Mulheres São Abóboras

Confira a crônica da estagiária Eduarda Albuquerque para especial O Hoje

Postado em: 28-02-2022 às 13h56
Por: Eduarda Albuquerque
Imagem Ilustrando a Notícia: Mulheres São Abóboras
Confira o conto da estagiária Eduarda Albuquerque especial para O Hoje | Foto: Rebeca Richardson/Getty Images

Sofia acabara de acordar. Um feixe de luz atravessou a greta da cortina, penetrou em seu quarto sem ser convidado, e foi acariciar sua bochecha. E em um gesto cálido e silencioso que logo aqueceu sua face, ela despertou. Ouvia diálogos distantes e abafados, passos lentos, e canarinhos que cantavam sambando através do vento que passeava e batia na janela de seu quarto.

A primeira lembrança que veio em sua mente enquanto calçava os chinelos era a colheita de abóboras que se aproximava. Há 4 meses, Sofia e seus pais haviam plantado diversas sementes de abóbora moranga. No entanto, dessa vez tudo era diferente porque ela havia feito todo o processo ao lado de sua mãe. O pai e a mãe de Sofia são dois grandes horticultores, ambos possuem muita experiência no ramo, mas a menina nem sempre participa do ato de plantio.

Durante a atividade, Sofia e sua mãe se divertiram enquanto conversavam sobre as mulheres de sua família: foi nesse dia que a pequena descobriu que existir como mulher era ser mais forte do que ela imaginava. Sua mãe contou sobre a tia Maria que criou 3 filhos sozinha porque decidiu separar do marido depois das agressões que sofria.  Da prima Lúcia, que desistiu do casamento para estudar biologia na capital, contrariando os pais e todas as outras pessoas. Disse também sobre a sua bisavó Elsa, que de tão sofrida, não teve condições psicológicas para criar alguns filhos e precisou doá-los.  

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Depois de muita espera por parte de Sofia, que sempre passava em frente a plantação para averiguar o desenrolar dos pés de abóbora, o dia da colheita finalmente havia chegado. Era sábado, o sol estava alto no céu e seu calor adoçava as frutas que amadureciam penduradas no pomar. A pequerrucha mal pôde se conter, foi tropeçando em si mesma, correndo e deslizando barranco abaixo enquanto ia de encontro às suculentas abóboras.

Quando Sofia chegou pertinho da aboboreira, ficou maravilhada. Era a primeira vez que via algo daquele tipo. Adorou a cor, o formato, e o jeito amigável com que os raminhos se espalhavam pelo solo. Não pôde deixar de notar também a forma com que as folhas ásperas e firmes espetavam levemente seus dedinhos miúdos e curiosos por novas texturas.

A mãe, assim que notou a abelhudice da menina, sacou o canivete da botina e partiu uma das abóboras ao meio. O que deixou Sofia mais animada ainda e fez com que ela quisesse passar as mãos nas inúmeras sementes da abóbora. A criança fez uma pausa instantânea, notoriamente reflexiva e logo indagou:

– Mamãe, por que tantas sementes?

E então, Sol carinhosamente responde:

– É porque as abóboras são como nós. Dentro de você, logo abaixo do umbigo, existem muitas sementes. Eu tenho essas sementes, assim como sua avó, e a sua bisavó também. O segredo, é que elas são mais do que sementes. O lugar que as guarda é uma poderosa fonte de autoconhecimento, é através dele que você vai se descobrir uma mulher forte. Ele carrega a memória de todas as mulheres da família, e também de todas aquelas que resistiram lutando para que nós tivéssemos os direitos que temos hoje. As sementes existem para que possamos nos multiplicar e crescer, assim como as abóboras.

Sofia arregalou os olhos: Olhou para a mãe, olhou para a abóbora, e depois olhou para o próprio umbigo. Sua jornada de autoconhecimento apenas começara e os dias nunca mais seriam os mesmos.

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