Diplomata trata indicação como “filhotismo”

Paulo Roberto de almeida clareia questões da indicação de Eduardo Bolsonaro ao posto

Postado em: 19-07-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Diplomata trata indicação como “filhotismo”
Paulo Roberto de almeida clareia questões da indicação de Eduardo Bolsonaro ao posto

Raphael Bezerra

Especial para O Hoje

O diplomata Paulo Roberto de Almeida critica a possível indicação de Eduardo Bolsonaro (PSL) para o cargo de chefe da embaixada de Washington, nos Estados Unidos. Além da falta de competências técnicas, o diplomata criticou também a indicação pois, segundo ele, elas deveriam ser feitas em segredo. “O presidente não tem consciência da sua postura em função de políticas de Estado. Age como se fosse a sua casa”, alfineta. 

Continua após a publicidade

Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento Econômico e Licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles, Paulo Roberto de Almeida é um diplomata de carreira que se tornou um dos principais personagens após a indicação de Ernesto Araújo para o cargo de Ministro das Relações Exteriores. Logo em março, Paulo Roberto fez duras críticas ao escritor Olavo de Carvalho e a “revolução cultural” vivida pelo Itamaraty após a chegada de Araújo. Paulo Roberto ocupava o cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) e, após as críticas, ele foi destituído do cargo.

Almeida sugere que seu afastamento tenha sido motivado por uma postagem anterior em seu site, em que havia replicado textos críticos à condução da política externa pelo atual chanceler Ernesto Araújo, assinados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-ministro Rubens Ricupero.

Em entrevista ao O Hoje, o diplomata esmiuça termos legais e retoma um pouco da história diplomática do Brasil.

 O senhor acredita que Eduardo Bolsonaro tem os requisitos para ocupar o posto de embaixador?

Ele disse que esteve nos EUA em intercâmbio há dez anos e fritou hamburger. Imagine qual a capacidade desse cara. Ele passeou com o chapéu de “Trump 2020” duas vezes, ofendeu todos os compatriotas ao falar que os brasileiros ilegais são uma vergonha. Uma vergonha é ele falar uma coisa dessas. Os brasileiros trabalham lá porque não têm oportunidade de trabalhar no Brasil e estão mandando milhões de dólares para cá. Ele não tem nenhuma capacidade. Nenhuma.

Não se manda para um país alguém que abertamente faz campanha. Isso é inconstitucional e anticonstitucional. A Constituição tem no artigo 4 o famoso princípio da não-intervenção em assuntos internos de outros países. Imagine que o Trump ano que vem não seja eleito. Qual a cara da nossa diplomacia? A cara do presidente que suceder o Trump? É uma coisa horrível. É ilegal, irregular no plano das relações internacionais e práticas diplomáticas, absolutamente vergonhoso pelo personagem, por tudo. O presidente não tem consciência da sua postura em função de políticas de Estado. Age como se fosse a sua casa.

Temos algum histórico de indicações de não-diplomatas para embaixadas brasileiras nos Estados Unidos?

No segundo governo [Getúlio] Vargas [1934 – 1937] tivemos o almirante Amaral Peixoto, casado com a filha do presidente Getúlio Vargas. Mas era um almirante, tinha ampla experiência. Teve o Walter Moreira Salles, aliás duas vezes. Depois, teve o Juracy Magalhães, aquele que falou que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.

Caso se confirme a indicação, ele precisará passar por uma sabatina no Senado. Já houve casos onde o senado rejeitou uma indicação?

Ele precisará passar por sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado e depois terá seu nome submetido à aprovação no plenário da Casa. Em geral, é um procedimento meramente protocolar. Mas não no caso do filho do presidente. Tivemos dois casos no Brasil democrático ocorreram com presidentes que mantiveram relações tensas com o Legislativo e não terminaram seus mandatos: Jânio Quadros e Dilma Rousseff. Em 1961, o plenário do Senado rejeitou a indicação do empresário José Ermírio de Moraes, fundador da Votorantim, para a embaixada do Brasil na então República Federativa da Alemanha. Em 2015, derrubaram a nomeação do diplomata Guilherme Patriota para a embaixada brasileira na Organização dos Estados Americanos (OEA). 

Qual avaliação o senhor faz de uma possível indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos?

Está tudo errado desde o início. O fato de o presidente ter anunciado indicar porque ele seria uma boa pessoa, porque fala inglês, fala espanhol, que é amigo dos filhos do Trump, isso é uma ruptura, é uma quebra de padrão diplomático jamais vista na diplomacia brasileira e possivelmente nos anais da diplomacia mundial.

Que padrão deveria ser seguido?

Isso deveria ser mantido em segredo. Primeiro deve se comunicar através de nota secreta a outro país, informando sobre a intenção de designar tal pessoa como representante. Essa carta em sigilo é importante pois o outro país pode decidir que não quer aquela pessoa. Isso é uma quebra de padrão diplomático, uma grosseria. Bolsonaro não tem nenhum sentido de política de Estado, de Relações Internacionais. Trata a presidência como se fosse a sua casa, a sua família, a sua seita. É uma coisa histriônica.

Que tipo de problemas, além da quebra de sigilo, pode trazer essa indicação?

Primeiro, a Constituição proíbe o nepotismo. Nesse caso, seria mais que nepotismo, seria filhotismo. Estaria nomeando o filho para um cargo de alta relevância. Aliás, Marco Aurelio Mello (ministro do STF) disse que isso é nepotismo, não passa. O certo seria pedir o agreement (aprovação) em segredo. Se o país aceitar, mandaria ainda em segredo para o Senado a mensagem, porque os senadores podem recusar. Nesse caso você está incorrendo em nepotismo e está quebrando o princípio de confidencialidade. 

Veja Também