Em quatro ocasiões, indicado de Lula ao STF votou com os conservadores

Mais recente foi a decisão do ministro de ir contra a descriminalização da maconha para uso pessoal

Postado em: 26-08-2023 às 10h30
Por: Francisco Costa
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Mais recente foi a decisão do ministro de ir contra a descriminalização da maconha para uso pessoal. | Foto: Carlos Moura/STF

Na quinta-feira (24), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), neste ano, Cristiano Zanin, desagradou a ala progressista aliada do petista. O magistrado, antes do pedido de vista de André Mendonça, votou contra a descriminalização da maconha para uso pessoal, colocando o placar em 5 a 1.

“A mera descriminalização do porte de drogas para consumo apresenta problemas jurídicos e pode agravar a situação que enfrentamos na problemática do combate às drogas, que é dever constitucional. Não tenho dúvida de que os usuários são vítimas do tráfico e das organizações criminosas ligadas à exploração ilícita dessas substâncias, mas se o Estado tem o dever de zelar por todos, a descriminalização poderá contribuir ainda mais para esse problema de saúde”, afirmou Zanin.

Para ele, não é possível declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas por ser a “única” ferramenta do Estado. “Como já expus, esse é o único parâmetro relativamente objetivo para diferenciar a situação do usuário da do traficante.” Mas este não foi o único voto de Zanin a desagradar a base lulopetista. Na verdade, trata-se da quarta posição conservadora do ministro de Lula no Suprema Corte. 

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Insignificância 

O primeiro deles correu quando o ex-advogado do presidente optou por manter a condenação de dois homens que furtaram um macaco hidráulico, dois galões para combustível e uma garrafa de óleo diesel, avaliados em R$ 100. Neste caso, ele negou o princípio da insignificância. 

À época, foi justamente o que a Defensoria Pública da União pediu – o reconhecimento deste princípio. O entendimento dos defensores era que, além do valor baixo dos itens, os mesmos foram recuperados. 

Este citado princípio visa não penalizar furtos de baixo valor ou famélicos (comida, medicamentos, etc.). Zanin, contudo, manteve a condenação e não considerou o mecanismo jurídico demandado pela Defensoria. 

Outros casos

Na última segunda-feira (21), o ministro utilizou plenário virtual para ser o único a votar contra a equiparação de LGBTfobia a injúria racial – André Mendonça se declarou impedido de votar. A ação foi proposta pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), sob argumento de que equiparar geraria punição mais severa aos atos de LGBTfobia. 

Posteriormente, Zanin justificou que o problema foi o recurso utilizado, ou seja, questão processual. “O voto deixa claro a importância que o ministro confere ao tema, no entanto, ele entende, e transcreve de forma fundamentada em seu voto, que o mérito do julgamento não poderia ser alterado por embargos de declaração, que servem apenas para esclarecer omissão, obscuridade, contradição ou erro material no julgado. E, na visão do ministro Zanin, não haveria a obscuridade apontada pelo ministro Fachin, relator do recurso”, informou a assessoria.

O indicado de Lula, claro, não escapou das críticas nas redes sociais. Da mesma forma, gerou repercussão um voto para derrubar a norma que impedia magistrados de julgarem casos em que qualquer das partes seja cliente dos escritórios de seus cônjuges, parceiros ou familiares. Ele seguiu Gilmar Mendes e Luiz Fux no posicionamento.

Redes sociais

Em relação ao último voto de Zanin (sobre a descriminalização da maconha para uso pessoal), grupos de esquerda lamentaram e criticaram o ministro. “Defenderei o voto no Lula em 2022 até a morte, mas classifico esse como seu maior erro até agora. Imperdoável, inexplicável e inaceitável. Temos agora 3 ministros ultraconservadores na corte”, escreveu o influenciador Felipe Neto no Twitter.

Também pelas redes, a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) classificou como “lamentável” a postura do indicado do presidente. “Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta ‘guerra às drogas’, que afeta sobretudo pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas democráticas e progressistas.”

Já a centro-direita e direita demonstraram satisfação. Um deles foi o líder da bancada evangélica no Congresso, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM). “O [voto de] Zanin não me surpreende pelo fato de eu ter tido a oportunidade de recebê-lo antes de ele ser elevado à função de ministro pelo Senado. Ele disse de forma clara e definitiva isso: ele, além de ser homem de família, tinha as convicções dele em defesa de uma sociedade saudável”, afirmou.

“Foi uma grata surpresa. O julgamento é uma usurpação do trabalho que já fizemos duas vezes no Congresso Nacional em menos de 13 anos. O STF não está respeitando uma decisão do Congresso, mas essa posição do ministro Cristiano Zanin é uma posição que vai ao encontro do que os parlamentares fizeram”, emendou o senador Eduardo Girão (Novo-CE).

Decepção de Lula?

Ainda é cedo para dizer se Lula irá se decepcionar com Zanin. Atualmente, a Corte possui três ministros indicados pelo presidente. Além do mais recente, Carmén Lúcia, que entrou na Casa em 2006, e Dias Toffoli, em 2009. Este último já magoou o petista.

Enquanto esteve preso por causa da Operação Lava Jato, em Curitiba (2018 a 2019), Lula alimentou mágoa de Toffoli. Isto, porque o ministro não permitiu que Lula deixasse o cárcere para ir velório de seu irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá.

O ministro repensou e tentou compensar, chegando a autorizar Lula ver os familiares em uma unidade militar do ABC Paulista. Além disso, permitiu que levasse o corpo ao local, mas já era tarde. 

Ainda em 2018, Toffoli também votou para manter o petista preso. Ele pediu perdão ao presidente, depois. Principalmente pelo caso do velório. Oficialmente, o petista disse que perdoava. Contudo, aliados dizem que ele jamais esqueceu. 

Análise

Cientista político e professor, Marcos Marinho não acredita que Lula foi pego de surpresa. Ele diz que os anos que passaram juntos – advogado e cliente – já dava para saber o que esperar. “Essa ilusão que algumas pessoas têm de que o indicado do presidente será fiel é infantil e poeril. Vestiu a toga é independente.”

Para Marinho, a postura de independência é até para tirar qualquer suspeita como ministro. “Há, talvez, o momento de apresentação da própria identidade. Enquanto isso, se posiciona mostrando que tem autonomia, que não é submisso, e irá julgar conforme a própria interpretação. Parece um aceno de independência”, pontua.

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