Limite de armas por pessoa sobe de 4 para 6, no Brasil

Presidente flexibilizou quatro decretos em que facilitam a aquisição por parte da população | Foto: Reprodução

Postado em: 24-02-2021 às 08h00
Por: Sheyla Sousa
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Presidente flexibilizou quatro decretos em que facilitam a aquisição por parte da população | Foto: Reprodução

João Paulo Alexandre

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) flexibilizou quatro decretos que facilitam a aquisição de armas pela população. Entre as mudanças, está a quantidade que cada cidadão poderá adquirir. Antes, o cidadão poderia ter quatro armas e agora o número subiu para seis. Em caso de policiais, agentes prisionais, membros do Ministério Público e tribunais a quantidade sobe para oito. O decreto deixa claro que quem for o requerente deve preencher os requisitos necessários para obtenção da Certificado de Registros de Arma de Fogo.

As mudanças de Bolsonaro consistem ainda no porte simultâneo de duas armas. Compras de munições por ano, ampliação de categorias profissionais que têm direito a adquirir arma de fogo como Receita Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama); Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); tribunais que formam o Poder Judiciário; Ministério Público e a permissão de adolescentes praticarem tiros com a arma emprestada de algum colega ou atirador desportista.

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O assunto da flexibilização de armas de fogo sempre foi tido como polêmica na sociedade. Sempre terão as pessoas que são contra e a favor da facilitação do armamento para a população. O vigilante Emerson Henrique, de 30 anos, acredita que o objeto está atrelado à segurança e acredita que qualquer pessoa tem o direito de se sentir protegido com uma. “A violência tem crescido exponencialmente em todo o lugar do mundo e eu acredito que ter acesso a uma arma acaba inibindo a ação de um bandido, por exemplo. A pessoa tem o direito de reagir em legítima defesa pois, às vezes, não temos a polícia de imediato para nos atender”, afirma.

Emerson acredita que o aumento de armas na mão de uma pessoa não aumentará a violência. Segundo ele, esse fator irá contribuir com uma decrescente taxa de crimes violentos. Além disso, o vigilante pontua que o trâmite de se ter arma de fogo é mais do que suficiente. “A gente tem que ir a Polícia Federal, entrar com o processo, passar pelo psicólogo, pegar o laudo e ainda aguardar um prazo para ter o acesso ao armamento. Isso tudo é muito burocrático. Por isso, eu acho que foi feito uma coisa certa e com certeza os criminosos vão pensar duas pessoas antes de mexer com qualquer pessoa.

Sociedade despreparada

Já a doutora em Sociedade e membro do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência (Necrivi) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Dalva Borges de Souza, vê com preocupação a flexibilização do presidente sobre o assunto. “Desde a promulgação do Estatuto do Desarmamento, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, a chamada “bancada da bala” no Congresso Nacional, com muitos deputados financiados por fabricantes de armas, vem apresentando projetos de lei para destruir o Estatuto do Desarmamento que é uma lei importante para a contenção do crescimento de homicídios no país”, conta.

Segundo ela, a sociedade não está preparada para ter acesso a mais armas de fogo devido ao fato de que muitas pessoas resolveram situações à base da violência. “Há estudos nacionais e internacionais que comprovam que quanto mais armas nas mãos da população, maior a incidência de homicídios, suicídios, acidentes domésticos, principalmente com crianças que indiretamente passam também a ter acesso às armas. As mulheres, que são as grandes vítimas da violência doméstica, acabarão mais prejudicadas com essa flexibilização, pois a arma de fogo é muito mais letal do que outras armas que possam ser utilizadas nos conflitos domésticos.”

Dalva apresenta dados do pesquisador Daniel Cerqueira, do IPEA, que afirma que o aumento de 1% na quantidade de armas nas cidades reflete em 2% nas taxas de homicídios. “Por exemplo, nos Estados Unidos, onde as pesquisas mostram que portar uma arma aumenta em mais de três vezes as chances de suicídio e em mais de duas vezes o risco de homicídios”, destaca.

Para ela, em mãos de pessoas tidas como “despreparadas”, a arma de fogo não é sinônimo de segurança e pode levar a sérias consequências. “Nas mãos da população definitivamente não. Um civil não tem treinamento, não lida bem com o efeito surpresa de um assalto, não sabe reagir prontamente e se o faz não tem o controle emocional para lidar convenientemente e com segurança com o evento.”

E continua: “Especialistas em Segurança Pública argumentaram corretamente que os civis não têm o controle necessário para reagir a um assalto com uma arma e serão muito mais vitimados e, portanto, a arma não serve para a sua defesa. Além disso, é conhecido que, ao contrário do que os defensores das armas alegam, a maior parte das armas apreendidas pelas polícias são armas registradas, adquiridas legalmente e que vão parar em mãos de quem comete crimes. Assim, no lugar de proporcionar segurança, os decretos presidenciais contribuirão para o aumento de homicídios e para o crescimento da criminalidade, além de baratear o acesso às armas.” 

Preocupação deve ser com primeira arma, diz psicóloga 

O Hoje conversou com a psicóloga Carolina Bittar Lemes. Ela é credenciada na Polícia Federal (PF) e faz a avaliação dos candidatos para terem acesso ao laudo de aptidão psicológica. Ela explicou um pouco de como é o trabalho dela. “Primeiramente, o candidato vai com um processo no despachante e ele é obrigado a procurar um psicólogo credenciado no Exército e na Polícia Federal. Ele marca um horário e eu passo para ele alguns testes. Um deles é o teste de personalidade, concentração e atenção. Caso passe por tudo isso, ele é aprovado. Todo esse processo dura cerca de uma hora.”

Carolina conta que a confecção desse laudo é apenas um dos requisitos no processo para conseguir o porte de arma. Ela ainda conta que o índice de reprovação é muito baixo, algo em torno de 5%. “Eu não estou dando a arma para ele. Estou apenas constatando que ele tem a personalidade apta para ter uma arma. Ainda vai ser checado todos os antecedentes dele e outras coisas para poder, então, dar o acesso a arma de fogo”, pontua.

A psicóloga afirma que a quantidade de armas liberadas não irá influenciar na violência ou nas intenções erradas do cidadão. Por isso, ela defende o cuidado nos exames para ter o acesso à primeira arma. “No início, eu estava em um clube de tiro e reprovei duas pessoas. Depois, o dono do local me ligou e perguntou o porquê da reprovação. Eu expliquei e disse que não iria bater meu carimbo. Quando ele terminou, ele disse que ficou surpreso que tinha negativa nesses processos, pois o psicólogo que estava lá nunca havia reprovado ninguém”, conta.

Com isso, a psicóloga relembra que sofreu uma rotulação como “aquela que não aprova”, mas o título, segundo ela, nunca foi motivo de se sentir menosprezada. “Pelo contrário, eu me fortaleci e me orgulho de ser crítica, chata mesmo. Eu tenho consciência que estou dando um poder para uma pessoa. E é o meu nome que está em jogo. Por isso, eu defendo que o cuidado é dar a primeira arma para uma pessoa. Ela vai ter que passar pelo processo para ter mais, mas quando se olha que ela já tem a primeira, esse processo pode ser facilitado”, ressalta. 

A psicóloga conta que 98% dos seus atendimentos foram realizados com o público masculino e, apesar da flexibilização, nenhum afirmou que pretende ter mais de uma arma. “Até porque a arma mais barata disponível no mercado é muito cara. Não é barato ter um armamento. Por isso, muitos pensam que é fácil ter mais de uma arma, mas a situação não é tão simples como pode parecer”, finaliza. (Especial para O Hoje)

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