Entenda por que a pobreza menstrual é um problema de saúde pública

Diante do pouco dinheiro para produtos básicos de sobrevivência, são as adolescentes o alvo mais vulnerável à precariedade menstrual.

Postado em: 10-10-2021 às 14h34
Por: Victoria Lacerda
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Diante do pouco dinheiro para produtos básicos de sobrevivência, são as adolescentes o alvo mais vulnerável à precariedade menstrual. | Foto: Reprodução/Internet

Jornal, pedaços de pano ou folhas de árvores usados de forma improvisada no lugar de um absorvente para conter a menstruação. Se para a maior parte da população que menstrua os cuidados são apenas mais um hábito de higiene, para uma pequena, mas significativa, parcela desse público a realidade são condições precárias de higiene, como falta de acesso a itens básicos, falta de informação e de apoio nesse período.

Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

Para dar visibilidade sobre os impactos da Pobreza Menstrual, Always realizou uma pesquisa em parceria com a Toluna1. Os resultados, que foram analisados pela pesquisadora e antropóloga, Mirian Goldenberg, mostram que a falta de dignidade na menstruação é um reflexo da desigualdade de gênero e é agravado pelo tabu em torno da menstruação.

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Além disso, a pesquisa revela também que o índice de mulheres sem acesso à absorventes no Brasil ultrapassa bastante a estimativa global da ONU.

De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 28 de maio, Dia Internacional da Dignidade Menstrual, mais de 4 milhões de estudantes frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar.

A situação é ainda pior quando se leva em conta que 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro (com chuveiro e sanitário) em suas casas. E outras 632 mil meninas vivem sem sequer um banheiro de uso comum no terreno ou propriedade.

Alguns resultados da pesquisa são:

  • Uma entre cada quatro jovens não se sente confortável nem mesmo em falar sobre a menstruação. Mais da metade das entrevistadas (57%) afirmaram que a primeira menstruação as deixou menos confiantes. A busca por informação na primeira menstruação vem quase totalmente da mãe (79%).
  • O absorvente foi considerado um produto de primeira necessidade. Sua falta, de acordo com as entrevistadas, afeta a confiança feminina. Porém, 29% das jovens revelaram não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas. Nas classes DE, esse índice chega a 33%.
  • A ONU estima que 1 em cada 10 meninas falte à escola durante a menstruação. No Brasil, uma em cada quatro estudantes já deixou de ir à aula por não poder comprar absorventes. Delas, 45% acreditam que esse motivo impactou negativamente o rendimento escolar.
  • Três em cada quatro afirmam que o período menstrual tem um impacto muito negativo na sua confiança pessoal. Para meninas que não têm acesso à absorventes, o impacto na confiança é ainda pior e cria um ciclo vicioso: ao faltar às aulas, elas ficam para trás nos trabalhos escolares, deixando de participar de atividades que ajudam a aumentar sua confiança e habilidades (35%, por exemplo, deixaram de praticar esportes e sentiram muita vergonha pela falta de produtos menstruais na escola).
  • Com as limitações financeiras, mulheres recorrem a alternativas como papel higiênico, roupas velhas ou toalhas de papel. Entre as mulheres de classes sociais mais baixas, tecidos ganham ainda mais importância como substituto.

Menstruar na escola

Diante do pouco dinheiro para produtos básicos de sobrevivência, são as adolescentes o alvo mais vulnerável à precariedade menstrual. Sofrem com dois fatores: o desconhecimento da importância da higiene menstrual para sua saúde e a dependência dos pais ou familiares para a compra do absorvente, que acaba entrando na lista de artigos supérfluos da casa.

A falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar dessas estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, do IBGE, revelaram que, das meninas entre 10 e 19 anos que deixaram de fazer alguma atividade (estudar, realizar afazeres domésticos, trabalhar ou até mesmo brincar) por problemas de saúde nos 14 dias anteriores à data da pesquisa, 2,88% delas deixaram de fazê-la por problemas menstruais. Para efeitos de comparação, o índice de meninas que relataram não ter conseguido realizar alguma de suas atividades por gravidez e parto foi menor: 2,55%.

Os impactos na sociedade

A ausência de absorventes, além de provocar uma perda de confiança e autoestima nas mulheres, retratada no documentário “Absorvendo o Tabu”, vencedor do Oscar no ano de 2019 (melhor documentário curta-metragem), causa ainda mudanças de comportamentos nessas pessoas e impactos diretos na sua educação. A evasão escolar de adolescentes em período menstrual é um importante sinal de que o tema deve ter notoriedade pública e estar presente nos debates governamentais. 

A pobreza menstrual no Brasil

Hoje, no Brasil, os absorventes não são tidos pela lei como produtos de higiene básica, o que impede que eles façam parte do conjunto de itens essenciais em cestas básicas e sejam isentos de impostos cobrados pelo Governo Federal. Como consequência de mobilizações de grupos, movimentos ativistas e instituições, o tema começou a ganhar visibilidade nos debates de políticas públicas.

No ano de 2020, foi aprovada a lei 8924/2020 no Rio de Janeiro, por exemplo, que classifica o absorvente como item essencial na cesta básica. Ainda, no mesmo ano, o governador do estado, Wilson Witzel sancionou a lei aprovada em 2019 que dá como garantia a distribuição gratuita de absorventes na rede municipal de escolas.

Contudo, a nível nacional o tema ainda é um desafio e caminha a passos lentos. O projeto de lei 428/2020, de autoria da deputada Tabata Amaral, que dispunha sobre a distribuição de absorventes em espaços públicos não saiu do papel e gerou grandes discussões sobre seu impacto orçamentário.

Outra proposta é o projeto de lei 4.968/2019, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE), que prevê a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. O projeto foi aprovado no Senado em setembro de 2021, e sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, em 7 de outubro de 2021 – no entanto, a principal medida do programa – a distribuição gratuita de absorventes para estudantes femininas de baixa renda e mulheres em situação de rua – foi vetada pelo chefe do executivo federal. Entidades do terceiro setor e lideranças políticas, majoritariamente femininas, se articulam para derrubar o veto.

Dessa forma, pode-se notar que a pobreza menstrual não consiste somente na ausência de poder aquisitivo para a aquisição de itens de higiene íntima, mas representa também a falta de informação e a forma como o tema ainda é visto pela sociedade. O absorvente hoje não é considerado como item prioritário por muitas famílias e, principalmente, pelas políticas públicas do país, o que favorece a conjuntura de falta de conscientização e ações sociais, educacionais e, principalmente, da esfera da saúde pública.

Fontes de ajuda para a escrita do texto: Politize! / Always Brasil e Folha de São Paulo. 

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