Uso da inteligência artificial nas eleições esbarra em falta de regulamentação

Propagação de desinformação deverá ser mais acirrada neste pleito com as deepfakes

Postado em: 03-01-2024 às 08h52
Por: Gabriel Neves Matos
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Ao tratar de eleições, o tema esbarra na falta de regulamentação brasileira e a discussão já mobiliza o Judiciário | Foto: Reprodução/TSE

Os recursos oferecidos pela inteligência artificial (IA) podem ser classificados no nicho das novidades tecnológicas que se popularizaram intensamente nos últimos dez anos. No campo da política e da produção de notícias falsas, contudo, sua utilização não é nova. Ao tratar de eleições, o tema esbarra na falta de regulamentação brasileira e a discussão já mobiliza o Judiciário.

“Dentro de uma proposta de desinformação e manipulação da opinião pública, a IA começou a ser usada no campo da guerra”, afirma Marcelo Graglia, doutor em Tecnologias da Inteligência, coordenador do grupo de pesquisa Transformação Digital e Sociedade e professor da PUC-SP. “Basta lembrar da anexação da Crimeia pela Rússia, quando uma série de notícias falsas foram utilizadas para confundir a população da região e a opinião pública mundial em relação a invasão que acontecia ali.”

Na avaliação do professor, no contexto da Crise da Crimeia — que completa dez anos em 2024 — houve uma percepção de que da mesma forma que se poderia utilizar a IA para fazer a oferta de produtos de uma forma mais assertiva, ela também poderia ser utilizada em um cenário de campanhas eleitorais até mesmo de forma “mal intencionada”. 

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Com a aproximação das eleições municipais deste ano, autoridades do Judiciário nacional já sinalizam indicar medidas que podem ser tomadas a fim de que se estabeleça precauções sobre o uso da IA no contexto eleitoral. 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, defendeu “limitações à utilização da inteligência artificial” no pleito eleitoral. Em uma fala durante a abertura do seminário “Desinformação nas eleições”, em Brasília, o ministro disse que “nós temos que propor teses legislativas, interpretações jurídicas, um cronograma educacional para aqueles que têm acesso às redes sociais, e temos que propor limitações à utilização de IA nas eleições”.

Na classificação de Moraes, há um grande risco de manipulação dos eleitores quando as notícias falsas são utilizadas durante o processo eleitoral e que “o problema da desinformação é o “embaralhamento das informações”, pois as pessoas passam a ter acesso às informações falsas da mesma maneira que a informações verdadeiras.

“Todos os países democratas perceberam que há um grande ataque de desinformação em relação à vontade do eleitor. Em verdade, além de divulgar discurso de ódio, discursos antidemocráticos, essa desinformação visa captar a livre vontade do eleitor para, a partir disso, com mentiras e fraudes, direcionar sua vontade para determinado candidato ou candidata”, disse o ministro na ocasião. 

Na mesma seara, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, defende a regulação das plataformas digitais com “parcimônia necessária”. Segundo fala de Barroso em palestra Escola Superior da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília, ao mesmo tempo em que democratizou o acesso à informação, ao conhecimento e ao espaço público, a revolução digital também “abriu avenidas para a desinformação, o discurso de ódio, as teorias conspiratórias e a destruição de reputações”.

O que está em discussão quando se trata de regulação das plataformas digitais, segundo o presidente do STF, é a preservação da privacidade dos usuários e dos direitos autorais. Na ocasião, o ministro relembrou o caso de vazamento de dados da Cambridge Analytica, que colheu informações de milhões de usuários do Facebook sem autorização. O escândalo veio à tona em 2018.

O professor Marcelo Graglia lembra que o episódio da Cambridge Analytica teve como principal característica o uso da técnica de “clusterização”. “Só que eles fizeram de uma forma diferente, que foi de modo a manipular a opinião pública em massa. Se pessoas manifestavam preocupação com desemprego nas redes sociais, seja através de cliques ou leituras de notícias, por exemplo, a empresa agrupava essas pessoas que tinham essa preocupação em uma determinada bolha e a partir dali disparavam informações com as posturas adequadas dos candidatos àqueles temas”, explica. “As pessoas recebiam por um lado uma espécie de reforço positivo quando se tratava de Trump, e um reforço negativo quando se tratava de Hillary.”

Para além dessas questões que, segundo diz o professor, foram fundamentais para estabelecer um ambiente de polarização nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos, a preocupação mensurável para o processo eleitoral no Brasil neste ano se dá pela falta de defesas que coíbam a desinformação — e com o agravante das “deepfakes”. “As fake news se manifestam por texto, via de regra. Mas as deepfakes são uma outra aplicação da IA, inclusive utilizando a IA generativa, que além de manipular textos, manipulam imagens e vídeos”, afirma Graglia. “Com a deepfake é possível se usar do rosto, da voz e da entonação de uma pessoa para criar uma mensagem falsa.”

De acordo com o TSE, existe expectativa de que ocorra em março um evento internacional com a participação de todos Tribunais Regionais Eleitorais para balizar a regulamentação da IA, via resoluções, que deverão orientar as eleições de 2024.

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