O Sportswashing e a Arábia Saudita

Golfe, automobilismo e futebol são usados por Mohammed bin Salman para limpar a imagem da Arábia Saudita

Postado em: 18-08-2023 às 14h00
Por: Ildeu Iussef
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Cristiano Ronaldo puxou a fila, e a Saudi Pro League passou a contar com vários nomes de peso do futebol mundial (Foto: Divulgação AlNassr Saudi Club‎)

A prática de esportes e o incentivo à prática de esportes no nível individual e comunitário nos países árabes não é algo recente. Porém, desde 2015, o príncipe herdeiro e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman vem centralizando o poder e quer renovar a legitimidade da monarquia apostando no nacionalismo, e menos na religião. Para isso, utiliza-se do esporte, principalmente, do futebol.

A Arábia Saudita almeja adquirir protagonismo na indústria esportiva mundial, tendo por base o Plano “Visão 2030” – o que envolve não só o mundo dos esportes, mas também do entretenimento – visando candidaturas à sede dos Jogos Olímpicos em 2036 ou 2040 e da Copa do Mundo de 2030.

Sportswashing

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Nesse contexto, o conceito de sportswashing atua como “pano de fundo” dos temas já apresentados até aqui. Afinal, a questão do crescente investimento em esporte por fundos e empresas árabes, alguns dos quais com vínculo oficial a Estados, como é o caso do Reino da Arábia Saudita, traz à tona a questão do sportswashing ao debate, ou seja, o uso do esporte para “lavar” especialmente a imagem de alguns atores do mundo árabe aos olhos ocidentais.

O Sportswashing (“Sports” = esportes; “washing” = lavar) é a prática de um ator – seja ele privado ou público – visando a melhorar sua imagem, tirar a atenção de questões relacionadas a direitos humanos ou outros assuntos. É um nome novo para prática antiga: a Alemanha usou as Olimpíadas de 1936 para propagar, por meio de rádio e imprensa escrita, informações positivas sobre uma nação que, em meio à superação da crise de 1929 e estava estabelecendo o Regime Nazista.

Portanto, o objetivo de um ator público – como é o caso da Arábia Saudita – é de ganhos de boa imagem perante a comunidade internacional. Sendo assim, ambos os ganhos são considerados: políticos (boa imagem) e econômicos (lucro).

Digo isso, pois a Arábia Saudita é um país que não respeita a proteção internacional de direitos humanos. Segundo a Anistia Internacional, o país pratica uma repressão implacável contra ativistas pacíficos, jornalistas e acadêmicos, está todos os anos no topo dos países que mais praticam a pena de morte, com dezenas de pessoas executadas a cada ano, tem uma política discriminatória contra mulheres e não permite a liberdade religiosa, a tortura é instrumento rotineiro de trabalho oficial e o país é acusado de matar e esquartejar um jornalista no exercício da profissão.

Não custa lembrar, o Esporte não se afasta do direito e o direito tem como base a proteção de direitos humanos. 

Automobilismo

Inquestionavelmente, nenhum país está investindo mais no esporte a motor atualmente do que a Arábia Saudita. Afinal, desde 2018, o país entrou no calendário dos grandes eventos automobilísticos, sediando etapas da Fórmula E, Extreme E, o Rally Dakar e atingindo o clímax com a Fórmula 1.

Golfe

Em 2021, o LIV Golf foi fundado com investimento do PIF da Arábia Saudita. A temporada inaugural foi disputada apenas em 2022. O tour é sediado em território saudita e paga premiações enormes aos atletas. 

Apesar de ter apenas um ano de existência, a LIV Golf nasceu em rota de colisão com o PGA Tour, oferecendo prêmios astronômicos em dinheiro em um campeonato com menos eventos em comparação com o torneio norte-americano. Isso levou diversos atletas a se juntarem ao circuito da Arábia Saudita, o que deu origem aos diversos processos judiciais entre as ligas.

Para se ter uma noção, na temporada inaugural, o LIV Golf concedeu um total de US$ 250 milhões (cerca de R$ 1,22 bilhão, na cotação atual) em prêmios, o que obrigou o PGA Tour a anunciar um cronograma “renovado” para 2024, com prêmios mais competitivos em campos menores.

Porém, a disputa entre as franquias (PGA Tour e LIV Golf) parece ter chegado ao fim com a criação da nova empresa de propriedade coletiva. Afinal, no mês de julho, o circuito árabe estabeleceu uma parceria comercial com o norte-americano PGA Tour e o europeu DP World Tour.

Tênis

A Arábia Saudita organizou em dezembro de 2022 um torneio com grandes atletas do circuito ATP no país, a Diriyah Tennis Cup, mas pretende elevar a aplicação de recursos a outro patamar. Notícias da imprensa internacional indicam o interesse do PIF em sediar eventos do ATP Tour e WTA Tour, principais circuitos do esporte no planeta.

Futebol

Desde junho deste ano, o PIF assumiu o controle dos quatro maiores clubes da liga local: Al-Ahli e Al-Ittihad, ambos da capital Riad, e Al-Hilal e Al-Nassr, de Jeddah, cidade portuária na costa do Mar Vermelho.

O fundo de investimento da Arábia Saudita é dono de 75% do capital desses clubes. Esse mesmo fundo comprou 80% do Newcastle em outubro de 2021 e também patrocina a Superliga Africana.

Antes fora do radar, a Saudi Pro League, liga profissional da Arábia Saudita, agora atrai os holofotes do futebol mundial depois de investir mais de 461 milhões de euros (R$ 2,4 bilhões) em contratações na janela atual. Sem surpresas: os quatro clubes que mais gastaram foram justamente os quatro times comprados pelo PIF, fundo soberano da Arábia Saudita.

Cristiano Ronaldo puxou a fila, e a Saudi Pro League passou a contar com vários nomes de peso do futebol mundial a partir da próxima temporada. Benzema, Kanté, Mané, Brozovic, Malcom, Fabinho, Mendy, Mahrez, Gerrard, Firmino e, por último, Neymar. Estes são alguns dos jogadores anunciados até agora, mas outros devem seguir o mesmo caminho nas próximas temporadas.

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