Sônia Braga é a alma e o coração de ‘Aquarius’

Atriz brilha em ‘Aquarius’, o filme brasileiro mais comentado do ano e que está acima de polêmicas partidárias

Postado em: 15-09-2016 às 06h00
Por: Redação
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Atriz brilha em ‘Aquarius’, o filme brasileiro mais comentado do ano e que está acima de polêmicas partidárias

Júnior Bueno

Uma música de Caetano e uma novela inspirada em romance de Jorge Amado. Se alguém for perguntado assim, de bate-pronto, quem é Sônia Braga, gerações inteiras certamente vão recorrer ao nome de Gabriela e aos versos “uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel, uma mulher, uma beleza que me aconteceu…” para descrevê-la. Isso lá nos anos 1970. Bissextamente, ela renovava o imaginário com furacões sexuais, em filmes como Eu te Amo, A Dama do Lotação e O Beijo da Mulher Aranha. Lá fora, a atriz construiu um discreto lugar ao sol, e sempre aparece em papéis secundários em filmes e séries. 

Mas toda essa imagem precisa ser abandonada para falar do desempenho de Sônia Braga em Aquarius, o tão comentado filme de Kleber Mendonça Filho, em cartaz em Goiânia. Para usar um chavão que a crítica cinematográfica ama usar, poucas vezes se viu uma atriz tão entregue a uma personagem. Mas o clichê aqui se justifica. Sônia Braga é a alma e o coração do filme, e é difícil pensar que outra atriz esbanjasse tanto carisma e despertasse tanta empatia por parte do público neste papel. É como se toda a trama do filme emanasse dela. 

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Sem maquiagem, Sônia dá vida – e aqui cabe ressaltar a palavra ‘vida’ – à crítica musical Clara, já aposentada, que se recusa a vender seu apartamento em frente à praia da Boa Viagem, no Recife, para uma construtora. O conflito da personagem é resistir às mudanças, não como uma rocha teimosa, mas como uma árvore que dança ao sabor dos ventos, mas não arreda pé de seu lugar. Em um rosário de sutilezas que compõe o filme, a personagem experimenta, de várias formas, o dilema do velho versus o novo. Arrumar um namorado ou chamar um garoto de programa? Ouvir discos de vinil ou baixar mp3?

Clara é a última moradora do prédio que dá nome ao filme, na praia de Boa Viagem, em Recife, a “louca” que emperra os projetos da construtora que quer demolir o edifício e que impede o progresso. Como mostram as primeiras cenas de filme, o edifício Aquarius é onde ela vive, há mais de 30 anos: lugar em que seus filhos cresceram, onde ela guarda seus discos e sua história. Ali ela se casou, enviuvou, enfrentou um câncer que lhe causou a perda de um dos seios, e é ali que ela pretende passar a velhice, da forma mais tranquila possível.

A presença de Sonia Braga, que há 15  anos não fazia um filme brasileiro, enche de luz o filme. Mais do que apenas ligada, Sônia parece apaixonada pela personagem e a defende de todas as formas possíveis. Cada cena ganha um brilho diferente por causa de sua interpretação discreta, mas sempre muito forte. Não há nenhuma nesga aparente da vaidade inerente a todo ator: Clara chega a ser uma pessoa real dissociada da figura de Sônia. 

Polêmica vazia

Assim como O Som ao Redor, longa anterior de Kleber Mendonça Filho, Aquarius é um filme de impacto. Ainda que este impacto esteja em uma camada por trás da trama, como que um ruído de fundo. É um filme sem sobressaltos, onde as cenas longas exploram ao máximo o potencial de cada ator. O filme que tem causado barulho nas premiações e nas redes sociais é exatamente o oposto de ruidoso. É uma obra incrível, contemplativa e, sim, injustiçada pela mentalidade pequena que domina os debates culturais no Brasil.

Assim, colar em Aquarius a pecha de “polêmico” é vazia e antes disso, inútil. A discussão em torno do longa parece ter se resumido ao protesto contra o afastamento da então presidente Dilma Rousseff que a equipe do filme fez, antes de sua sessão de gala no Festival de Cannes, onde o longa brasileiro participou da seleção principal – coisa que não ocorria havia oito anos. Não é um filme sobre política, embora seja, sim, um filme político. E mais: é um filme que se coloca a favor das pessoas e contra as grandes corporações, logo, pode soar comunista na cabeça de alguns. Mas definitivamente, não é um filme sobre a questão “coxinhas e petralhas” que assola o País. Quem espera encontrar uma crítica partidária, na tela, vai quedar frustrado.

O vilão do filme é a construtora. Ou a especulação imobiliária que ela representa (no Recife, esse é um tema presente,vida as manifestações como o Ocupa Estelita). Ou o capitalismo selvagem por trás da especulação. Ou poder que essa selvageria sustenta. Não um poder econômico, não é esse o ponto do filme, mas um poder físico. A cisma com o filme pelos posicionamentos políticos do elenco e do diretor fora das telas custou a Aquarius a indicação brasileira ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O escolhido foi o obscuro filme Pequeno Segredo, drama de David Schurmann sobre sua família, composta de navegadores.

Sem soar despeitado, pode-se sim afirmar que, neste caso, perde o Oscar, e perde o Brasil. Aquarius segue premiado em festivais de cinema, e, mesmo não tendo ganhado a Palma de Ouro em Cannes, foi um dos grandes destaques da festa. E Sônia Braga, quem diria, é a atriz do ano, longe da imagem que a consagrou, mas ainda uma tigresa, dentro e fora das telas. A atriz está confirmada no filme Extraordinário, adaptação do livro de R.J. Palacio. No filme de Stephen Chbosky, Sônia será mãe de Julia Roberts e avó de Jacob Tremblay, protagonista da produção.

Além disso, a atriz brasileira foi escalada para Going Places, spin-off do clássico O Grande Lebowski, trabalhando ao lado de John Turturro, Susan Sarandon, Bobby Cannavale e Audrey Tautou. As filmagens já começaram, mas ainda não há data de lançamento. Além disso, a atriz assume o papel da mãe de Claire Temple (Rosario Dawson) na série da Marvel, Luke Cage, que chega à Netflix no dia 30 deste mês.

Parafraseando a música de Caetano inspirada em Sônia, “a tigresa pode mais do que um leão”.

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