Segunda-feira, 08 de julho de 2024

TRT registra 3.716 casos de escravidão

Setor de criação bovina e cultivo de arroz são os mais denunciados por auditores fiscais do trabalho

Postado em: 06-11-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Setor de criação bovina e cultivo de arroz são os mais denunciados por auditores fiscais do trabalho

Marcus Vinícius Beck*

Barraca de lona e casas construídas a pau a pique. Esta cena foi vista por auditores fiscais do trabalho que retiraram 3.716 trabalhadores de situações análogas à escravidão entre 2003 e 2016, em Goiás. Levantamento da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE), órgão responsável por fiscalizar, acompanhar as relações empregatícias e checar denúncias de escravismo, aponta que a maioria dos escravocratas são dos setores agropecuário e pedreiro, que tiveram 1.035 e 70 trabalhadores resgatados, respectivamente. 

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Os setores econômicos que mais contabilizaram mão de obra escrava foram criação de bovino, com 367, e cultivo de arroz, 342, de acordo com lista do SRTE obtida com exclusividade pelo jornal O Hoje. Na construção civil, que teve um aumento na quantidade de trabalhadores submetidos às condições degradantes de trabalho, a dignidade humana é deixada de lado pelos patrões. A maioria dos trabalhadores residem em regiões pobres do país e, ao terem contato com os chamados ‘gatos’, são trazidos para os postos de trabalho com promessas de salário e ascensão social, o que nunca se concretiza. No âmbito nacional, foram resgatados 43.000 trabalhadores das mãos de escravocratas.

Segundo a auditora fiscal Helga Jordão, a condição sub-humana de trabalho se dá por meio da falta de itens básicos para a sobrevivência humana. Por isso, diz Jodão, não é se espantar que os escravizados não tenham camas e colchões. “Com frequência, não há local para guardar alimentos e conservá-los, tampouco para prepará-los.Também não há equipamentos de segurança, nem ferramentas de trabalho”, explica a auditora, ressaltando que as condições degradantes de trabalho acontecem por causa da ausência do registro formal dos trabalhadores. “Atraso no pagamento de salários e péssimas condições de habitação também são comuns”, complementa.

Já no meio rural – que teve nos últimos anos a migração dos escravizados para a cidade – o que configura trabalho escravo são as condições degradantes e jornadas exaustivas de labuta. De acordo com Jordão, a carga horária desgastante, queixa da maioria dos trabalhadores resgatados, é registrada não apenas pelo excesso de horas trabalhadas, mas também pela característica da ocupação desenvolvida. Ela afirma ainda que o escravismo é representado pela ausência da dignidade humana, uma vez que o empregado passa a ser tratado como um mero objetivo pelo empregador, representando um instrumento barato para a produção de seus bens, serviços e lucros. 

“No trabalho rural, muitas vezes o trabalhador habita barracas de lona ou casas construídas com condições impróprias. Não há fornecimento de camas adequadas ou colchões. Eles, na maioria das vezes, têm de dormir em pedaços de espuma velhos ou em camas improvisadas”, revela Jordão, que diz que os trabalhadores usam como banheiros rios próximos da região onde estão ‘alojados’. “Para tomar banho, é utilizado rios existentes nas proximidades ou simplesmente jogam apenas água sobre o corpo. Necessidades fisiológicas são feitas ‘no mato’ mesmo”, relata a auditora, que é chefe da Sessão de inspeção do trabalho. 

Lista suja

Atualizada na primeira semana de outubro, e não divulgada desde 2014 pelo governo federal por determinação do ministro Ricardo Lewandowski, a nova lista suja do trabalho escravo informou que 69 empregados são submetidos a condições análogas à escravidão em Goiás.  O Hoje, que teve acesso ao documento com exclusividade, encontrou seis empresas que exploravam trabalhadores no estado. 

Em Aparecida de Goiânia, por exemplo, foram encontrados pelo menos 11 trabalhadores em condições degradantes de trabalho. Ainda constatou-se outros casos em quatro fazendas do interior. A lista também apresentou 29 empregados em situações desumanas num time de futebol de Santa Barbara, que fica a 50 km de Goiânia.

A chamada “lista suja” do trabalho escravo, que foi divulgada oficialmente no último dia 27, está disponível no site do Ministério do Trabalho (MT) e relaciona 131 empregadores. Caso descumprisse a decisão de divulgá-la, o Ministério ficaria sujeito a multa diária no valor de R$ 10 mil. A lista é uma base de dados mantida pelo MT desde novembro de 2003, cuja finalidade é tornar público casos em que o Poder Público caracterizou esse tipo de exploração e no qual os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias. 

Os empregadores envolvidos em alguma espécie de trabalho escravo ficam na lista por pelo menos dois anos. Porém, se fizerem algum acordo, eles vão para uma lista de observação e podem sair após um ano, desde que sejam cumpridos os compromissos assumidos. O impasse, que movimentou discussões sobre a legitimidade da portaria 1.129/2017 entre especialistas, passou a valer em 16 de outubro. De acordo com as regras antigas, a divulgação semestral deveria ter ocorrido no final do mês de setembro. 

Portaria do trabalho escravo

Após polêmica sobre legalidade da portaria, que poderia ter tirado o Brasil do modelo de referência ao combater à escravidão moderna, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal de Justiça (STF), suspendeu os efeitos da portaria do Ministério Público do Trabalho que flexibiliza as regras de combate aos escravocratas. Os chefes do Ministério Público (MP) mostram preocupação com as repercussões, sobretudo no âmbito internacional em que a Organização do Internacional do Trabalho (OIT) disse que o Brasil havia retrocedido no tempo. A escravidão foi abolida no país em 1888. 

Situação de escravidão em obras do Minha Casa, Minha Vida 

Auditores Ficais do Trabalho resgataram em abril deste ano trabalhadores em condição de escravidão em obras do programa do governo federal Minha Casa, Minha vida, no bairro Chácara São Pedro, em Aparecida de Goiânia. Os homens, 20 encontrados, não tinham acesso a água potável, alojamento e, ainda, conviviam com atraso de salários. Para terem onde morar, os empregados alugaram barracões próximo ao local de trabalho. 

Após o flagrante, a construção dos 900 apartamentos do programa federal foi suspensa pelos auditores, já que foram constatados riscos graves e iminentes de trabalho e à segurança dos trabalhadores. Ao serem resgatados, eles foram encaminhados até um hotel, onde tiveram de aguardar a negociação entre as empresas e os órgãos de fiscalização trabalhista. 

Resgates

De acordo com a auditora fiscal do trabalho, Helga Jordão, foram realizadas ainda duas operações de resgates de escravos em construção civil neste ano. Em Guapó, na região metropolitana de Goiânia, por exemplo, foram resgatados 21 trabalhadores em situações degradantes de trabalho.

Na época, não chegou a ser divulgado o nome das empresas. Um relatório foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF). Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues, que é procurador do trabalho, disse na ocasião que o acordo estava sendo formatado, e que a dívida seria liquidada em 40 dias. As obras do Minha Casa, Minha Vida tiveram início em 2014 e tinham previsão de serem entregues deste ano. (Marcus Vinícius Beck é estagiário do jornal O Hoje, sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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