Livro vencedor do Jabuti que fala sobre racismo é retirado de escolas em Goiás

A ação em Goiás ocorre após a obra ser alvo de polêmica nas redes sociais de uma diretora de escola pública do Rio Grande do Sul

Postado em: 11-03-2024 às 09h23
Por: Gabriel Neves Matos
Imagem Ilustrando a Notícia: Livro vencedor do Jabuti que fala sobre racismo é retirado de escolas em Goiás
“O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, também teve recolhimento decretado no Mato Grosso do Sul e no Paraná após polêmica nas redes sociais | Foto: Gabriel Neves/O HOJE

O livro “O avesso da pele”, do escritor Jeferson Tenório e vencedor do prêmio Jabuti em 2021, começou a ser recolhido das escolas públicas em Goiás pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc). A pasta confirmou o recolhimento sob a justificativa de avaliar se a obra atende à proposta da rede pública de ensino. 

A ação em Goiás ocorre após a obra ser alvo de polêmica nas redes sociais de uma diretora de escola pública do Rio Grande do Sul. Janaina Venzon pediu, em seu Instagram, que o livro fosse censurado e o classificou como “inadequado” para estudantes adolescentes do ensino médio. 

“Lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio. Solicito ao Ministério da Educação buscar os 200 exemplares enviados para a escola. Prezamos pela educação dos nossos estudantes e não pela vulgaridade”, escreveu ela na legenda. 

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Com a repercussão do vídeo, “O avesso da pele”, livro selecionado pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para professores e estudantes de escolas públicas de todo o país, teve recolhimento decretado nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás na semana passada. As secretarias de educação alegam linguagem “imprópria”. 

A obra de Jeferson Tenório conta a história de um rapaz negro que teve o pai assassinado em uma abordagem policial. Temas como violência, identidade, racismo e sexualidade permeiam todo o livro. “O avesso da pele” foi aprovado pelo Ministério da Educação (MEC) ainda em 2022, no governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL). A leitura foi recomendada para adolescentes de 14 a 17 anos de idade. 

Em nota enviada à imprensa, a Seduc Goiás afirmou que “fará a leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído”. “O objetivo é assegurar que a obra literária que chegue à escola possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes com base no currículo estadual”, diz o texto. 

O livro também foi centro de debate na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) na semana passada. O deputado estadual Amauri Ribeiro (UB) leu passagens de “O avesso da pele” na tribuna da Casa, na terça-feira passada (5), e os classificou impróprios por conter conotação sexual. Em seu discurso, ele usou termos como “porcaria” e “pornografia” para cunhar a obra. 

A deputada estadual Bia de Lima (PT) rebateu o parlamentar bolsonarista um dia depois. Ela reforçou que o livro fora aprovado na gestão Bolsonaro e alegou que Ribeiro tirou de contexto os trechos da obra. “Eu não li os livros, então não farei juízo de valor. Mas gostaria de lembrar que eles são destinados apenas aos alunos do Ensino Médio e o tema é o racismo, não há enfoque em questões de sexualidade”, disse.

Em entrevista aos jornalistas do UOL na sexta-feira passada (8), o governador Ronaldo Caiado (UB) também confirmou o recolhimento do livro de Jeferson Tenório das escolas públicas de Goiás e admitiu que não leu a obra, que vem sendo acusada de censura. “Eu nem tive a coragem de ler, eu li o pedaço que foi publicado [nas redes sociais]”, afirmou o governador. Para o goiano, a obra é “promiscuidade plena”. 

“Realmente, eu até ler aquilo que está lá, eu não acreditava. Não posso imaginar que aquilo seja censura. Aquilo é promiscuidade plena, aquilo ali não tem nada educativo, aquilo ali é um absurdo, aquilo que está ali publicado. Quer dizer, onde se quer chegar com o texto daquele na formação de uma criança, onde quer chegar com aquilo?”, questionou Caiado. 

A Companhia das Letras, editora que publica no Brasil o livro “O avesso da pele”, se manifestou pelas redes sociais sobre o episódio em Goiás. “A decisão de recolher um livro previamente aprovado e selecionado por uma banca de educadores, especialistas, mestres e doutores em literatura não apenas prejudica a qualidade da educação oferecida às nossas crianças e jovens, mas também mina a confiança no próprio programa e nas instituições responsáveis por sua implementação”, disse a editora no post. 

“Além disso, ela representa um grave ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias, princípios fundamentais de uma sociedade democrática”, prossegue o texto, que também cobra “manifestação imediata” do ministro da Educação sobre o assunto e em defesa do PNLD, que, segundo a editora, deve ter a garantia de funcionar sem “interferências arbitrárias e ideológicas”. 

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