Ministro que proibiu manifestações no Lollapalooza negou ação contra outdoors que pediam voto para Bolsonaro

Membro do TSE negou pedido do PT na Corte contra material que tinha escrito "em 2022 vote 22" nas ruas

Postado em: 27-03-2022 às 16h55
Por: Augusto Diniz
Imagem Ilustrando a Notícia: Ministro que proibiu manifestações no Lollapalooza negou ação contra outdoors que pediam voto para Bolsonaro
Membro do TSE negou pedido do PT na Corte contra material que tinha escrito "em 2022 vote 22" nas ruas | Foto: Reprodução/TSE

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Raul Araújo, que acabou parcialmente liminar pedida pelo Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, neste domingo (27/3) e determinou que novas manifestações favoráveis a pré-candidatos no festival Lollapalooza Brasil estão sujeitas a multa de R$ 50 mil não viu problemas em outdoors pró-Bolsonaro em fevereiro e março que traziam pedido manifestamente expresso de voto em outubro para Bolsonaro: “#EM2022VOTE22” “#2022BOLSONAROPRESIDENTE”.

Na decisão liminar de hoje, Raul Araújo entendeu que as artistas Pabllo Vittar e Marina, antiga Marina and The Diamonds, “além de destilar comentários elogiosos ao possível candidato [Luiz Inácio Lula da Silva (PT)], pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência”.

Em seu relatório na decisão, o ministro do TSE cita o artigo 36 da Lei das Eleições (Lei Federal 9.504/1997): “A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição”. Mas o próprio ministro esqueceu de citar, por exemplo, que o artigo 36 trata especificamente dos atos dos pré-candidatos.

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Ministro Raul Araújo, do TSE, se baseou no artigo 36 da Lei das Eleições, para proibir manifestações eleitorais no Lollapalooza | Foto: Divulgação

O que diz o artigo 36-A

Em seguida, a legislação usada pelo magistrado traz, em seu artigo 36-A, trecho não citado na decisão, define que “não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet”.

O ministro Raul Araújo alega na decisão que, depois de analisar as provas apresentadas pelo PL no pedido de liminar, percebeu que “os artistas mencionados na inicial fazem clara propaganda eleitoral em benefício de possível candidato ao cargo de Presidente da República, em detrimento de outro possível
candidato”. De acordo com a interpretação do magistrado, a atitude está em “flagrante desconformidade com o disposto na legislação eleitoral”, que seria o artigo 36.

Até que se prove o contrário, Pabllo Vittar e Marina, britânica de ascendência grega, não são pré-candidatas a qualquer cargo eletivo no Brasil em outubro.

“Decisão equivocada”

Para o advogado Juberto Jubé, trata-se de uma tentativa de censura | Foto: Reprodução

Para o advogado publicista Juberto Jubé, a decisão foi “equivocada”. “Falar mal de um governante não é propaganda eleitoral ilegal. E, pelo o que foi divulgado, não ocorreu pedido de voto nem utilizava de meio proibido pela legislação”. Jubé define a concessão da liminar pelo ministro como “censura”.

O advogado Santiago Freire disse que a decisão parte do conflito de dois princípios, a liberdade de expressão e a propaganda eleitoral antecipada. “Eu, particularmente, entendo que o ministro errou porque em fevereiro e março ele próprio negou pedido para retirar os outdoors pró-Bolsonaro patrocinados pelo setor agrícola, que estão por todo lugar. Então parece dois pesos e duas medidas”, observou Freire.

De acordo com o advogado eleitoral, o caso trata de artistas que não representam partidos políticos. “Portanto, não é uma propaganda de partido ou candidato, mas sim de um eleitor sem vínculos partidários.” Santiago Freire disse acreditar que é uma decisão que pode ser derrubada pelos dois motivos apontados.

De acordo com o advogado Santiago Freire, o ministro parece adotar dois pesos e duas medidas ao analisar a manifestação de artistas e a instalação de outdoors com pedidos de voto para Bolsonaro | Foto: Arquivo pessoal

Freire lembra que é permitido o uso de bandeiras, camisetas, bonés broches, inclusive no dia da eleição. “Se é permitido ir com esses itens para a cabine eleitoral, não tem problema nenhum isso em um show. Se a Justiça entendesse que isso é pedir voto, ela teria que ter entendido isso há dois meses sobre o rosto de Bolsonaro nos outdoors patrocinados pelo agronegócio.”

Preocupação

O advogado eleitoral Dyogo Crosara avaliou que a decisão não está correta e que causa preocupação. “Desde 1988, nossa democracia não foi testada da forma que veremos neste ano. O TSE começar com esse tipo de precedente onde temos o risco de burlar a manifestação livre da classe artística é algo que preocupa”, considera.

Para Crosara, o artigo 36 da Lei das Eleições é aplicado a candidatos. “Não pode ser usado de forma indistinta a quem não é do meio político. Candidatos e coligações, sim, são submetidas muito a isso.” De acordo com o advogado eleitoral, as manifestações populares, como o corrido no Lollapalooza, não contam com indício de participação do pré-candidato por trás dos atos. “Me preocupa se tolher esse tipo de manifestação.”

O advogado Dyogo Crosara destaca que o artigo 36 se aplica a candidatos e partidos políticos, não a artistas. “Decisão me preocupa” | Foto: Divulgação

Sobre as críticas a pré-candidatos, Crosara explica que existe jurisprudência específica do TSE para esses casos. “Usamos o princípio da proteção débil do homem público, onde o presidente, os governadores e as autoridades públicas estão sujeitas, de forma clara, a críticas muito mais gravosas, muito mais pesadas, do que outras pessoas.” Para o advogado, alguém falar “fora” a um ocupante de cargo eletivo ou chamar de “genocida” faz parte do processo democrático, mas não se caracterizam como propagandas antecipadas negativas.

Decisão correta

O advogado e procurador de Justiça aposentado Demóstenes Torres avalia como correta a decisão do ministro Raul Araújo. “Faz muito sentido. Alguém faz antecipação de campanha, o que é vedado por nossas leis. Em show é um ato impossível [de ser considerado legal]. Em redes sociais, dependendo do conteúdo, é tolerável.”

Demóstenes afirma que, na decisão, o ministro expôs bem e exaustivamente, de forma correta, os abusos cometidos. “A decisão é boa porque veda abusos de qualquer parte, abre precedente para que outros abusos, independente de quem os pratique, sejam também penalizados”, analisa.

Para o advogado Demóstenes Torres, a decisão do ministro Raul Araújo foi acertada e coíbe abusos de qualquer um dos lados | Foto: Divulgação

Caso dos outdoors pró-Bolsonaro

Na ação proposta pelo PT no início do ano contra outdoors com a foto e pedido de votos ao presidente da República, o Partido dos Trabalhadores alegava que as imagens continham “mensagens que exaltam supostas qualidades pessoais do atual presidente da República, afixados em fazendas dos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o que configuraria antecipação da campanha eleitoral para as eleições deste ano”.

Além de outdoors nos dois Estados do Centro-Oeste, o PT relata a instalação de material semelhante nas cidades fluminenses do Rio de Janeiro, Campos dos Goytacazes e São João da Barra com “imagem do representado Jair Messias Bolsonaro e as hashtags #EM2022VOTE22 e #2022BOLSONAROPRESIDENTE”. Mesmo com fotos dos outdoors, o ministro Raul Araújo alegou na decisão que havia falta de provas.

Escreveu na decisão o ministro do TSE: “O representante deixou de apresentar provas do prévio conhecimento do representado Jair Messias Bolsonaro, não requereu diligência para identificação dos responsáveis pela confecção, nem forneceu os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados”.

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