Uma em cada cinco mulheres fará um aborto até os 40 anos, indica pesquisa

Segundo pesquisa, a mulher que aborta tem entre 18 e 39 anos, é alfabetizada, de área urbana e de todas classes socioeconômicas

Postado em: 12-03-2017 às 08h00
Por: Renato
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Segundo pesquisa, a mulher que aborta tem entre 18 e 39 anos, é alfabetizada, de área urbana e de todas classes socioeconômicas

A segunda edição da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA),
realizada em 2016 pelo Anis Instituto de Bioética e pela Universidade de
Brasília (UnB), aponta que 20% das mulheres terão feito ao menos um aborto
ilegal ao final da vida reprodutiva, ou seja, uma em cada cinco mulheres aos 40
anos terá abortado ao menos uma vez. De acordo com os dados, em 2015, 417 mil
mulheres nas áreas urbanas do Brasil interromperam a gravidez, número que sobe
para 503 mil se for incluída a zona rural. O tema 
volta ao debate depois que uma nova ação chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF)
pedindo a descrminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, em qualquer
situação.

Segundo a pesquisa, a mulher que aborta tem entre 18 e 39
anos, é alfabetizada, de área urbana e de todas as classes socioeconômicas,
sendo que a maior parte (48%) completou o ensino fundamental e 26% tinham
ensino superior. Do total, 67% já tinha filhos. A pesquisa aponta ainda que a religião
professada não é impeditivo para o ato, pois 56% dos casos registrados foram
praticados por católicas e 25% por protestantes ou evangélicas.

“Há tanto aborto no Brasil que é possível dizer que em
praticamente todas as famílias do país alguém já fez um aborto – uma avó, tia,
prima, mãe, irmã ou filha, ainda que em segredo. Todos conhecemos uma mulher
que já fez aborto”, conclui o levantamento, que trata o tema como saúde
pública.

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A publicação do Ministério da Saúde” 20 anos de
Pesquisa Sobre Aborto do Brasil”, de 2009, também traça um perfil de quem
interrompe a gravidez no país. Segundo a pesquisa, são “predominantemente
mulheres entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo,
trabalhadoras, católicas, com pelo menos um filho e usuárias de métodos
contraceptivos, as quais abortam com misoprostol [remédio abortivo popularmente
conhecido como Cytotec]”.

Ao 38 anos, a professora Maria* mora em Brasília e relata
que já fez aborto duas vezes, por razões diferentes, mesmo após já ter dois filhos.
Com doutorado na área de ciências sociais, em 2003 se submeteu ao procedimento
ilegal por estar em processo de separação.

“Ser criminalizado é péssimo, foi uma situação muito
difícil. Tentei com Cytotec, mas não funcionou. Somente na terceira tentativa,
com a inserção de um líquido em uma clínica, que doeu um absurdo, imediatamente
começou a hemorragia. Conclui o procedimento com a curetagem na rede pública e
consegui uma receita de benzetacil [antibiótico penicilina] para tomar todo dia
por uma semana”, lembra.

Já em 2008, ela estava concluindo um mestrado quando
engravidou e o pai da criança a acusou de “golpe da barriga”. Ele pagou pelo
procedimento em uma clínica. “O pai forçou a barra, eu queria ter, já estava
empregada e foi logo após perder uma amiga, que morreu por causa de um aborto
mal sucedido. Mas aceitei porque precisa me concentrar para terminar o
mestrado”, disse.

A artista plástica Ana*, também de Brasília, relata que não
exitou quando teve uma gravidez indesejada e decidiu fazer um aborto. Na época
com 28 anos e uma filha, havia descoberto uma traição do companheiro e decidido
terminar a relação. “Eu sabia muito bem a dedicação que a criação de um filho
exige. Morava com meus pais e não tinha condições de me sustentar. Fazia
faculdade e trabalhava. Não sabia por onde começar, ou o que fazer. Contei para
uma amiga, ela me acolheu e me ajudou muito. Contei para o parceiro e para a
família e eles também me ajudaram. Com a indicação de uma médica, fui a uma
clínica em Goiânia e o meu parceiro me acompanhou”.

Ela conta que o procedimento foi muito rápido, mas que teve
medo de morrer. “A anestesia não fez efeito direito e eu senti aquele
‘aspirador’ sugar tudo. O médico, assim como apareceu, sumiu, parecia até
alucinação. A enfermeira, em seguida, me empurrou antibiótico,
anti-inflamatório e analgésico e me fez levantar da maca. Saí em seguida
caminhando pela rua com meu companheiro, sem entender o que tinha acontecido.
Nos dias que se seguiram fiquei com medo de acontecer alguma coisa, achei que
não estivesse bem, nem conseguia dormir. Alguns meses depois, vi no jornal a
clínica sendo descoberta pela polícia”, conta.

Criminalização

Segundo a pesquisa do Ministério da Saúde, a criminalização
do aborto atinge especialmente mulheres jovens, desempregadas ou em situação
informal, negras, com baixa escolaridade, solteiras e moradoras de áreas
periféricas. Ana* e Maria*, com perfil oposto ao descrito pelo estudo,
conseguiram concluir o procedimento sem maiores problemas.

A Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e
pela Legalização do Aborto também lançou no ano passado o dossiê Criminalização
das mulheres pela prática do aborto no Brasil (2007-2015), que relata 20 casos
emblemáticos de criminalização da prática no período, além de trazer o contexto
das leis.

A escolha de 2007 para o início do levantamento relembra
caso do Mato Grosso do Sul, onde 10 mil mulheres tiveram seus sigilos médicos
violados. Na época, profissionais de saúde foram condenados à prisão e mulheres
a trabalhos alternativos em creches, “para ver que muitas mulheres podem criar
um filho com um pouco de esforço”, segundo declarou o juiz na sentença. Este
episódio também levou à criação da Frente Nacional.

A presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida –
Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, defende a criminalização do aborto, mas
concorda que isso não tem sido o suficiente para coibir a prática. “Dizer que a
escolha é entre fazer o aborto legal ou fazer o aborto clandestino não é
verdade. A escolha é sobre fazer ou não fazer o aborto. O direito sempre seria
por não fazer o aborto, porque a criança também tem o seu direito. O aborto
clandestino está tão presente por uma questão de impunidade. A grávida descobre
onde está a clínica e a polícia não descobre? Então, o aborto clandestino
acontece pela impunidade, pela corrupção que muitas vezes envolve a própria
polícia”, argumentou a professora, ao participar do programa Diálogo Brasil, da
TV Brasil..

Ela defende que toda mulher grávida merece ter o acolhimento
necessário para que possa ter seus filhos e afirma que “a maior parte delas
opta por isso quando tem essa possibilidade”.

Visibilidade

Outro caso emblemático incluído no relatório é o da menina
de 9 anos de Alagoinha (PE), vítima de estupro em 2009. A igreja local interveio
e um centro médico se recusou a fazer o procedimento legal, sendo necessária a
ação de entidades e a transferência de unidade para resolver o caso. No final,
o arcebispo excomungou todos os envolvidos, menos o padrasto que estuprou a
menina.

“São casos para visibilizar, processos inclusive que
poderiam passar por procedimentos legais, mas que, por força do
conservadorismo, dos valores morais, do julgamento individual das pessoas
responsáveis, acabou violando direitos”, explica a socióloga Joluzia Batista,
integrante do Comitê Impulsor da Frente.

De acordo com ela, dados de 2015 apontam que, no estado de
São Paulo, 111 mulheres foram denunciadas por fazer aborto e estão respondendo
a ação penal ou inquérito. No Rio de Janeiro, um levantamento mostrou que, de
2007 a 2011, foram abertos 334 inquéritos sobre aborto no estado.

*Nomes fictícios para preservar a identidade das mulheres

Foto: (Reprodução)

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