Desmistificando expressões racistas e construindo um futuro inclusivo

Mesmo com a criação da data e políticas voltadas para este reparo histórico, o Brasil está entre os países mais racistas do mundo

Postado em: 20-11-2023 às 10h00
Por: Letícia Renata
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Mesmo com a criação da data e políticas voltadas para este reparo histórico, o Brasil está entre os países mais racistas do mundo

Fazendo parte de uma política de reparação, o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído oficialmente pela lei nº 12.519. A data faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares, situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil.

Mesmo com a criação da data e políticas voltadas para este reparo histórico, o Brasil está entre os países mais racistas do mundo. Os registros de racismo cresceram mais de 50% no Brasil em 2022 na comparação com o ano anterior, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Tamiris Melo, professora de direito, destaca que expressões racistas ainda permeiam diversas esferas do cotidiano, desde discursos comuns até a presença na mídia e em instituições. Identificar e compreender essas expressões tornam-se cruciais para um enfrentamento eficaz. “A necessidade de utilizar o Dia da Consciência Negra como um momento de reflexão coletiva, não apenas para relembrar as lutas do passado, mas também para analisar criticamente o presente e construir um futuro mais inclusivo”, explica.

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A docente comenta que alguns termos e expressões da sociedade carregam falas racistas e precisam ser abolidas ou substituídas do vocabulário. “Expressões como ‘mulata’, ‘não sou tuas negras’, ‘nasceu com um pé na cozinha’, ‘amanhã é dia de branco’, ‘denegrir’, ‘inveja branca’, ‘a coisa tá preta’, ‘meia tigela’, ‘doméstica’, ‘nhaca’, ‘criado-mudo’ e tantas outras expressões precisam sair do nosso vocabulário. A fala também pode ser uma ferramenta importante para o combate contra o racismo”, explica.  

Dentro desse contexto, a professora destaca algumas soluções essenciais. “Primeiramente, a implementação de uma educação antirracista desde cedo, promovendo a compreensão da diversidade e a desconstrução de estereótipos. O empoderamento e a representatividade negra em todos os setores da sociedade também são cruciais, desde a mídia até o mercado de trabalho e a política”, orienta a professora.

Além disso, Tamiris enfatiza a importância de promover um diálogo aberto sobre o racismo, incentivando a conscientização e o combate às expressões racistas, tanto individuais quanto coletivamente. “É necessário que tenha políticas públicas efetivas que abordem as desigualdades raciais, evoluindo uma sociedade mais justa e igualitária”, destaca.

O Dia da Consciência Negra, segundo Tamiris, se torna não apenas um dia de reflexão, mas uma oportunidade para contribuir ativamente na desconstrução de expressões racistas e na construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e justa.

Por trás da luta

O termo consciência negra ganhou notoriedade no Brasil na década de 1970 devido às lutas de movimentos sociais como o ‘Movimento Negro Unido’, que atuavam pela igualdade racial. Ao mesmo tempo, a palavra é também uma homenagem à cultura ancestral dos povos afrodescendentes, que durante séculos foram trazidos à força para o Brasil e brutalmente escravizados.

É um símbolo de luta, resistência e da constatação de que os negros não são inferiores e têm valor e lugar próprios na sociedade. Muitas pessoas acreditam erroneamente que a consciência negra não deveria ser celebrada, mas sim a consciência humana. No entanto, esta ideia pode ser bem-intencionada, mas acaba por prejudicar a luta contra o racismo e o apoio à igualdade racial.

Historicamente, devido a uma variedade de fatores, a sociedade sustenta-se através de relações desiguais entre as pessoas. Os principais fatores de desigualdade são: gênero, cor, orientação sexual e estatuto socioeconômico. A partir de uma leitura materialista da história, isto mostra que as relações sociais são desiguais e o desenvolvimento social deve corrigir esta distorção.

Num esforço para levar a riqueza da cultura africana aos povos de ascendência africana nos países coloniais europeus (bem como aos próprios povos africanos que ainda sofrem as consequências do colonialismo e da exploração no continente), o poeta e escritor martinicano Aimé Césaire cunhou o termo ‘negro’. A palavra virou tendência literária e movimento cultural. A ideia é que todas as pessoas de ascendência africana que sofreram a dispersão forçada pelos europeus partilham uma essência cultural (negritude). A ideia de consciência negra não deriva inteiramente do conceito de negritude, mas tem muito a ver com ele.

Para unir os negros contra séculos de luta contra a escravidão, após a abolição da escravatura no Brasil, passou-se a pensar em formas de unir os negros e fazê-los compreender a sua cultura, as lutas do povo todos os dias, as lutas dos negros pessoas e pessoas negras. O objetivo ainda é com o valor negro ser semelhante, mas vai um passo além porque mostra às pessoas negras que mesmo não ocupando muitas posições de destaque em uma sociedade dominada pelos brancos, elas são dignas de sua intensa luta .

A consciência negra é isso: consciência da importância do negro na sociedade, reconhecimento do valor, da cultura e da luta do povo negro que não se calou e se levantou contra o racismo. Embora a negritude seja a protagonista desta consciência – não apenas uma ideia ou conceito, mas uma prática que proporciona movimento aos movimentos sociais – podemos esperar que, na sequência do conflito com a consciência negra, os brancos repensem a sua abordagem.

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