornais do país. A experiência da viagem veio de um sonho de infância, alimentado por histórias de viagem e contato com cavalos, sob incentivos da família. O jovem caubói conversou com o Essência sobre a viagem, os sonhos e os planos futuros. 

Entrevista FILIPE MASETTI LEITE 

O livro está entre os mais vendidos de ficção há mais de três meses. Como você avalia tamanha reação do público?

Eu não esperava por tudo isso. Foram oito meses de escrita, e por quase três anos eu procurei editoras que aceitassem publicar o meu trabalho. Infelizmente, a cultura do caubói e do cavalo já não é tão respeitada ou levada a sério, então muitas editoras recusavam a minha proposta, e às vezes nem se davam ao trabalho de ler o que eu tinha escrito. Então, quando ele apareceu na lista dos mais vendidos, eu fiquei muito surpreso. É claro que sempre acreditei no potencial desses registros, e me esforcei para escrever algo que as pessoas começassem a ler e não conseguissem parar. Eu quero que elas leiam tudo até o final.

Enquanto esteve na estrada, você conversava com as pessoas sobre a viagem. Isso chamava a atenção delas?

No primeiro dia de viagem, quando saí de Calgary, na província canadense de Alberta, eu não sabia onde iria dormir. Foram 803 dias de estrada, e durante esse tempo eu ficava muitas noites das casas de desconhecidos que me recebiam, ou montava uma barraca. Era necessário que os cavalos também descansassem, porque eles só conseguiam caminhar até 30km por dia. Então, quando eu era recebido em uma casa, me consideravam parte da família. O mais interessante desses detalhes era perceber como existem pessoas boas no mundo. Elas queriam me perguntar tudo – com que equipamentos eu andava, por onde passei, e o que já tinha visto. São pessoas que recebiam um estranho, e que choravam quando ele partia.

Dessas pessoas, quais foram as mais marcantes que passaram pelo seu caminho?

Eu fui passando praticamente de mão em mão (risos). Foram muitas, mas eu me lembro de momentos muito especiais. Por alguns dias, eu mudava a rotina das pessoas. Na Guatemala, enquanto eu andava com celular e tantos objetos que usamos para medir riqueza, uma família muito simples vivia em um barraco com muito pouco, mas naquele momento eu me sentia pobre, porque não tinha um teto para chamar de lar, nem contava com o amor de uma família. Essas pessoas guardavam uma única galinha que eles queriam engordar para matar no Natal – e eles me ofereceram como alimento. É uma memória da qual eu nunca me esquecerei. 

Alguma pessoa supersticiosa passou pelo seu caminho?

No Colorado (Estados Unidos), fui recebido por um homem que, na despedida, me entregou as cinzas da mãe que tinha falecido, havia poucos meses, para que eu as levasse pelo resto da viagem. Ela era apaixonada por cavalos e aventura, e se estivesse viva, teria insistido para seguir caminho. Eu coloquei as cinzas no meu cargueiro, e passei a acreditar que ela estava me protegendo. O filho dela acreditava muito no destino, e dizia que eu não tinha chegado até ele em vão. Eu acho que ela me protegeu, tanto que, no sul do México, um dos cavalos foi atropelado. Quando um animal desse porte sofre esse tipo de acidente, ele pode quebrar alguns membros ou morrer, mas não tivemos problemas. Quando cheguei ao Brasil, levei os animais até o pasto da fazenda que a minha família mantém, onde agradeci ao espírito da mulher por ter nos guiado, e espalhei as cinzas pelo campo.

Qual a sua inspiração para realizar essa viagem?

A inspiração veio de um suíço chamado Aime Tschiffely que. em 1925, foi a Buenos Aires, capital argentina, até Nova York. Considerado o maior caubói de todos os tempos, ele publicou um livro sobre a jornada. Quando criança, meu pai lia essas histórias.

Como foi a sua infância?

Eu nasci em Espírito Santo do Pinhal, interior paulista. Quando tinha 9 anos, a minha família se mudou a trabalho para o Canadá. Em Polton, na província do Ontário, eu cresci praticando esportes, como hockey e snowboard, e cavalgando. Cursei Jornalismo, em Toronto, e trabalhei, por dois anos, buscando patrocínio para a viagem. No começo, eu não tinha nem uma ferradura (risos).

Como foi o planejamento da viagem?

Quando eu tinha 18 anos, os meus pais voltaram ao Brasil, e eu fiquei sozinho no Canadá. Aos 24, eu comecei a planejar a ida – escrevia tudo o que precisava, de vistos para atravessar as fronteiras até custos com celas, ferraduras, e os cavalos – que até o momento eu tinha apenas em sonho (risos). Eu descobri uma associação mantida por cavaleiros de longa distância, e os membros do grupo me fizeram descobrir como viajar longas distâncias. Eu conversei com pessoas de muitas nacionalidades, entre alemães e argentinos, que já tinham pegado a estrada a cavalo antes. Eu fui orientado sobre o tipo de cela que deveria usar, os equipamentos que deveria levar, e os medicamentos que poderiam ser úteis aos cavalos. Eu tracei a minha rota utilizando mapas e aplicativos, e busquei patrocínio até encontrar uma produtora audiovisual de Nashville (Tennessee) que me deu treinamento com câmeras e cartões de memória para filmar a viagem e compor uma série de TV americana.

O acesso das pessoas à sua história pode inspirar outros a seguirem o mesmo caminho?

Eu não tinha dimensão disso quando saí em viagem, mas, desde que cheguei, tenho ouvido muita gente que chega até mim e me agradece dizendo “graças à sua história, eu tive coragem de encarar novos desafios e praticar novos projetos”. Eu escutei gente dizendo que tinha medo de mudanças, mas que encararam novos empregos, começaram a cursar uma nova faculdade – inspirados na minha trajetória. Acho que a minha história mostra que, se você tem um sonho e está disposto a trabalhar por ele, nada é impossível.

Por quais situações inusitadas você passou?

Eu passei por uma cidade americana no estado de Wyoming (Estados Unidos) chamada Savery, com apenas 25 habitantes (risos). Tinha até placa na entrada com o número de moradores. No estado de Montana, eu cavalgava pela manhã com um calor muito intenso. Eu entrei nos Estados Unidos durante uma seca muito intensa, e por volta das 9h os cavalos ficaram paralisados na estrada. De repente, saiu um urso enorme da mata, cruzando a frente do caminho. Os cavalos se assustaram, e eu tentei controlar os animais. Felizmente, o predador nos viu e desapareceu do outro lado. Fui salvo pelos cavalos, que farejaram o urso – por isso eles ficaram parados, pelo susto. Já em Honduras, eu fiquei três dias na casa de um narcotraficante, que me ajudou a entrar no país. Ele tinha uma mansão no meio das montanhas, e mantinha um zoológico dentro da propriedade, próxima de um vilarejo onde todos – até crianças – portavam armas, como pistolas e fuzis russos K-47. Eu vi muitas cenas de violência, inclusive na capital Tegucigalpa, onde vi um marido atirando na esposa. Felizmente, ela não morreu. Na Guatemala, eu tive o infortúnio de passar por dois corpos jogados na estrada.

Essas cenas violentas foram traumatizantes?

Nos meus primeiros seis meses no Brasil, eu sofri muito com pesadelos, ansiedade e até um início de depressão. Passar por tantos momentos de perigo e apuros é uma experiência comparável à de soldados que voltam da guerra, e que desenvolvem problemas psicológicos após enfrentar o medo e o terror.

Você atravessou muitos países, com condições de clima e altitude diferentes…

Como eu viajava em média a 4km por hora, as mudanças de temperatura não eram tão bruscas – tudo acontecia gradualmente. Eu cheguei a enfrentar cavalgadas de oito a dez horas, sob o sol, com temperaturas de até 45 graus Celsius. Também enfrentei -10 graus, no Texas, onde pensei que os meus dedos iam se quebrar, tamanho o frio. Já a altitude era um problema gigante, porque não estava acostumado com as variações, e o pulmão sofria bastante! Foi muito bom ter ouvido os habitantes de cada lugar, que sempre me davam dicas de adaptação.

Como foi realizar a trajetória com três cavalos?

Eu conheci o Bruiser e o Frenchie apenas oito dias antes de sair. O primeiro é um cavalo maravilhoso – tem um porte alto e sofisticado – e parece entender tudo o que acontece. Já o Frenchie é o total oposto (risos), tanto que, pela primeira vez que cavalguei com ele, o cavalo me derrubou, e eu quebrei um dedo. Ele sempre fazia tudo o que queria, era muito independente. No sul dos Estados Unidos, eu me encontrei com tribos nativas, que me deram um terceiro animal. O Dude é um cavalo selvagem, mas foi o mais amoroso dos três. Era também o mais resistente – comia de tudo, subia montanhas e não se cansava.

Por que você escolheu Barretos para encerrar a jornada?

Barretos tem a maior arena de rodeio da América Latina, então uma viagem grandiosa merecia um fim grandioso. Era um sonho pisar naquele solo sagrado – o ‘Maracanã do rodeio’. Nesse ano, a cidade recebeu o primeiro lançamento do livro, em 16 de agosto.

Além dessa viagem, você pretende voltar a Calgary, partindo do Alaska. Como estão os preparativos para a nova trajetória?

Então (risos). Eu ainda não coloquei no papel os planos para essa nova viagem, mas estou escrevendo um segundo livro sobre a minha ida até Ushuaia, na Patagônia (Argentina). No próximo ano, eu devo começar a planejar a jornada, e devo sair do Alaska, em maio de 2019, para retornar ao Canadá em julho de 2020.

SERVIÇO

Lançamento do livro ‘Cavaleiro das Américas’

Quando: quinta-feira (14) às 19h

Onde: Livraria Saraiva (Shopping Flamboyant – Avenida Deputado Jamel Cecílio, nº 3.300, Jardim Goiás – Goiânia)

Entrada gratuita

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov 

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