Assédios ainda são comuns na vida de muitas mulheres

Assédio sexual ou moral, violência sexual e física contra a mulher são problemas reais enfrentados até os dias de hoje no Brasil e no mundo

Postado em: 09-03-2018 às 14h00
Por: Márcio Souza
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Assédio sexual ou moral, violência sexual e física contra a mulher são problemas reais enfrentados até os dias de hoje no Brasil e no mundo

Márcio Souza*

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O Instituto Ipsos (terceira maior empresa de pesquisa e de inteligência de mercado do mundo) ouviu quase 20 mil pessoas em 27 países, incluindo o Brasil, e chegou ao seguinte resultado, quando o assunto é “quais os principais problemas que as mulheres enfrentam”: o assédio sexual aparece em primeiro lugar (32%), a violência sexual em segundo (28%) e a violência física em terceiro (21%).

Na pesquisa, mulheres e homens puderam indicar até três itens. Quando se consideram as respostas apenas dos brasileiros, os maiores problemas listados são os mesmos apresentados no resultado global, mas a ordem é diferente. Violência sexual lidera o ranking (47%), seguida por assédio sexual (38%) e violência física (28%).

“Infelizmente, assédio e violência sexual e física contra a mulher são problemas reais que enfrentamos no Brasil e no mundo. Os números de estupros e casos de violência física são altíssimos e ainda sabemos que grande parte deles não é reportado”, analisa Narayana Andraus, gerente da Ipsos.

“Além disso, dados da nossa pesquisa apontam para uma sensação de impunidade por parte das mulheres, o que intensifica o medo – 61% das mulheres acreditam que os relatos de assédio sexual são ignorados”, completa Andraus.

A recepcionista Andréia (nome fictício a pedido da fonte), hoje
com 29 anos, conta que já foi assediada no trabalho pelo chefe. Com medo de
julgamentos, se calou durante quase um ano. “Eu consegui esse emprego por meio de indicação de uma amiga, depois de ficar um bom tempo desempregada”. Ela
afirma que o assédio por parte do patrão começou a partir de sucessivos
elogios, até chegar ao ponto de tentar obrigá-la a sair com ele. “Foram momentos bem
difíceis. Eu sempre achei estranha a forma como ele me elogiava, pegava na
minha mão. A coisa ficou insustentável quando ele quis que eu saísse com ele. Eu disse não e foi aí que ele ameaçou a me demitir da empresa”. Mas, dias
depois, quem pediu demissão foi ela. “Percebi que precisava dar uma basta naquela situação”, recorda.

Andréia entra para uma triste estatística de mulheres que
sofrem diariamente com assédio sexual. Em um levantamento realizado em 2016
pelo Instituto YouGov no Brasil, na Índia, na Tailândia e no Reino Unido,
mostrou que 86% das mulheres brasileiras ouvidas sofreram assédio em público em
suas cidades de pesquisa. No Brasil, entre as formas de assédio sofridas em
público, o assobio é o mais comum (77%), seguido por olhares insistentes (74%),
comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%).

Carla Von Bentzen

O assédio moral consiste em um comportamento mais sutil,
por meio de comentários indevidos, brincadeiras que tem por objetivo denegrir a
imagem profissional ou a trajetória que o funcionário vem percorrendo, como
lembra a procuradora do Estado, Carla Von Bentzen (foto: Carlos Costa). “Expor a mulher a algum tipo
de constrangimento e humilhações constantes são as principais características
desse tipo de assédio”, relata.

Karol Barbosa

A procuradora cita o caso da musa do Goiás Esporte Clube, Karol Barbosa,
de 23 anos, que ficou visivelmente constrangida com perguntas de teor sexual
feitas por um dos apresentadores do programa Os Donos da Bola, da TV Goiânia,
afiliada Band em Goiás.  Indagações de
duplo sentido como: “Se seu nutricionista mandar você chupar uma laranja porque faz muito bem para a saúde, você chuparia um saco por dia?” ou “Em um
clássico contra o Vila, se o juiz põe pra fora, você mete a boca?”, foram
feitas para a musa. No dia seguinte, o clube do time do Goiás divulgou uma nota
de repúdio e acionou o departamento jurídico. Alegou, ainda, que entraria
com uma ação contra a emissora, que logo retirou o programa do ar. 

“Se fosse antigamente, a gente mal prestaria a atenção a
essas perguntas, passaria batido, mas hoje não. As pessoas ficam atentas,
reproduzem, abrem a boca pra falar que aquilo foi uma atitude machista e assim
conseguem pressionar para que possa ocorrer alguma mudança”, destaca Carla.

Para a promotora, dificuldade em reunir evidências e baixos índices de punições são fatores que contribuem
para que as vítimas desistam de denunciar. “Dizer que aquela situação é
incômoda já é um primeiro passo”. Ela frisa a importância de deixar
registrados os assédios e que para que não haja desqualificação da fala da
mulher, é preciso que se tenham provas. “Quanto mais provas a vítima tiver, sejam elas testemunhais, gravações,
melhor. Ela deve reunir essas provas e levar para o RH da empresa. Se a partir
daí nada for resolvido, a mulher pode ir até a delegacia para registrar a
ocorrência”.

Carla ressalta que as pessoas têm
que saber diferenciar paquera de assédio. “Ah, então não posso ter nenhum tipo
de flerte? A partir do momento em que a pessoa não reagir às invertidas, ela
deve respeitar e saber ouvir um ‘não’. Se a pessoa insiste, pode
ser caracterizado como assédio”.  

Ela destaca ainda o medo das mulheres em denunciar os
assédios e a falta de credibilidade de instituições para apurar os casos. “A
vítima sempre pensa: será que se eu fizer uma denúncia, vai haver de fato uma punição
para o assediador, posso sofrer algum tipo de retaliação?”, questiona.

A procuradora do Estado acredita que movimentos sociais e a
resistência feminina ajudam no combate ao assédio. “É de suma importância a
conscientização para a sensibilização da sociedade. A partir do momento que
começamos a gerar uma conscientização e começamos a unir essas mulheres, a
confiar que existem movimentos em que elas podem se apoiar e que naqueles
lugares ou com pessoas em que elas podem conversar, isso pode virar algum tipo
de suporte, e até de intervenção, auxiliando num momento de denúncia ou
acompanhamento psicológico”, declara.

Para ela, embora as mudanças ocorram em passos lentos, elas
estão acontecendo. “Mesmo que tímida, é notável as mudanças nos últimos anos,
ela acontece como se fosse uma onda e não vai parar”, diz. Ela enfatiza ainda a
necessidade na quebra de paradigma, desde a primeira chegada da mulher a
delegacia que seja para registrar uma simples ocorrência, que a mesma seja
levada a sério com relação à denúncia.

“Ter uma punição a todos que praticam o assédio, seja
sexual, moral, é uma das chaves que a gente precisa girar e precisa mudar para
que se consiga diminuir a sensação de impunidade”, conclui.

Pioneira como
comentarista no esporte em Goiás, jornalista relembra preconceito durante a profissão

A luta da mulher pela obtenção de
voz, direitos e espaço se deu em todos os ramos, o que significa que no esporte
não foi diferente. Hoje, ela está presente em todos os campos profissionais
existentes.

Cecília Barcelos

Apesar dos avanços, a mulher ainda sofre resistência e
preconceito. A jornalista Cecília Barcelos, de 38 anos, atualmente faz parte de
uma equipe de Jornalismo da Rádio Sagres 730, como apresentadora do programa
Tom Maior. Ela recorda de quando trabalhou em um programa de esporte, um universo predominantemente masculino, e revela
que ainda é pequena a presença feminina nos programas esportivos,
principalmente como comentaristas.

A paixão de Cecília pelo jornalismo começou desde criança.
Segundo ela, nunca imaginava em seguir o caminho da profissão no ramo
esportivo. “Principalmente como comentarista. Comecei no jornalismo esportivo
como repórter, em Uberlândia, Minas Gerais”. Ela conta que veio para Goiânia em 2007, para
trabalhar como assessora. À época, ela conheceu várias pessoas ligadas ao meio
esportivo que rapidamente apresentaram seu nome a um programa de esporte. “A
princípio eu seria repórter e já senti olhares estranhos no primeiro contato
com a equipe. Mas às vésperas da estreia, um comentarista faleceu e tiveram a
ideia de me colocar no lugar para comentar um jogo”, afirma.

Apesar dos avanços e direitos conquistados pelas mulheres,
ainda há relatos de preconceito, assédio moral e até mesmo sexual, como ressalta Cecília. “A nossa sociedade ainda é muito machista. Mas muitas mulheres já
provaram sua capacidade nesta área e em outras tantas”. Para ela, a mulher
precisa ser firme em suas posições, estudar muito e fazer o impossível para não
errar, principalmente no futebol.

Segundo a jornalista, muitas pessoas parecem esperar um erro
da cronista para logo dizer que “lugar de mulher é na cozinha”. “A esse
tipo de comentário eu sempre respondi que piloto, sim, fogão e muito bem,
modéstia à parte. Até porque minha terceira formação foi em Gastronomia”,
reitera.

O principal desafio, sem dúvida, é quebrar o pré-conceito de
que mulher não entende de futebol. Foi-se o tempo que este esporte ou mesmo
outros especializados eram exclusivamente de “domínio” masculino.
“Conheço muitas mulheres que sabem de automobilismo como ninguém. E, assim como
eu mesma, que cheguei a ter a minha sexualidade questionada (outro absurdo
característico desse meio machista). A mulher é capaz de manter sua
feminilidade e sensibilidade, com firmeza. Não sou feminista, mas também nunca
me vi como sexo frágil”.

Cecília se orgulha de ter sido a primeira mulher a comentar
futebol profissionalmente em Goiás. “No início, enfrentei resistência de
colegas de trabalho e o questionamento do público quanto a minha
capacidade”.  Ela confessa que ainda
hoje, mesmo tendo escolhido mudar de área há três anos, ainda se diverte quando
ouve comentários do tipo: “Você entende de futebol mais que muitos
homens” , e complementa, “também me sinto honrada em ter desbravado esse
caminho para outras tantas mulheres que agora se fazem presentes na crônica
esportiva”.

Embora a participação feminina tenha aumentado no jornalismo
esportivo, principalmente na televisão, a mesma ainda segue mais
restrita à reportagem ou apresentação. “Em rádio a limitação do espaço é ainda
maior. Comentaristas são poucas, por falta de abertura”, frisa.

Cecília Barcelos aconselha as mulheres que pretendem seguir na área do jornalismo esportivo: “Estudem, se preparem, sejam firmes e se posicionem.
Quebrem preconceitos, paradigmas, estereótipos. Rasguem os rótulos que vez ou
outra ainda são apresentados pela sociedade predominantemente machista e
persistam”, finaliza.

*Márcio Souza é integrante do programa de estágio do jornal O Hoje, sob supervisão de Naiara Gonçalves. 

Foto: Reprodução Facebook

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