Goiânia aprova lei para igualdade salarial entre gêneros
Em Goiás, público feminino ganha em média 22,7% menos que o masculino

A Câmara Municipal de Goiânia aprovou, em segunda votação, o Projeto de Lei 168/2023, de autoria da vereadora Kátia Maria (PT), que determina a igualdade salarial entre homens e mulheres no exercício de funções equivalentes. O texto segue agora para sanção do prefeito Sandro Mabel (União Brasil).
O projeto estabelece mecanismos concretos para assegurar a isonomia salarial, como a obrigatoriedade de relatórios anuais de transparência por empresas com mais de 20 funcionários, intensificação da fiscalização, aplicação de sanções administrativas e facilitação do acesso à Justiça para trabalhadoras e trabalhadores que se sintam prejudicados.
A proposta também prevê que empresas flagradas com desigualdades deverão apresentar um plano de ação para correção, com metas, prazos e participação de representantes sindicais.
“A igualdade de gênero ainda está longe de ser realidade no Brasil. Por isso, precisamos de leis que enfrentem a desigualdade e que responsabilizem empresas que praticam diferenciação salarial com base no gênero”, explicou a vereadora.
Para quem vive o dia a dia do mercado de trabalho, essa conquista tem um significado ainda mais profundo. A contadora Júlia Feitosa de Goiânia relata que já enfrentou problemas com salários injustos. “Trabalhei por dois anos na mesma função que um colega homem, com a mesma carga e entrega, e só descobri que ganhava menos quando foi promovido”.
Júlia destaca a importância da nova legislação como um passo para que outras mulheres não precisem passar pelas mesmas situações. “Essa lei representa esperança. É o começo de um caminho que pode, de fato, mudar vidas”.
Segundo dados do Instituto Mauro Borges (IMB), mais de 1,64 milhão de mulheres estão empregadas atualmente em Goiás, representando 42,6% da população ocupada no estado. Esse é o maior índice da série histórica. Apesar do avanço, os salários ainda revelam um desequilíbrio: enquanto o rendimento médio dos homens é de R$ 3.681,24, o das mulheres é de R$ 2.845,53 uma diferença de 22,7%.
Em nível nacional, a realidade também é preocupante. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres brasileiras ganham, em média, 78% do salário dos homens, mesmo quando possuem escolaridade igual ou superior.
A disparidade é ainda mais acentuada em cargos de chefia: mulheres em funções de direção recebem apenas 61% do que os homens ganham. Quando a análise é feita com base na raça, os números são ainda mais alarmantes: mulheres negras recebem, em média, 33% menos que mulheres brancas.
Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que, no ritmo atual, serão necessários mais de 50 anos para eliminar a desigualdade salarial de gênero na América Latina. Isso significa que, sem políticas públicas eficazes e ações afirmativas, a equidade salarial continuará sendo uma promessa distante.
Apesar disso, o cenário mostra sinais de melhora. O rendimento médio das mulheres em Goiás e Goiânia atingiu o maior valor da série histórica, chegando a R$ 2.730 no último trimestre de 2024. A mesma pesquisa revela que grupos de mulheres com maiores salários incluem integrantes das forças armadas, policiais e bombeiras (R$ 9,3 mil), diretoras e gerentes (R$ 7 mil), e profissionais da ciência e intelectuais (R$ 5,3 mil). Esse crescimento revela que, mesmo com os obstáculos, as mulheres continuam conquistando espaço.
Além disso, o empreendedorismo feminino também se destaca em Goiás. Mais de 147,7 mil mulheres possuem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) registrado, com ao menos 97,6 mil atuando como autônomas. Estima-se ainda que mais de 50 mil mulheres sejam empregadoras, gerando novos postos de trabalho e contribuindo significativamente para a economia do estado.
Segundo o 2º Relatório de Transparência Salarial, elaborado pelos Ministérios do Trabalho e das Mulheres, 1.428 empresas goianas responderam ao questionário sobre igualdade de gênero. Dessas, 41,1% afirmaram ter políticas de promoção de mulheres a cargos de direção e gerência, enquanto 27,6% contam com incentivos específicos para contratação de mulheres negras. Os dados revelam que, embora avanços tenham sido alcançados, ainda há muito a ser feito.
Desigualdade estrutural ainda limita mulheres no trabalho em Goiânia e no Brasil
No Brasil, mesmo com leis que reforçam a equiparação salarial, a desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres continua evidente. O mercado de trabalho ainda é fortemente marcado por práticas discriminatórias e estruturas que favorecem os homens, sobretudo em cargos de liderança. Muitas empresas ainda resistem à inclusão plena das mulheres, mantendo uma cultura organizacional que inviabiliza seu trabalho ou as coloca em funções secundárias.
Outro fator preocupante é a dupla jornada enfrentada por grande parte das mulheres brasileiras. Mesmo com inserção no mercado formal, muitas delas continuam responsáveis pelas tarefas domésticas e cuidados com os filhos — funções raramente compartilhadas de forma equitativa. Esse acúmulo impacta diretamente o desempenho profissional, dificultando promoções e aumento de salário.
Além da desigualdade salarial, as mulheres ainda enfrentam menor acesso a oportunidades de qualificação e formação continuada. Isso as coloca em desvantagem na hora de disputar vagas mais valorizadas. E quando se trata de mulheres negras, indígenas ou pertencentes à comunidade LGBTQIAP+, os obstáculos são ainda maiores. A interseccionalidade evidencia que a desigualdade de gênero não é homogênea, afetando grupos sociais de maneiras distintas.
É nesse cenário que a aprovação da lei em Goiânia surge como uma conquista simbólica e prática. Ela fortalece o discurso de equidade de gênero e, mais do que isso, cria ferramentas para transformar a realidade no ambiente de trabalho. A expectativa é que outras cidades adotem iniciativas semelhantes, promovendo uma verdadeira revolução silenciosa nas relações de trabalho. Caso isso ocorra, o impacto poderá ser sentido em escala nacional.
Para a vereadora Kátia Maria, é preciso transformar a cultura e não apenas criar regras: “A discrepância nos salários vem se reduzindo ao longo dos anos, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Não faz sentido que uma mulher receba menos do que um homem exercendo a mesma função. Essa é uma injustiça histórica que precisamos corrigir”.
O texto aprovado em Goiânia reforça o que já está previsto na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criando uma estrutura local para garantir que os direitos saiam do papel. Além disso, fortalece a fiscalização e a responsabilização das empresas, exigindo transparência nas práticas de remuneração e oferecendo instrumentos para que as mulheres reivindiquem seus direitos.
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