Um ano do 8 de janeiro que marcou a história dos Três Poderes

Atos antidemocráticos, que completam um ano, resultaram em centenas de condenações e CPMI no Congresso. Pesquisa recente mostra que quase 90% dos brasileiros repudiam o quebra-quebra em Brasília, enquanto 6% do País ainda apoia os atos de vandalismo

Postado em: 08-01-2024 às 09h04
Por: Gabriel Neves Matos
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Atos antidemocráticos, que completam um ano, resultaram em centenas de condenações e CPMI no Congresso. Pesquisa recente mostra que quase 90% dos brasileiros repudiam o quebra-quebra em Brasília, enquanto 6% do País ainda apoia os atos de vandalismo | Foto: Rodrigo Bittar/Câmara dos Deputados

Uma frase pichada no vidro do Salão Negro da Câmara dos Deputados dizia: “Destituição dos Três Poderes”. No Salão Azul do Senado Federal, o cenário de devastação tinha em sua composição os estilhaços de vidro misturados a móveis, cadeiras, livros e fiações arrebentadas. Não é necessário muito esforço para lembrar que essas são algumas das imagens mais vívidas a respeito do dia 8 de janeiro de 2023, data marcada pela invasão e depredação de manifestantes golpistas às sedes dos Três Poderes, em Brasília, e que completa um ano hoje. 

A ação, que evoca a invasão do Capitólio, sede do Legislativo americano, em 6 de janeiro de 2021, ocorreu apenas uma semana após a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), que retornou ao Palácio do Planalto para um terceiro mandato inédito e teve reflexo ao longo de todo o ano de 2023. 

À luz de como fizeram os manifestantes pró-Donald Trump ao invadirem o Congresso dos Estados Unidos, os atos antidemocráticos tiveram como personagens principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inconformados com o resultado das eleições de 2022 e que estavam acampados há semanas em frente ao Quartel General do Exército em Brasília. A turba questionava o resultado das eleições e pedia intervenção militar, a fim de que Lula não assumisse o cargo presidencial. 

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Com a depredação praticada dentro e fora dos prédios do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, houve resposta rápida dos Poderes. O presidente Lula decretou intervenção federal no Distrito Federal na ocasião e os presidentes Arthur Lira, da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, do Senado Federal, condenaram os atos.

“O dia 8 nunca mais vai acontecer no Brasil, porque aprendemos que a nossa democracia, com a união dos Poderes, permanecerá atenta, alerta e em pé. As agressões covardes à democracia explicitaram o fato de que o Poder Legislativo não se confunde com o prédio onde ele funciona”, disse Lira um dia depois dos atos antidemocráticos. 

No Judiciário, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, deu resposta horas após o que ela mais tarde classificou como “dia da infâmia”. “O STF atuará para que os terroristas que participaram desses atos sejam devidamente julgados e exemplarmente punidos”, afirmou à época. 

O 8/1 teve 243 pessoas presas dentro dos prédios públicos e na Praça dos Três Poderes (161 homens e 82 mulheres), após ação da polícia para retomar o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF. No dia seguinte (9), 1.927 pessoas foram conduzidas à Academia Nacional de Polícia. Dessas, 775 foram liberadas (idosos e mães de crianças menores, entre outros), e 1.152 permaneceram presas. Após exame dos flagrantes (audiências de custódia), 938 permaneceram presas, de acordo com o STF. 

No mesmo dia, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, foi afastado do cargo por decisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes que também determinou, no prazo de 24 horas, a dissolução dos acampamentos golpistas, a desocupação de vias e prédios públicos em todo o território nacional e a apreensão de ônibus que levaram terroristas para o Distrito Federal.

Nesse aspecto, um dos planos dos vândalos, inclusive, era o de prender, levar a Goiânia e até assassinar Alexandre de Moraes, segundo contou o próprio ministro ao jornal O Globo na semana passada. De acordo com Moraes, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o plano que não prosperou sugeria que após preso e levado para Goiânia, os manifestantes iriam alvejá-lo e desovar seu corpo em um trecho entre Goiânia e Brasília.

O Congresso instalou em maio do ano passado uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) que trabalhou durante cinco meses nas investigações dos fatos que culminaram nos atos antidemocráticos de 8/1. Foram realizadas 22 reuniões, sendo 19 delas dedicadas a ouvir testemunhas. A comissão ouviu 21 depoentes, recebeu e analisou centenas de arquivos de texto, áudio e vídeo. 

O relatório final, da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), diz que os ataques antidemocráticos foram iniciados muito antes da data de concretização. O texto de mais de mil páginas também explicou o chamado “gabinete do ódio”, a instrumentalização das forças de segurança e os ataques contra o sistema eleitoral.

Os primeiros julgamentos relativos aos atos de 8/1 ocorreram em setembro. Aécio Lúcio Costa Pereira foi o primeiro condenado e teve pena determinada de 17 anos de prisão pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com substância inflamável contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Vários dos presos receberam, em etapas ao longo do ano, liberdade provisória, com a imposição de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo. No fim de dezembro, os números divulgados mostraram que 66 pessoas permaneciam presas, oito delas já condenadas pelo STF, 33 haviam sido denunciadas como executoras dos crimes e 25 ainda são investigadas por financiar ou instigar os ataques.

Em outubro, Marcelo Lopes do Carmo, um morador de 39 anos da cidade de Aparecida de Goiânia, se tornou o primeiro goiano a ser condenado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pela participação na invasão e depredação do Palácio do Planalto durante o dia 8 de janeiro. De acordo com o processo, Carmo possuía provas de sua participação guardadas em seu celular. Durante depoimento, o homem alegou que o objetivo da manifestação era expressar sua discordância com o resultado das eleições de 2022.  

Um ano após o 8/1, 89% dos brasileiros não aprovam as invasões aos prédios dos Três Poderes. Os atos são aprovados, no entanto, por 6%. Outros 4% não souberam ou não quiseram responder. Os dados são frutos de pesquisa de opinião realizada pela empresa Quaest entre os dias 14 e 18 de dezembro de 2023 e divulgada neste domingo. O levantamento realizou 2.012 entrevistas presenciais com questionários estruturados junto a brasileiros com 16 anos ou mais, em 120 municípios. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, e o nível de confiança é de 95%. O levantamento foi financiado pela plataforma Genial Investimentos, que opera no mercado financeiro.

Lembrança 

Representantes dos Três Poderes participam na tarde desta segunda-feira (8) de ato em defesa da democracia. O evento, convocado pelo presidente Lula, está previsto para acontecer no Salão Negro do Senado Federal e deve contar com ministros do governo, ministros do STF, parlamentares, governadores e outras autoridades.

Haverá, durante o evento, a abertura de uma exposição que relembra os atos de 8/1 com imagens inéditas. Itens depredados e agora restituídos ao patrimônio público também serão um dos motes do evento. Está previsto o descerramento de placa alusiva à restauração da tapeçaria de Burle Marx, que faz parte do acervo do Senado, e a entrega simbólica da Constituição Federal que foi levada do STF durante os atos antidemocráticos e recuperada posteriormente.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), não deve comparecer no ato em Brasília. Isso porque Caiado será internado em São Paulo ainda nesta segunda para fazer exames referentes à cirurgia cardíaca a que foi submetido no ano de 2022. Segundo a assessoria do governador, Caiado precisa passar por uma bateria de exames, como uma revisão do primeiro ano pós-cirúrgico. O procedimento aconteceu após o governador ir até São Paulo para fazer exames de rotina, onde foi constatado a necessidade de ele fazer uma revascularização do miocárdio.

Caiado condenou, à época, as invasões do dia 8/1 e foi um dos primeiros governadores a oferecerem ajuda ao Palácio do Planalto para reparar os danos decorrentes do vandalismo. Em repouso por causa da cirurgia que tinha feito na época, o governador enviou o vice Daniel Vilela para representá-lo no encontro de Lula com os governadores no dia dos atos antidemocráticos. 

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