De FHC a Lula: o calvário dos presidentes em busca de consenso pela reforma tributária

Percalços enfrentados na atual tramitação não difere muito às enfrentadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

Postado em: 19-07-2023 às 08h30
Por: Yago Sales
Imagem Ilustrando a Notícia: De FHC a Lula: o calvário dos presidentes em busca de consenso pela reforma tributária
Percalços enfrentados na atual tramitação não difere muito às enfrentadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Em fevereiro de 2002, portanto há 23 anos, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, a menos de um ano de deixar o segundo mandato, pisava em ovos ao discursar a um grupo de empresários ao reconhecer que era necessário que se aprovasse uma reforma tributária no Brasil.

“Sabemos que o nosso sistema é distorcido. Então, porque não votar (a reforma tributária)? Há muitas propostas e algumas eu não entendo porque não se vota”, enfatizou à época, sob o olhar desconfiado dos presentes. 

Como presidente, FHC – as iniciais famosas do político – sabia que era necessário defender, também, uma bandeira necessária para qualquer estado: os impostos. Isto, disse ainda ele, para que o governo pudesse atender aos mais pobres com políticas públicas. E falou acerca da criação do imposto único com alíquota de 5%, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O estudo aprovado pela reforma pela Câmara Federal, previsto para votação pelo Senado Federal a partir de outubro próximo, pode chegar a 25%. 

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Um estudo do Ipea, divulgado nesta terça-feira (18), afirma que o IVA pode chegar a 28%, consolidando, com isso, o tributo como o mais alto de todo o mundo. Uma queda-de-braço se trava entre o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com críticos aos moldes da atual reforma, como tem-se visto nos últimos meses. 

Por isso, a aprovação do texto na Câmara Federal foi alardeada como uma pauta histórica pela imprensa, depois de três décadas de discussões. Na academia universitária, lembrou-se muito, como escreveu, no artigo “O Nó Tributário: porque não se aprova uma reforma tributária no Brasil”, na revista Ipea, o mestre em Ciência Política pela USP, Murilo de Oliveira Junqueira, em 2011. “A reforma tributária no Brasil é um enigma. Vivemos uma situação onde todos veem os problemas, várias soluções são possíveis, mas nada acontece. É um bom exemplo de como algo claramente ruim pode durar muito tempo. O sistema tributário é um dos nós do desenvolvimento econômico e social do país. A necessidade de uma reforma deixou de ser apenas uma opinião de especialistas. Virou uma unanimidade nacional”, observou o pesquisador. 

Enquanto o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, comemoro a tensa aprovação do texto nos dois turnos pelo parlamento, o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), lembrava que a reforma era uma questão de estado, não de governo. A declaração não amenizava o furor do governo e nem de sua base. O texto, afinal, atendia aos interesses tanto dos grandões do Planalto Central como da elite empresarial do sudeste e parte do Sul. 

De qualquer forma, o debate em torno de um texto de consenso iniciou-se em 1988, quando aqueles que foram eleitos para o cargo mais importante da República não esconderam o interesse de se fornecer ao sistema financeiro brasileiro uma reforma à altura dos interesses. Faltava consenso e pulso firme. Apenas dois presidentes, no entanto, enviaram propostas de reforma ao Congresso. 

Fernando Henrique Cardoso chegou a enviar, ao congresso nacional, Proposta de Emenda Constitucional (PEC 175 de 1995). O debate, contudo, perpassou quatro anos de discussões. O governo teve fôlego com aprovação, com um voto contrário, na comissão especial constituída para analisar o mérito do texto, que morreu na ideia, porque, engavetada, nem chegou a ser discutida no plenário da Câmara dos Deputados. 

Imbuído da missão de dar continuidade à proposta, o primeiro governo do petista Lula da Silva enviou outra proposta de reforma tributária ao Congresso. Tratava-se da PEC 41/2003. O texto passou incólume pela Câmara, mas foi freada, para não dizer outra coisa, pelo Senado Federal. O assunto virou incômodo. Um recado ao Executivo. De qualquer forma, de maneira fragmentada, foram sugeridas PECs “paliativas”, como as 255, 284 e 294/2004. No entanto, todas foram rejeitadas pela Comissão Especial. 

Quatro anos depois, no segundo mandato, Lula temia um colapso na arrecadação. A saída: voltar ao tema da reforma. E lá brotava a PEC 233/2008, apensada à PEC 31/2007. 

O debate da reforma percorreu os governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas, com a assertividade do congresso, e maleabilidade do governo Lula 3, o texto passou, como diz o ditado, aos trancos e barrancos, e aguarda o “ok” do Senado. Pelo andar da carruagem, tudo indica que o texto deve passar por modificações, mas deve manter boa parte da sua essência. 

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