Pré-carnaval da cultura preta

Primeiro bloco de percussão afro de Goiânia formado apenas por pessoas negras sai às ruas no pré-carnaval

Postado em: 20-01-2024 às 10h00
Por: Letícia Renata
Imagem Ilustrando a Notícia: Pré-carnaval da cultura preta
Chega com a missão de cantar e dançar a fé e a cultura pretas | Foto: Lucas Almeida

O pré-carnaval de Goiânia terá neste ano o seu primeiro bloco afro totalmente negro. É o Tambores do Orum, uma realização do Orum Aiyê Quilombo Cultural, um bloco gerido, gestado, regido, dançado e tocado por mãos pretas. A concentração está marcada para às 16h, o bloco vai sair às 17h, neste sábado (27), a concentração começa no Bar da Poliana, no Residencial Nossa Morada. No domingo (28), a concentração será na Rua MB2, no  Residencial Morada do Bosque.

Neste fim de semana ainda haverá ensaios abertos, na sede do Orum Aiyê. Neste sábado (20) das 10h às 13h e na segunda-feira (22) das 18h às 21h, com entrada gratuita. Esse projeto foi contemplado pelo edital de fomento ao patrimônio material e imaterial do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás de 2023.

O bloco Tambores do Orum levará para as ruas o enredo de combate à ignorância e à intolerância religiosa. “Apresentaremos uma ode litúrgica teatral musicada dos deuses que ousam dançar, cantar e festejar junto aos que os cultuam com alegria, diversão e amor”, explica Raquel Rocha, diretora geral e produtora do projeto. Neste primeiro ano, o bloco vai homenagear o patrono Exú Onã, o orixá dos caminhos. “Ele é aquele que nos auxilia para que as trilhas de nossa jornada estejam sempre livre de obstáculos. Onã nos lembra que o caminho está livre, mas somos nós que devemos percorrê-lo com sabedoria”, comenta Marcelo Marques, que divide a produção e direção geral com Raquel. 

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A travessia será feita ao som dos instrumentos da ancestralidade preta, com quatro naipes tocando alfaia, atabaque, agogô e xequerê, sob a regência de Noel Carvalho. A dramaturgia ainda terá o trabalho de dança afro com referência na dança dos orixás e voduns sob a coordenação de Terená Kanoute e Setchegon Sokenou. “Eles vão representar no corpo a dança dos orixás no plano terreno, exibindo a estética, a beleza e a força negra”, explica Raquel Rocha. Fazendo contraponto à dança do Aiyê e representando os Orixás do Orum, pernas de pau trarão para as ruas a grandiosidade de Exú, Iemanjá e Xangô. 

Tambores do Orum, explica Raquel, é lazer, mas também um movimento político, estético,  de conscientização corporal e de positivação da beleza negra e da estética afro diaspórica. “Nosso lugar de promover entretenimento de rua tem valor agregado em forma de educação e formação antirracista. Somos panafricanistas, afrofuturistas, levando para as ruas educação e cultura afro, somadas às tecnologias de terreiro”, enfatiza Raquel, que também assina a composição das músicas e figurino. O projeto ainda tem Angela Rocha como assistente de figurino, Rafaela Rocha na produção, Lucas Almeida como fotógrafo e Milca Francielle no canto. Marcelo Marques também está na coordenação das pernas de pau.

Um bloco 100% negro

Em 1974, o Ilê Aiyê lançou o primeiro bloco afro do Brasil composto apenas por pessoas negras. Quarenta anos depois, Goiânia terá o seu bloco totalmente negro. O incômodo dos fundadores do Ilê era o mesmo compartilhado pelos fundadores dos Tambores de Orum: “eles perceberam, em Salvador, que até então os blocos eram compostos majoritariamente por pessoas brancas. Vemos nas ruas de Goiânia blocos hegemonicamente brancos e, com exceção de alguns Afoxés, sem nenhuma conexão com a cultura afro”, contextualiza Marcelo Marques.

O objetivo dos idealizadores do projeto é dar continuidade, em Goiânia, a uma tradição que percorre o país com blocos como Ilê Aiyê (BA), Filho de Gandhi (BA) , Òrúnmilá (RJ), Alafin Oyó (PE) e Ilú Obá de Min (SP). 

Todos estes blocos compartilham da necessidade de quebrar a lógica de apropriação cultural no Carnaval e devolver aos negros seu lugar de  protagonismo cultural nesta festa. “Um dos princípios primordiais do aprendizado dentro da cultura afro diaspórica é absorver os conhecimentos e sabedorias dos nossos ancestrais, ou seja todo conhecimento preto trazido de forma dolorosa pelos escravizados. Os blocos de carnaval são uma extensão dos terreiros para as ruas, a musicalidade do carnaval é uma derivação dos acentos e células das cantigas de terreiro. O Carnaval brasileiro como conhecemos não existiria sem os ritos das afro religiosidades com suas rezas tocadas e cantadas”, comenta o diretor-geral, Marcelo Marques.

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